ATA DA SEPTUAGÉSIMA SEGUNDA SESSÃO ORDINÁRIA DA
TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA QUINTA LEGISLATURA, EM
18-8-2011.
Aos dezoito dias do mês de agosto do ano de dois mil
e onze, reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara
Municipal de Porto Alegre. Às quatorze horas e quinze minutos, foi realizada a
segunda chamada, respondida pelos vereadores Adeli Sell, Airto Ferronato, Alceu
Brasinha, Aldacir José Oliboni, Bernardino Vendruscolo, Beto Moesch, DJ Cassiá,
Dr. Raul Torelly, Fernanda Melchionna, João Antonio Dib, João Carlos Nedel,
Mario Fraga, Mauro Zacher, Nelcir Tessaro, Paulinho Rubem Berta, Sofia Cavedon,
Tarciso Flecha Negra e Toni Proença. Constatada a existência de quórum, o
senhor Presidente declarou abertos os trabalhos. Ainda, durante a Sessão,
compareceram os vereadores Carlos Todeschini, Dr. Thiago Duarte, Elias Vidal,
Elói Guimarães, Engenheiro Comassetto, Haroldo de Souza, Luciano Marcantônio,
Luiz Braz, Maria Celeste, Mario Manfro, Mauro Pinheiro, Nilo Santos, Pedro
Ruas, Professor Garcia, Reginaldo Pujol, Sebastião Melo e Waldir Canal. Do EXPEDIENTE, constaram
Ofícios do Fundo Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, emitidos no dia
primeiro de agosto do corrente. Em continuidade, foi iniciado o período de COMUNICAÇÕES,
hoje destinado, nos
termos do artigo 180, § 4º, do Regimento, a debater o tema “cinquenta anos do Movimento
da Legalidade”. Compuseram a Mesa: a vereadora Sofia Cavedon, Presidenta da
Câmara Municipal de Porto Alegre; o jornalista Juremir Machado da Silva,
mediador do presente debate; os senhores Caio Lustosa, Victor Douglas Nuñez, Celso
Costa, Índio Vargas, Lauro Hagemann e Caetano Ângelo Vasto e a senhora Teresinha Irigaray, participantes
do Movimento da Legalidade; e o senhor Miguel Frederico do Espírito Santo,
Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Após, a
senhora Presidenta concedeu a palavra, nos termos do artigo 180, § 4º, inciso I
e II, aos senhores Miguel Frederico do Espirito Santo, Juremir Machado da
Silva, Caio Lustosa, Celso Costa, Victor Douglas Nuñez, Índio Vargas, Teresinha
Irigaray, Lauro Hagemann e Caetano Ângelo Vasto, que se pronunciaram sobre o tema em debate. Em COMUNICAÇÕES, nos termos
do artigo 180, § 4º, inciso III, do Regimento, pronunciaram-se os vereadores
Mauro Zacher, Elói Guimarães, Bernardino Vendruscolo, Airto Ferronato, Luiz
Braz, Adeli Sell, Sebastião Melo, Pedro Ruas, Professor Garcia, Dr. Raul
Torelly, Fernanda Melchionna, Carlos Todeschini, Toni Proença e Aldacir José
Oliboni. Também, a senhora Presidenta registrou as presenças, neste Plenário,
da senhora Nathalie
Medeiros do músico Raul Ellwanger. Às dezessete horas e dez minutos, os trabalhos foram
regimentalmente suspensos, sendo retomados às dezessete horas e dezoito minutos.
A seguir, foi iniciada solenidade para lançamento da Frente Parlamentar de Combate
à Fome e à Miséria. Compuseram a Mesa: a vereadora Sofia Cavedon, Presidenta da
Câmara Municipal de Porto Alegre; o senhor Marcio Pochmann, Presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada – IPEA –; a senhora Ana Maria Aquino, Coordenadora do Fórum
dos Núcleos do Programa Fome Zero em Porto Alegre; a senhora Eliete Regina
Fraga da Rosa, representando o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional
Sustentável do Estado do Rio Grande do Sul; a vereadora Maria Celeste e os
vereadores Pedro Ruas, Toni Proença e Dr. Raul Torelly. Após, a senhora Presidenta
concedeu a palavra ao senhor Marcio Pochmann e
às senhoras Ana Maria Aquino e Eliete Fraga Rosa, que citaram dados referentes
aos indicadores
de pobreza extrema no Estado do Rio Grande do Sul e debateram políticas
públicas direcionadas ao combate à fome e à miséria. Na ocasião, foi realizada
apresentação de audiovisual referente ao tema abordado por Suas Senhorias. Em prosseguimento, a senhora
Presidenta concedeu a palavra aos vereadores Carlos Todeschini e Dr. Raul
Torelly, à vereadora Maria Celeste e às senhoras Irilde da Silva, Eurides
Costa, Mara Verlaine do Canto, Rosemare Rainoni Motta e Luísa Rihl Castro, que
se manifestaram
sobre o tema em debate. A seguir, a senhora Presidenta concedeu a palavra, para
considerações finais, ao senhor Marcio Pochmann. Durante a Sessão, os vereadores Adeli Sell, Bernardino Vendruscolo,
Pedro Ruas, Aldacir José Oliboni e Dr. Thiago Duarte manifestaram-se sobre
assuntos diversos. Às dezoito horas e trinta e nove minutos, a senhora Presidenta declarou
encerrados os trabalhos, convocando os senhores vereadores para a Sessão
Ordinária da próxima segunda-feira, à hora regimental. Os trabalhos foram
presididos pela vereadora Sofia Cavedon e pelo vereador DJ Cassiá e
secretariados pelo vereador Toni Proença. Do que foi lavrada a presente Ata,
que, após distribuída e aprovada, será assinada pelo senhor 1º Secretário e
pela senhora Presidenta.
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Adeli Sell está com a palavra.
O SR. ADELI
SELL: Não
quero atrapalhar o nosso evento sobre a Legalidade, mas peço a atenção dos Srs.
Vereadores. Eu fui escalado pela Mesa Diretora desta Câmara para representar a
Câmara na Comissão do Acampamento Farroupilha. Pois eu quero pedir a minha
imediata saída. Eu estou renunciando à minha participação para representar esta
Câmara no Acampamento Farroupilha.
Eu quero dizer que tudo o que o Bernardino
falou... Agora entendo por que ele não quis entrar na Comissão. Eu me recuso a
participar de uma Comissão onde há conivência, porque há uma maioria, com as
falcatruas cometidas pelo MTG. Eu não quero me misturar com pessoas que, se
depender de mim, um dia vão conviver no Presídio Central. Eu não me misturo com
essas pessoas, eu repudio a Comissão do Acampamento Farroupilha! A Prefeitura
está sendo conivente com o MTG. Eu quero estar fora dessa Comissão, porque,
amanhã, eu levarei todos os documentos ao Ministério Público, à Delegacia de
Polícia e ao Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Eu estou fora da Comissão
do Acampamento Farroupilha, eu não compactuo com falcatrua!
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Bem, o Ver. Adeli Sell e o Ver. Bernardino já
acompanharam a Comissão que recebemos. Informo ao conjunto de Vereadores que,
ontem, eu conversei com o Secretário de Cultura e solicitei que ele recebesse o
grupo de patrões de piquetes que estão inconformados com o novo Regulamento.
Amanhã, às 16h30min, Ver. Adeli, o Procurador Geraldo da Camino receberá a
Comissão com as denúncias atuais, e não as denúncias que anteriormente o Ver.
Bernardino encaminhou. Então, dessa forma a Câmara estará tratando da questão.
Acho, de fato, muito complicado que a Câmara esteja na Comissão, sendo essa
Comissão tão questionada e tendo a Câmara a impossibilidade de viabilizar que,
de fato, a Comissão seja representativa dos acampados, que estão “armando o
maior barraco”, e nós não podemos permanecer na Comissão se não pudermos
interferir.
O SR.
BERNARDINO VENDRUSCOLO: Presidenta Sofia, eu fico feliz que outros
colegas estejam se alinhando nesse sentido, mas eu quero fazer justiça ao atual
Governo. O problema do Acampamento Farroupilha não é de anteontem, é de
trasanteontem, como se diz lá em Iraí; é de muito tempo, não é deste Governo.
Eu fico chateado, peço que o Ver. Adeli permaneça na Comissão. Precisamos fazer
justiça, não é um problema deste Governo nem do outro Governo: é de todos os
Governos. Houve, sim, uma certa acomodação dos Governos que fez com que esse
pessoal venha administrando da forma como estão.
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Bem, Ver. Bernardino, esta Presidência entende
como o Ver. Adeli: não está sendo possível, pela Comissão, de fato,
democratizar o Acampamento. Portanto, se outros Vereadores acharem que devem
representar, a gente leva para a Mesa na segunda-feira, e discutimos lá.
Informo aos Vereadores que quiserem acompanhar amanhã, às 16h30min, que o Procurador
Geraldo da Camino receberá as queixas deste ano. Aí, nós, o Ver. Adeli e os demais
Vereadores estaremos lá.
Ver. Pedro Ruas, gostaríamos de ouvi-lo, para
passarmos imediatamente às Comunicações.
O SR. PEDRO
RUAS: Srª
Presidente, Verª Sofia Cavedon, eu me manifesto neste momento com bastante
emoção, porque eu fui colega do Ver. Caio Lustosa, fui colega da Verª Teresinha
Irigaray, do Ver. Lauro Hagemann...
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Nós estamos remontando a Câmara. Mas vais falar
depois.
O SR. PEDRO
RUAS: Pois
é. Eu só não fui colega do Ver. Índio Vargas, porque ele foi cassado pela
ditadura antes. Eu vejo aí o Celso Costa. O Juremir já vai falar. Eu quero
explicar a V. Exª que estou acompanhando, junto com a Verª Maria Celeste, a
Arquiteta Raquel Rolnik. Estivemos com o Prefeito em outras agendas e, às 15h,
estaremos com o Governador. Já pedi a licença. Fico realmente sentido de não
poder permanecer durante todo o debate, mas parabéns pela promoção.
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Aldacir Oliboni está com a palavra.
O SR. ALDACIR
JOSÉ OLIBONI: Nobre Presidente, Verª Sofia, eu não quero atrapalhar, mas
já atrapalhando, quero solicitar a V. Exª, depois, o retorno daquela agenda que
nós havíamos solicitado, para visitarmos amanhã o HPS, convite inclusive
estendido a todos os Vereadores, porque são muito graves as denúncias trazidas
pelos trabalhadores, pela entidade, sobre o HPS, mais precisamente sobre a
situação dos Raios X do HPS, em que as pessoas estão sendo irradiadas em função
do vazamento de irradiação, e nós temos que tomar uma atitude imediata.
Portanto, amanhã, a Câmara deve estar lá. Se não dá para ser hoje, amanhã é o
limite. Peço a sua compreensão e o atendimento desta solicitação. Obrigado.
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Ver. Oliboni, estamos agendados para amanhã, às
14h, para visitar o HPS, pelas denúncias que a Casa toda recebeu, por
iniciativa de Vossa Excelência.
De imediato, vamos ao nosso período temático,
passamos às
COMUNICAÇÕES
Como combinamos, hoje à tarde, teremos esse
período e, depois, a instalação da Frente de Combate à Miséria, Porto Alegre
sem Miséria, com Marcio Pochmann. O Grande Expediente, como combinado com os
Vereadores, ficou transferido para segunda-feira.
Quero convidar, para nossa honra, a compor a
Mesa, em primeiro lugar, o Miguel Espírito Santo, Presidente do Instituto
Geográfico, parceiro nas atividades da Câmara sobre a Legalidade; em seguida, o
nosso mediador neste momento de testemunho da história, o historiador e jornalista
Juremir Machado. Muito obrigado pela tua presença querida nesta Casa. E
convidamos os próprios testemunhos, que, para a nossa alegria, aceitaram estar
conosco, como Caio Lustosa. Eu queria que nós aplaudíssemos cada um deles.
(Palmas.) É a história viva, reportada aqui entre nós: Victor Douglas Nuñez.
(Palmas.) Celso Costa. (Palmas.) Índio Vargas. (Palmas.) Lauro Hagemann.
(Palmas.) Deixei, de propósito, a única mulher que nós trouxemos hoje, a
valorosa Verª Teresinha Irigaray, por último, para distinguir a sua presença.
(Palmas.) Registro a presença da Vereadora Nathalie Medeiros, de Montpellier,
na França, que acompanha este momento conosco. Seja bem-vinda.
A nossa dinâmica: nós temos aqui um mediador de
luxo, e vou pedir um microfone sem fio para facilitar. Primeiro, vou passar a
palavra ao Miguel do Espírito Santo, para que ele faça a sua saudação inicial;
o Juremir vai abrir com uma fala, uma contextualização, e, aí, nós vamos aos
depoimentos; após, o Juremir fará a “costura”. Os Vereadores já sabem da nossa
regra, podem inscrever-se - é o período de Comunicação Temática, até dez
Vereadores -, na sequência, para as suas manifestações.
O Sr. Miguel Frederico do Espírito Santo está
com a palavra.
O SR. MIGUEL
FREDERICO DO ESPÍRITO SANTO: Verª Sofia Cavedon, que teve a gentileza de nos
aceitar como parceiros nesta empreitada de comemoração do Cinquentenário do
Movimento de Resistência Democrática de Legalidade; Srs. Vereadores; senhores
componentes desta Mesa; minhas senhoras e meus senhores; o Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Sul é a casa da memória deste Estado. E, como
casa da memória, não podia se furtar ao compromisso histórico que tem de fazer
com que os grandes fatos que ocorreram neste Estado sejam relembrados, e tem
também o dever de impedir que o silêncio caia sobre os fatos marcantes da
nacionalidade. O advento dos 50 anos da Legalidade é um dos fatos marcantes; 50
anos da Legalidade significam 50 anos de afirmação democrática, 50 anos de
afirmação do constitucionalismo, 50 anos de reivindicação do povo por uma ordem
justa, por uma ordem legal, por uma ordem adequada à Constituição.
No ensejo dos festejos do cinquentenário do
Movimento de Resistência Democrática, homenageia-se também as figuras que foram
o centro desse movimento. O Presidente João Goulart, estadista clarividente que
não apenas se notabilizou por sua postura em prol da modernização do Brasil
como, de longa data, já vinha adotando ações tendentes a essa modernização.
Também deve ser lembrado o Governador Leonel Brizola, figura ímpar que teve o
condão de catalisar o movimento popular naquela ocasião. E muitos outros que,
naquela ocasião, anônimos, vieram a ter rosto, vieram a ter voz e vieram a
impor-se na sociedade, como os que frequentam esta Mesa de trabalhos, como o
Ver. Índio Vargas, o Dr. Victor Douglas Nuñez, o Ver. Caio Lustosa, que foi o
adestrador do Batalhão Tiradentes, o Sr. Celso Costa e o Ver. Lauro Hagemann.
Eram jovens, então, e, logo em seguida, desenvolveram carreiras que os
notabilizaram. Entre todos, quem também devemos destacar e saudar é o jornalista
e escritor Juremir Machado da Silva, cujas crônicas diárias no jornal Correio
do Povo não só deleitam e instruem como se resolvem em uma bússola para aqueles
que precisam de alguma orientação. E não podemos silenciar mais uma vez e não
referir o carinho da Verª Sofia Cavedon para conosco, do Instituto Histórico e
Geográfico, V. Exª, muito gentilmente, cedeu à exposição Jango e esteve conosco
abrindo, inaugurando as festividades de comemoração desses 50 anos de
resistência democrática lá naquela casa do Instituto, na Rua Riachuelo. Muito
obrigado, Vereadora; muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Obrigada pela sua presença aqui, pelas suas
palavras e pelo trabalho do Instituto.
O Sr. Juremir Machado da Silva está com a palavra.
O SR. JUREMIR
MACHADO DA SILVA: Boa-tarde a todos. Antes de mais nada, eu quero agradecer à Verª
Sofia Cavedon pelo convite, pela possibilidade de estar aqui entre tantos
protagonistas do grande episódio da Legalidade e de estar aqui diante de Vereadores
que tanto lutam por fazer com que Porto Alegre seja uma Cidade melhor e que são
protagonistas dessa história recente. Eu não vou querer me alongar muito em
considerações, porque, estando aqui junto com pessoas tão ilustres, que foram
participantes do evento, vai ser muito mais interessante aprender também com
eles, porque, apesar de eu ter escrito o livro “Vozes da Legalidade”, continuo
aprendendo muito sobre a Legalidade. Meu livro tem me permitido aprender ainda
mais, porque agora as pessoas me mandam muitas informações, elas me ligam,
falam-me de novas fontes, mandam-me documentos, e o livro vai se ampliando,
como se fosse um livro interativo.
Eu queria dizer, como abertura, que, no meu
entender, mesmo que eu tenha nascido só em 1962 – menos de um ano depois da
Legalidade -, tendo estudado o episódio, eu chego à conclusão de que é o nosso
episódio heroico maior dos últimos 50 anos, talvez até mesmo de mais tempo, em
que muitos se comportaram como heróis: Leonel Brizola, João Goulart, os
Sargentos da Base Aérea e a população gaúcha. É um desses episódios em que,
quando se pergunta “Mas quem foi o principal responsável?”, a gente diz: “Foi
Brizola”. Mas sem a população, também não teria funcionado. Sem os jornalistas,
sem os radialistas, não teria funcionado. Quando a gente diz: “Foi a população
que se engajou”, a gente também conclui que, sem o verbo inflamado do Brizola,
a requisição da Rádio Guaíba e a Rede da Legalidade, também não teria
funcionado. E a gente, quando pensa mais adiante, diz: “E o papel do Jango?”
Também foi muito importante, porque, enquanto o Brizola foi a ponta de lança,
foi o ferro disposto a ferir profundamente, o Jango, em determinado momento,
foi aquele que temperou, ponderou, equilibrou e compreendeu que, naquele
momento, era melhor evitar um banho de sangue e evitar uma guerra civil. Então,
daquela época, o que a gente vê, o que a gente tira de lição é que se pode sair
às ruas, lutar e se engajar por uma causa absolutamente simples, transparente e
nobre: o verdadeiro, o justo, o legítimo, o correto, a Constituição.
Antes de mais nada, quero saudar aqueles heróis
que, por causa do período ditatorial, muitas vezes não puderam ter reconhecido
o seu heroísmo, mas agora, com os 50 anos, nós temos a oportunidade de dizer
com todas as letras: foram heróis! Em 1961, Leonel Brizola foi um herói! João
Goulart foi um herói! Os Sargentos da Base Aérea foram heróis! E são tantos os heróis
anônimos que precisamos saudar! É claro, quero começar saudando esses heróis
que estão aqui à Mesa, que participaram do evento voluntariamente e que
escreveram a história. Cada um vai poder contar aqui um pouco dessa história, o
Caio Lustosa, o Celso Costa, o Índio Vargas, o Lauro Hagemann, a Teresinha
Irigaray e o Victor Douglas Nuñez.
Então, acho que vou seguir a ordem, vou passar a
palavra ao Caio Lustosa, que todo mundo conhece, ambientalista, Vereador,
figura carismática da nossa sociedade e que em 61 estava lá, como jornalista,
no famoso prédio Mata-Borrão, onde as pessoas iam se inscrever como voluntários
para lutar na Legalidade.
Passo a palavra ao nosso conhecido e admirado
Caio Lustosa.
O SR. CAIO
LUSTOSA:
Verª Sofia Cavedon, mui digna Presidente deste Legislativo; Srs. Vereadores,
companheiros de Mesa, principalmente o Presidente do Instituto Histórico, Dr.
Espírito Santo, minhas senhoras e meus senhores, a nossa participação neste
episódio se deu justamente conforme o escritor e jornalista Juremir acaba de
citar, a cujas palavras bondosas eu agradeço.
A nossa participação deu-se centrada no prédio
chamado Mata-Borrão, que se situava na Av. Borges de Medeiros com a Rua Andrade
Neves e tinha tido a função de divulgação do turismo. Na época, eu trabalhava
junto com o nosso companheiro Victor Nuñez num escritório ali na Rua Andrade
Neves. E, quando eclodiu o processo da Legalidade, e eu não sei explicar qual
foi a convocação, eu só sei que acabamos lá dentro do Mata-Borrão e montamos um
esquema de divulgação através de panfletos e redação. A mim tocava redigir,
assim como ao Victor e a outros companheiros, as palavras de ordem, que eram
retransmitidas por alto-falantes e através de panfletos pela Cidade inteira.
Então, a acorrência da população foi imensa, foram centenas de pessoas
diariamente a se mobilizar e a se inscrever no Comitê da Resistência Democrática,
com uma participação cidadã verdadeiramente espontânea em defesa da legalidade
democrática.
E, aí, eu me lembro de uma figura bem típica da
nossa população, que era um papeleiro, o Sargento, que se engajou e fazia um
trabalho de sapa, digamos assim, muito intenso. Além dessa divulgação através
de panfletos e alto-falantes, nós nos deslocávamos às vezes lá para os altos do
Mercado, onde uma turma de artistas plásticos como o Xico Stockinger, o Danúbio
Gonçalves e tantos outros se dedicavam a fazer as faixas de convocação de
mobilização popular. Durou pouco esse processo, como sabemos. Ele culminou com
a aquiescência do Presidente João Goulart, que voltava do Uruguai. Ele
aquiesceu, finalmente, num acordo entabulado lá em Montevidéu mesmo, pelo Ministro
Tancredo Neves, e de aceitação do sistema parlamentarista de Governo.
Além dessas atividades, nós tínhamos, também,
uma mobilização muito intensa nas ruas, com a formação de batalhões. Eu
próprio, que já vinha de uma formação de sargento da reserva, no 18 RI, acabei
ministrando ordem unida para pelotões formados por transviários - cobradores,
motorneiros da Carris. E nós fazíamos um treinamento, um ensaio ali nas
imediações do Parque Farroupilha, na Av. Luiz Englert. Isso aí ocorreu algumas
vezes, mas, depois que houve a aceitação pelo Presidente João Goulart, é evidente
que tudo cessou. Cabe-me registrar também que, neste dia do chamado acordo para
a posse de Jango, nós estávamos ali no Mata-Borrão, quando chegou o então
Deputado Mariano Beck e nos conclamou a encerrar as nossas atividades, dizendo-nos:
“O Dr. Jango já aceitou, isso aí não tem mais nenhuma finalidade”.
Por último, gostaria de fazer uma breve
consideração. Muitas vezes somos indagados se houve acerto ou não de parte de
Jango em aceitar essa medida de conciliação. Nós sabemos que a política
brasileira é norteada pelo fenômeno da conciliação. Isso está se vendo em todo
o momento, na época presente se vê. Quando os movimentos populares e/ou
movimentos revolucionários se encaminham para mudar as estruturas injustas que
este País vive, então, há, evidentemente, uma reação dos grupos dominantes, das
elites dirigentes e das elites econômicas. Quando não ocorrem os golpes, como
se tentou em 1961, e, depois, se concretizou, em 1964, em nome da chamada
governabilidade, há um acerto entre os setores todos do leque político. Eu,
pessoalmente, sempre fico em dúvida se foi um acerto ou não do Presidente João
Goulart aceitar aquela conciliação na época, mas meditando, inclusive pelo
relato do Juremir, em “Vozes da Legalidade”, e por outros relatos do Marcon e
do nosso querido José Felizardo, a gente vê que talvez não houvesse condições
para levar adiante o processo, como era desejo do então Governador Leonel
Brizola. Existia, sim, um espírito de rebelião no meio popular, e eu presenciei
o dia em que o Presidente João Goulart recebeu uma vaia na Praça da Matriz; mas
o esquema militar que seria favorável à concretização dos anseios do Governador
Leonel Brizola, evidentemente, não favorecia as forças populares. Por isso,
acredito que a conciliação, naquela oportunidade, talvez tenha sido o melhor
caminho.
Finalizando, eu queria apenas registrar que
hoje, dia 18 de agosto, se celebram os 75 anos do assassinato de Garcia Lorca,
poeta e dramaturgo espanhol, vítima da sanha assassina do fascismo em Granada.
Ontem de manhã, acompanhado do Ver. Pedro Ruas, da Verª Fernanda Melchionna e
de outros companheiros, fizemos uma celebração na praça que leva o nome de
Garcia Lorca e que se situa no bairro Serraria. Então, é muito importante
registrarmos esse aspecto, essa coincidência com a Sessão de hoje, eis que
Lorca foi uma vítima também do arbítrio e do despotismo na sua época.
Agradeço o convite do Presidente do Instituto
Histórico e da nossa Presidente, Srs. Vereadores, e aqui estamos à disposição
para qualquer indagação. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
O SR. JUREMIR
MACHADO DA SILVA: Muito obrigado ao Caio Lustosa por essa história saborosa e
por essa menção, inclusive, ao Garcia Lorca. Outro dia, recebi um e-mail sobre ele e estava pensando que
eu estava em dívida, que eu deveria falar disso, disseminar esse e-mail.
Passo a palavra ao meu colega Celso Costa. Para
dar uma ideia - se é que é imaginável alguém não ter uma ideia sobre o Celso
Costa -, ele é o funcionário número quatro da Rádio Guaíba. Imaginem isso! Ele
continua batendo ponto na Rádio Guaíba, trabalhando na Rádio Guaíba, ele é o
quarto funcionário, matrícula número quatro da Rádio Guaíba. Em 1961, foi o
homem que de fato instalou o estúdio lá no porão do Palácio Piratini. Ele vai
contar por quê. Nisso tem o papel importantíssimo do engenheiro Homero Simon,
mas o Celso teve um papel incrível nesses momentos iniciais, fazendo lá o
serviço necessário para que a Rede da Legalidade, a Rádio Guaíba fosse
instalada lá no porão do Piratini. Passo a palavra ao Celso Costa, que - como
dizemos brincando, mas falando sério também - é uma lenda viva do
radiojornalismo gaúcho. (Palmas.)
O SR. CELSO
COSTA:
Boa tarde, Srª Vereadora, Muito Digna Presidente desta Casa - em primeiro
lugar, eu lhe agradeço o convite -, e demais componentes desta Casa, vou fazer
um breve relato do que aconteceu naquele período. Sou funcionário fundador da
Rádio Guaíba. Naquele domingo, dia 27 de agosto de 1961, cheguei à Rádio às 9h
da manhã, e ia acontecer um Gre-Nal aqui em Porto Alegre, no estádio Olímpico.
Mais ou menos às 11h da manhã, fui chamado ao Gabinete da Presidência. Estava
lá o Dr. Breno Caldas, Diretor e proprietário da Rádio Guaíba, e ele me
perguntou: “Celso, onde está o Homero Simon?”. O Homero Simon era o nosso
engenheiro. Eu disse que o Homero estava no Interior com a senhora mãe dele,
doente, que em seguida veio a falecer. E ele disse: “Então, eu tenho uma
incumbência para ti: a nossa Rádio acaba de ser requisitada pelo Governo do
Estado, estou aqui com o memorando em mãos, assinado pelo Governador. E tu és o
técnico escalado para instalar a Rádio no porão do Palácio Piratini.” Eu disse:
“Ora, Dr. Benício, tem Gre-Nal hoje à tarde”. E ele: “Não tem mais Gre-Nal, o
Gre-Nal foi suspenso por falta de segurança. Faça o que eu estou te mandando.”
E foi o que aconteceu. E disse mais: “Só tenho um pedido, eu não quero que o
som que saia do Palácio Piratini passe pelos estúdios da Rádio Guaíba, aqui na
Rua Caldas Júnior.”
Então, fui até o Palácio Piratini, havia dois
pares de linhas instaladas lá esperando o Presidente Jânio, que, na próxima
semana, estabeleceria o Governo Provisório aqui no Rio Grande do Sul. Eu fui
lá, testei aquelas linhas, fui até a Companhia Riograndense de
Telecomunicações, que era um sobrado que havia aqui na esquina da Av. Salgado
Filho com a Av. Borges de Medeiros, falei com o engenheiro chefe, expliquei a
ele o motivo da minha ida até lá. Eu disse: “Eu tenho duas linhas saindo do
Palácio Piratini aqui da Rádio Guaíba e preciso que essas linhas cheguem direto
ao transmissor da Rádio Guaíba, na Ilha da Pintada. Ele respondeu: “Não tem
problema, eu te faço essas linhas em seguida, mas preciso de uma ordem do
Palácio Piratini”. Subi até o Palácio Piratini – era meio-dia, mais ou menos -,
falei com o jornalista Hamilton Chaves, que era o Chefe do Gabinete de Imprensa
do Governador, expliquei a ele o motivo, que bateu o memorando, levou para o
Governador assinar, e eu voltei à Companhia Riograndense de Telecomunicações.
Entreguei o memorando ao engenheiro, que ainda gozou: “Não precisava tanto, a
assinatura do Governador, mas é isso aí”. Fui até em casa - eu morava ali
perto, no Edifício Everest -, almocei, passei a mão no toca-discos de uso
doméstico, mais uns fones, nos microfones que eu tinha em casa, voltei à Rádio
Guaíba, peguei um equipamento, um amplificador grande e instalei. Fiz tudo só,
porque, na hora da escala, o Dr. Benício disse: “Celso, eu não estou escalando
ninguém para subir para o Palácio Piratini. A Rádio Guaíba, no momento em que
chegar lá, não será a Rádio Guaíba, mas a Rede da Legalidade.” Eu disse: “Está
bem”.
Eu instalei todo o equipamento sozinho no
Palácio Piratini; às 14h30min, eu estava com a Rádio pronta, com o transmissor
da Ilha da Pintada, avisei o Chefe de Imprensa, o jornalista Hamilton Chaves,
que, em seguida, desceu com o Governador, e mais ou menos às 15h, 15h20min, ele
fez o primeiro pronunciamento, um pronunciamento muito calmo, muito suave.
Estava junto com o seu Ajudante de Ordens, o Capitão Nick, mais o locutor Naldo
Freitas, que era locutor da Rádio Guaíba e do Palácio Piratini, e um jornalista
jovem na época que era do jornal Última Hora, o Delmiro Soticher, hoje trabalha
em São Paulo, na Folha de São Paulo. Quer dizer, daquele quarteto que estava
ali, naquele momento, a única pessoa ainda viva sou eu e o Delmiro, que está em São Paulo. O Naldo, o
locutor, faleceu logo em seguida, bem jovem; o Governador recentemente falecido também, o jornalista Hamilton Chaves, o
Capitão Nick... O Governador, de
hora em hora, descia e fazia um pronunciamento. Cada pronunciamento que ele
fazia se tornava mais inflamado. Nós viramos a noite com pronunciamentos dele
de uma em uma hora, duas em duas horas. Lembro que, lá pela meia-noite,
começaram a chegar os tanques da Serraria. Foi ali que eu me dei conta de que
eu estava fazendo uma coisa bem mais séria do que eu pensava.
Chegaram alguns estudantes da UNE, do Rio de
Janeiro. Eu lembro que eu fui até o salão 2, que é aquele salão da esquina do
Palácio, e aquela garotada chegou. Cada um passava a mão num 38 e ia para a
janela enfrentar os tanques. Estava sentado num canto da sala o Prefeito de
Guaíba, o Stringhini, e um daqueles milícias: “Prefeito, sobe aqui”. Ele disse:
“Não, meu filho, fica por aí, que eu entro na primeira vaga”. Os garotos foram
se dando conta; nós viramos toda a noite. Lá pelas 10 horas da noite, eu lembro
que chegou atrás de mim um funcionário do Palácio com um balaio de 38, deu-me
um 38. E eu disse: “Para que isso? Eu pedi café, não foi 38”. E ele: “Não, pega
para ti, tu vais precisar disso mais tarde”. Então passei a mão num 38 da
Taurus e num pacote plástico com balas. Coloquei aquilo no bolso e depois vi
que eu tinha pegado balas de um 32, e o meu revólver era 38. Nós amanhecemos no
Palácio. Havia pouca gente, poucos funcionários, porque praticamente não
entrava e não saía ninguém. Estavam lá os setoristas de imprensa da época, dos
jornais locais. Eu fiquei no Palácio as primeiras 24 horas operando a Rede da
Legalidade. Só saí de lá à noite, depois do pronunciamento inflamado do
Governador, que foi aquele das 11 horas da manhã, dizendo que o Palácio estava
sendo ameaçado de bombardeio pela FAB. À tarde, na hora em que o General
Machado Lopes compareceu ao Palácio, eu estava lá.
Então, os primeiros momentos eu vivi
integralmente. Na terça-feira de manhã, eu fui escalado pelo Governador; a
pedido dele, fui até Brasília colocar em funcionamento uma estação de rádio que
era do escritório do Rio Grande do Sul, mas estava com as frequências todas
inadequadas para a época. Quem comandava os escritórios de lá era o Coronel
Portugal, da Brigada Militar. Fomos eu e o jornalista Hamilton Chaves. Viajamos
daqui em um avião de carreira da Panair do Brasil, chegamos lá por volta das 11
horas da manhã. Às 3 horas da tarde, eu estava com a estação do Palácio no ar,
com quatro frequências, falando perfeitamente com Porto Alegre. Naquela época,
falar com Brasília era muito difícil. Não tinha telefone, você sentava um dia
todo na frente do telefone esperando por uma ligação. Os Deputados Federais que
estavam em Brasília estavam completamente por fora do movimento, não estavam
sabendo o que estava acontecendo aqui, pois não havia comunicação, não havia
telefone, os telefones todos ocupados.
Coloquei a estação em funcionamento, e voltamos
à tarde, no mesmo avião – o Constellation, da Panair do Brasil. Vieram conosco
mais alguns Deputados Federais. Em certa altura do vôo disseram: “Nós temos que
passar no Rio para pegar mais Deputados Federais para nos acompanhar”. Lembro
que estavam, no Aeroporto do Galeão, os Deputados Marques da Costa Santos,
Neiva Moreira, e o comandante disse: “Mas eu não posso ir até o Rio. O nosso
voo é um voo de carreira, e a escala é São Paulo/Porto Alegre”. Aí o Amir
Domingues sugeriu o seguinte: “Vamos sequestrar o voo então. Este avião tem que
pousar no Rio de Janeiro”. E foi feito. Foi lavrado um memorando, a bordo do
avião, que todos os Deputados que estavam ali assinaram, e nós pousamos no
Galeão. O avião nacional reabasteceu-se de gasolina e de alimentação para o
pessoal, chegamos aqui à noite, com a missão cumprida. Voltei novamente para a
Rede da Legalidade e fiquei operando. Vieram mais emissoras: depois entrou a
Farroupilha, a Gaúcha, mais emissoras locais, e eu fui aos poucos largando.
Viajei para Montevidéu no dia 31 de agosto, para
esperar o Presidente Jango, que estava chegando. O Presidente Jango fez uma
viagem completamente diferenciada, ele estava na China, passou por Paris,
Paris-Nova Iorque; em Nova Iorque, ele pegou um avião da Panagra e desceu pelo
Pacífico, por Lima e Santiago, a Buenos Aires; em Buenos Aires, passou para um
avião menor, da Intercontinental, e desceu em Montevidéu no dia 31. Fui
convidado pelo Presidente Jango para entrar no avião. Entrei com um gravador
grande, de rolo; puxamos o cabo de corrente para dentro do avião. Ele ia fazer
uma conferência com o Tancredo Neves e o Embaixador do Brasil em Montevidéu na
época. Ficaram lá mais de uma hora. Pus o gravador para gravar; quando entrei
para desligá-lo, eles me pediram que tirasse as fitas. Eu tirei as fitas e
entreguei para eles. Foi ali a tratativa para o Parlamentarismo.
De lá, fui para a Embaixada Brasileira, no
Centro da Cidade, na Boulervard Artigas, e passei a noite lá a serviço já da
Presidência da República. Naquela mesma madrugada, retornaram os dois aviões
que saíram daqui, da Varig, com jornalistas e correspondentes estrangeiros que
estavam em Porto Alegre. Permaneci em Montevidéu, também a pedido do Presidente
Jango Goulart; voltei à noite no Caravelle da Varig. Aterrissamos aqui às
8h30min, 9h da noite. Houve um despiste aqui dizendo que o Jango estava
viajando via rodoviária, mas pousamos aqui na calada da noite. Havia mais
alguns jornalistas, lembro-me do Lucídio Castelo Branco, que estava a bordo
também.
Passei toda aquela semana envolvido com a
cobertura da Rede da Legalidade. Fui escalado, aí pelo engenheiro Homero Simon,
para embarcar no avião do Presidente que o levaria até Brasília. A saída do
avião estava marcada para o dia 5, mais ou menos por volta de 11h. Chovia muito
em Porto Alegre. Eu disse: “Dr. Homero, até agora não sei o que vou fazer”. Eu
estava com a roupa do corpo, molhado, sem dinheiro. Ele me disse: “Tu estás
indo a Brasília, embarca no avião do Presidente, levas o ‘motorola’” - motorola
era um daqueles equipamentos que a gente usava nas transmissões esportivas para
reportagem - “e tu vais descer primeiro. Quando o avião pousar, tu desces e
pões o motorola na boca do Presidente do Congresso, Auro Soares de Moura
Andrade, para ele falar com o Jango Goulart. Um dos equipamentos vai ficar a
bordo do avião, e tu vais pôr em contanto com o Auro Soares de Mouras Andrade,
que vai garantir a descida do Presidente em Brasília, dizendo que ele pode descer
que está seguro”. Tudo bem. Mas eu fiquei no aeroporto até às 3 horas da tarde,
e o avião não decolou. Acabei saindo do aeroporto, fui na base aérea de São
João, voltei e fui até o Palácio. Depois fui até em casa pegar roupa. Voltei de
novo ao aeroporto para fazer essa missão, mas o avião já tinha decolado.
Nesse meio tempo, o Presidente resolveu decolar
o avião, por volta das 5 horas. Quem estava no comando da operação era o Rubem
Berta. Eu fui à noite, num avião especial que saiu daqui com os jornalistas.
Fizemos lá a posse do Presidente, no dia 7 de setembro. Nesse meio tempo, nós
alimentamos as notícias procedentes de Brasília. Já estava com a equipe da
Rádio Guaíba, a serviço da Rede da Legalidade. Permaneci em Brasília até a hora
da posse do Presidente Jango, dia 7 de setembro. Retornamos em seguida. Essa
foi a minha participação na Rede da Legalidade, em 1961. Muito obrigado.
(Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
O SR. JUREMIR
MACHADO DA SILVA: Muito obrigado, Celso Costa. É uma belíssima história, com
riqueza de detalhes. Memória excepcional! Muito bonito!
Registro a presença da Kika, como a gente chama
a Maria Francisca Kika Mendonça, que era companheira do grande Joaquim
Felizardo, historiador, sociólogo, homem muito importante na cultura do Rio
Grande do Sul e que fez um pequeno grande livro sobre a Legalidade: “O Último
Levante Gaúcho”. Eu até diria que o meu acréscimo a esse livro - que é
maravilhoso, realmente é o “caminho das pedras” nesse tema - era para dizer: o
último levante gaúcho da era do rádio, porque o Professor Felizardo já tinha
dito tudo sobre esse tema. É um livro pequeno, mas que, de fato, é um grande
livro sobre a Legalidade.
Eu passo a palavra, agora, ao Victor Douglas
Nuñez, que também estava lá no Mata-Borrão, esse pavilhão da Av. Borges de
Medeiros, comandando. Ele era da coordenação do comitê instalado no antigo Mata-Borrão.
Então, o homem estava lá, na célula principal da organização dos voluntários
para a resistência! Não preciso dizer mais nada.
Passo a palavra ao Victor Douglas Nuñez.
O SR. VICTOR
DOUGLAS NUÑEZ: Srª Presidente, a esta altura da vida, octogenário, eu
tenho uma enorme preocupação com a história que meus netos poderiam alcançar
quando tivessem uma idade de raciocínio especial. Até penso em escrever, em tom
de fábula, alguma coisa para contar para eles o que foi aquele período, que a
historiografia conta muito mal. Eu vou começar com o título roubado do livro
Scliar: “O mês dos cães danados”. Eu tenho uma neta de cinco anos. No mês dos
cães danados, no mês de agosto em que o Brasil se acostumou a receber notícias
tristes, aconteceu, e eu vou ter que contar isso.
Primeiro, no que me concerne, e com isso eu
invoco uma pessoa causadora de tudo isso, eu teria que começar explicando para
minha neta o que é o mata-borrão. Eu acho que aqui poucas pessoas – parece-me
que são quase todos jovens –sabem o que é mata-borrão. Mata-borrão é um objeto
que as crianças de grupo escolar eram obrigadas a usar num tempo em que não
havia canetas-tinteiros. A gente era obrigada a levar a caneta, a pena e o
tinteiro, e aquilo borrava; então havia uma coisa chamada mata-borrão, que
envolvia um papel secante para não permitir que borrasse todo o trabalho. Seria
muito bonito, e, noutra vez que eu tenha que falar, vou trazer o mata-borrão
para mostrar que tenho.
O que representou o mata-borrão? Aquele objeto
que servia para prevenir o estrago dos trabalhos escolares, algum desenhista
ainda vai ter que fazer esse mata-borrão borrando o golpe, para ter uma visão
clara do que foi tudo aquilo. Por que eu digo isso? Porque há uma crítica que a
gente deve fazer à historiografia. Eu tenho aqui, por exemplo, um livro de um
autor acreditado que se chama Hélio Silva, é uma coleção enorme sobre a
História do Brasil. Até há pouco tempo, o que eu lesse desse autor mereceria de
mim a mais alta consideração. Só que agora, depois de passados esses 50 anos,
eu me surpreendi quando vi, por exemplo, o título de um livro que se chama “A
Renúncia”, de 1961, onde está relatado todo o episódio da renúncia na ótica
principalmente dos acontecimentos entre os militares e o Parlamento. Para
surpresa minha, eu procurei, mas não achei nada sobre o episódio que estamos
comemorando agora; nada, senão, de passagem, no livro “As Crises e as
Reformas”, numa referência que se limita a quatro páginas. Então, se a minha
neta e os meus netos lessem isso, ficariam surpresos e perguntariam: “Por que,
50 anos depois, se comemora tanto um episódio que os sérios historiadores
analisaram em quatro páginas?”. Teriam que perguntar: “Vô, essa gente tem esse
poder de síntese tão grande?”. Ou nós fomos ignorados e injustiçados?
Eu quero só reproduzir que o supremo injustiçado
é exatamente o General Machado Lopes, porque foi esse homem que, a princípio,
tomou uma posição em obediência à hierarquia do Exército, dizendo que obedecia
aos seus superiores. Esse homem manteve-se naquela posição, andou tomando umas
iniciativas, que se frustraram, mas depois mudou de entendimento e ficou também
firme nesse acompanhamento à Legalidade. Vejam o que diz o autor sobre o
General, depois de escrever tanta coisa. O Comandante teria ido até o Palácio
(Lê.): “Lá, entretanto, em conversa com o Governador, no meio daquele ambiente
exaltado e francamente revolucionário, ele se viu envolvido pelas mesmas ideias
e mudou seu modo de pensar”. Não é justo dizer isso do General. O General
quando foi ao Palácio foi levar um comunicado do pensamento do Exército; os
generais, por maioria, entenderam que o 3º Exército deveria alinhar-se - não
aderir - ao movimento da Legalidade. Não é justo dizer isso do General, e
respeitamos a sua vacilação, mas também louvamos a firmeza quando resolveu
acompanhar o movimento de Leonel Brizola e de todo o povo gaúcho.
Eu quero dizer que participamos anteontem de uma
cerimônia no Instituto Histórico e Geográfico, quando homenagearam duas
instituições: a Brigada Militar e o Movimento de Resistência Democrática. Por
quê? Porque nós achávamos que a atuação da Brigada, a atuação do Mata-Borrão e
da Resistência Democrática seriam, sim, lembrados aqui ou em outra parte, mas
sempre de relance, sem que se dê relevo a essa atuação. Por exemplo, a Brigada.
Quem derramaria o primeiro sangue? Quem seria a primeira vítima do
enfrentamento, que esteve na iminência de se processar? A Brigada Militar,
quando o Exército recebeu a ordem, exatamente o Capitão Pedro Américo Leal, de
ocupar a planta da Guaíba. O Pedro Américo argumentou, um Capitão argumentou -
vejam a ousadia –que haveria derramamento de sangue, ponderou isso ao General.
Essa ordem foi dada outra vez, mas, felizmente, não foi executada. Pedro
Américo receberia até pouco tempo, se a gente não faz a revisão, os meus
encômios, a minha exaltação, meus preitos de gratidão, pela coragem que teve de
enfrentar uma ordem direta do Supremo Comandante do 3º Exército.
Não fosse o fato de que agora, quando se está
fazendo a revisão, de sua boca - foi registrado pelos jornalistas -, ele teve
uma bendita ideia que desfaz totalmente aqueles méritos que ele acumulou
naquele momento. A ideia do Capitão era de que se ocupasse a energia elétrica e
a água, de que se cortasse esse serviço à população de Porto Alegre. Imaginem o
caos que isso representaria; imaginem o que é ser trancado num elevador;
imaginem o que é não ter água, não ter luz. A ideia, felizmente, caiu no vazio,
porque isso é uma coisa que os historiadores devem investigar. Eu imagino que o
Quartel General do 3º Exército, situado no começo da Rua da Praia, teria um
gerador próprio para fazer funcionar. Eu acho que, se essa ideia vitimasse a
população de Porto Alegre, também faria com que o Comando Supremo do Exército
ficasse à luz de velas. É possível conceber tanta insanidade presente? Por isso
eu invoco a análise do Scliar: “Era o mês dos cães danados”, porque ideias
desse calibre andaram vigentes, quer dizer que não se pensou no povo, não se
pensou nos que queriam resistir, e se tomaram medidas desse tipo. Houve ordem
de bombardeio de Porto Alegre, como houve ordem de bombardeio também, o efetivo
bombardeio, de Buenos Aires alguns anos antes; como também, na Espanha, Guernica
foi bombardeada. Seria, no episódio da história, a terceira vez no mundo em que
haveria bombardeio de população civil, que hoje está sendo tão frequente em
todo o mundo, infelizmente.
Vejam bem, eu quero relembrar isso e parece que
não estou no meu tema, o que querem ouvir de mim? É algum testemunho sobre o
funcionamento do Mata-Borrão, como funcionou aquilo? Como se deu? Por ousadia
do povo, por ousadia de pessoas anônimas, que não se assustaram, como o Costa
deu o testemunho, com embaraços meramente burocráticos. Como é que entrou o
povo no Mata-Borrão? Estava lá um guarda e disse: “Se querem usar, eu entrego
as chaves, mas tem que me trazer um ofício”. E eu pergunto: “É tão difícil um
ofício?”. É preciso levar uma assinatura com firma reconhecida? Não, na
singeleza desse guarda, pediu um ofício, máquina de escrever era uma coisa
comum em toda parte, alguém requisitou o Mata-Borrão a serviço da Resistência
Democrática; entregou a ele, e ele entregou as chaves.
Outra maravilha impossível - os historiadores,
especialmente Rafael Guimarães, contam: nós tínhamos 650 mil habitantes em
Porto Alegre naquela época, e telefone era um objeto de desejo de toda a
população de Porto Alegre, as filas de espera demoravam anos. Muito bem, o que
aconteceu? O povo já estabelecido ali, a Rede da Legalidade daqui a pouco iria
funcionar, e disse-me o Presidente em exercício do Sindicato dos Telefônicos:
“Doutor” - eu não era o comandante, eu era simplesmente aquele advogado que
estava ali trabalhando, eu trabalhava no Sindicato dele, por isso ele me
chamava de doutor -, “O senhor quer um telefone?”, “Mas claro que quero, como é
que eu não vou querer um telefone?”. Ele disse: “Faça uma requisição”, eu
questionei: “Meu Deus, outra requisição?” É bom recordar que, naquele tempo, um
americano ainda estava mandando na Telefônica. O Brizola tinha encampado a
energia elétrica, mas ainda, com aquela resistência toda, ele estava negociando
assumir a Telefônica. Ainda estava o gringo mandando aí. Muito bem! Eu presumi
que o ofício iria chegar lá e seria, evidentemente, recusado, de forma até
violenta. Meia hora depois – é verdade que era só atravessar a rua, o
Mata-Borrão estava situado exatamente em frente à Telefônica – o telefone
estava instalado e funcionou, desde aquele dia – não lembro qual foi o dia –
até 20 de setembro. Foi, na história, um telefone público de toda a Porto
Alegre a serviço da Legalidade Democrática e a serviço da população. Quantas
vezes eu ouvi, o que se faz hoje, tranquilamente, num celular: “Alô, mulher, eu
vou chegar um pouquinho mais tarde, porque eu estou aqui na Resistência
Democrática.” Eram explicações que seriam, evidentemente, naturais, toleráveis
e até incentivadas, afinal é preciso dar uma satisfação àqueles que ficam na retaguarda.
Esse fato me assustou, eu não estava
considerando, naquele momento, a possibilidade de luta armada. Eu disse: “Meu
Deus, será que nós temos tanta força assim?” Tivemos! Nós conseguimos o Mata-Borrão,
conseguimos o telefone, e aquilo funcionou como uma casa milagrosa, onde cada
um fazia o que podia, como podia, enquanto podia. Não tinha horário, não tinha
que bater cartão-ponto, nem tinha - como se diz por aí - trabalho feito por
funcionários públicos. Não perguntavam para ninguém o que era e o que não era.
As comissões de alistamento me surpreenderam, porque, de repente, o povo todo -
e eram até umas perguntas maliciosas - perguntava: “Qual era o objeto da
entrevista?” A primeira coisa era se tinha condução. E está referido no livro
do Juremir o José Mariano Roncato, que era um engenheiro-agrônomo, que colocou
à disposição a sua kombi e passou todo o tempo prestando esse serviço. “Tem
condição? Tenho. Tem e sabe manejar arma? Tem experiência em enfermagem, em
medicina?” - tudo isso era perguntado, e depois as pessoas eram dirigidas para
uma entrevista específica.
Ali também se registravam os comitês de
resistência, que eram criados, praticamente, em cada quadra no Rio Grande do
Sul. E aquilo funcionou. Dá para dizer o seguinte: eram dois centros irradiadores.
Um, o oficial, lá no Palácio, ao qual o povo não tinha acesso fácil, digamos
assim; o outro era o Pavilhão da Resistência Democrática, aqui na Av. Borges de
Medeiros. Então, ali a criatividade era desatada, incrível! Vejam, conseguir um
telefone, que triunfo! E mais ainda: ali se organizaram, ali se situou, e isto
ninguém diz, enquanto o Lauro estava lá no Palácio fechado, sacrificado,
prestando um serviço maravilhoso, porque o que deu credibilidade à Resistência
Democrática foi aquela voz do Repórter Esso... O Lauro disse muito bem: “Eu
vendo minha voz, mas não vendo minha cabeça, meu pensamento!” (Palmas.) Vocês
vão me perdoar, eu me emociono com demasiada facilidade... Então, ali houve
iniciativas incríveis, incríveis, incríveis! Além desse alistamento, o Caio já
falou, os pelotões não tinham experiência militar.
Até, em depoimentos de um pessoal mais
intelectualizado, que saiu de uma reunião lá do Teatro de Equipe, eles acharam
muita graça em ver um pequeno agrupamento de 40, 50 pessoas, de tranviários
marchando... Nem marchando, caminhando! Era uma passeata, e eles acharam graça
da falta de jeito, mas em seguida tomaram jeito, sim, porque o Caio e outros
ensinaram pelo menos a marchar! E aquilo, minha gente, tinha que impressionar
muito! Já imaginaram 200, 300, 500 pessoas desfilando todos os dias? E em
relação a isso vai uma crítica à Imprensa: quem viu tanto destaque, senão só de
passagem, a esses chamados batalhões de operários? Muito de passagem! É muito
difícil de encontrar registro gráfico, registro de fotografia. Por quê? São
coisas que a gente deveria analisar com um certo tempo.
Eu quero dizer que é importante também saber que
ali, no mesmo local, estava situada uma entidade que também não será muito
lembrada, porque era demasiado subversiva até para os tempos de hoje: o Comando
Sindical Gaúcho Unificado. Ali, numa época em que os sindicatos só podiam se
relacionar verticalmente, estavam os sindicatos todos esquecendo as suas
divergências. E até mesmo os pelegos! Os chamados pelegos participavam disso
tudo aí, porque não queriam ficar mal com a sua classe. Ali, então, se
transmitiam diretrizes, ensinamentos para as assembleias que cada uma das
categorias realizava. Quem é que sabe disso? Onde está registrado isso? Não há
nada. Toda essa atuação dos sindicatos...
E vamos nos lembrar do seguinte, não sejamos
inocentes: o outro lado tem o seu serviço de inteligência, o outro lado já
tinha mandado os seus agentes para cá, o outro lado já tinha tirado o cristal
de duas rádios, o outro lado já estava registrando a atuação de cada um. Na
minha ficha política consta, para honra minha, que eu participei das atividades
do chamado Mata-Borrão, aquela coisa toda. E essa gente estava trabalhando aqui
para conseguir dividir e separar. Por exemplo, era importante que o Rio Grande
do Sul mostrasse - como mostrou - a união acima de todos os partidos e o amparo
às instituições, a defesa da legalidade. Aqui nós não poderíamos ter greve,
porque a greve afetaria o funcionamento do Estado. Mas fora daqui, na Guanabara,
em São Paulo e em outros lugares, a greve se justificava. E lá foram tentadas
diversas greves e, efetivadas, prejudicaram o outro lado.
Eu quero dizer o seguinte, só um relato, porque
eu não sei quanto tempo eu tenho, não há controle, e eu acho que não devo
monopolizar... Quando vocês cansarem, digam-me, façam um sinal, olhem para o
relógio! Bom, contado o esquema de dois centros, um centro irradiador seria o
nosso popular, e o fato de albergar o comando sindical foi muito importante, e
é preciso ressaltar isso. O desfile dos batalhões de operários, que aprenderam
a marchar com a orientação do Caio, e com os oficiais do CPOR, e com os antigos
integrantes da Força Expedicionária Brasileira, que também estavam colaborando,
como o Castellan - o Castellan teve muita importância... Eles passaram
briosamente a dar uma demonstração de desempenho; não era uma passeata, eram
batalhões de ordem unida marchando com o maior garbo, com a maior coragem. E,
ali no comando sindical, tomavam-se iniciativas... Eu estou relatando coisas
que não são minhas, são coisas dos outros companheiros, iniciativas
inimagináveis.
Recorda-se que, em um certo momento, para
desmanchar a unidade do Exército, do 3º Exército, o General Cordeiro de Farias
foi mandado aqui com o cargo de General-Comandante da 3ª Região Militar. Os que
examinam esse fato dizem: “Por que o General Cordeiro de Farias não veio?”. O
que foi que houve? Parece um mistério! Evidentemente, o General recebeu as
informações corretas sobre como andavam as coisas aqui. Neste momento quero
relatar o fato de que uma página do Correio do Povo de então dizia assim: que o
Marechal passou a mudar de pensamento quando um amigo dele levou jornais do
Correio do Povo para ele ler. Aí, então, ele vacilou e se tornou mais prudente
e não veio. Se ele viesse... O que o General Machado Lopes tinha dito? “Se ele
vier, ele vai ser preso; se ele vier, ele vai ser recambiado”, dispôs-se nesse
sentido. Era a disposição da Brigada Militar de fazer parte dessa comissão de
recepção, disposição do Exército, também, de fazer parte dessa comissão de
recepção e a efetiva participação do Mata-Borrão nesse episódio, porque naquele
momento não se confiava muito na firmeza das posições, especialmente em relação
aos militares, porque, diante de uma hierarquia mais alta, o dever da
obediência é uma coisa muito séria. O dever da obediência era uma coisa que
pesaria muito. Então, o pessoal do Comitê de Resistência Democrática, junto com
o pessoal da Varig, junto com os aeroviários, acertou essa operação que eu
chamaria de boas-vindas ao General Osvaldo Cordeiro de Farias.
Consistia num fato inusitado: não é comum que um
avião seja recebido e que duas escadas sejam colocadas; uma, na parte da
frente; outra, na parte de trás. E subiriam, antes de qualquer outra coisa,
dois dos nossos - um deles era meu compadre, o espanhol, e um outro companheiro
-, os dois entravam ao mesmo tempo e começavam a revistar os passageiros. Claro
que o General não viria sem a sua segurança. Mas, vejam bem, poderiam resistir
quando, de um lado, havia uma pessoa, um voluntário dos nossos com uma
metralhadora, e, do outro lado, outro com metralhadora? Eu acho que a comissão
de recepção seria convincente a ponto de usar o esquema que o Exército tinha
acertado, o de receber o General dizendo: “Muito bem, General, o senhor nem
pegue a sua bagagem, embarque nesse avião e vá para a casa”. Felizmente, ele
não veio, não houve esse enfrentamento.
Agora, para aqueles que duvidam, que só um
milagre... Não houve! Isso eu digo, é um milagre de união e um milagre, digamos
assim, de espírito. O Brizola tinha dito... Eu me lembro de que essa faixa foi
pintada no Comitê de Resistência: “Brizola: não daremos o primeiro tiro, mas o
segundo e o último”. Então, isso era o que presidia o movimento! Isso era o que
orientava o movimento. E não houve, nem dum lado, nem do outro, um afobado, um
“faísca adiantada”, como a gente diria, que tivesse tomado a iniciativa de dar
um tiro. Não houve nenhum tiro, não se derramou sangue, nem da Brigada, nem de
ninguém. Mas a resistência democrática estava preparada para outra coisa. Tanques!
Que medo dos tanques! Os tanques da Serraria, coitadinhos! A gente sabe que
eram mais objetos de museu, porque, quando saíram, metade deles ficou pelo
caminho. Mas, ainda assim, aqueles poucos tanques teriam enfrentado uma coisa
que, naquele tempo, valia. Quem não se lembra do que seja uma bomba molotov? Uma garrafa com combustível, um
pavio, acendia, atirava e explodiam tanques com seus armamentos, aquela coisa
toda. Pois bem, 500 bombas molotov
foram fabricadas e estocadas num hangar do DAC, o Departamento Aeroviário, em
Porto Alegre. E não foi só estoque! O Castellan, ex-pracinha, treinou os seus
vizinhos para enfrentar tanques: a entrar num bueiro, colocar a garrafa lá,
acender e atirar. Ele argumentava assim: “Nós temos que defender a nossa vida,
a nossa liberdade”, e havia o grande argumento: “... e as nossas propriedades.”
Pois bem, vocês imaginem que existem milhões de
histórias que eu posso contar. O Caio me lembrou muito bem da existência de um
papeleiro – hoje se chamaria papeleiro – que ganhou o grau de sargento. Eu
virei comandante, não sei por que, mas nós tivemos ali a presença efetiva da
Brigada Militar. Num certo momento, quando eu cheguei, e eu não tinha graduação
nenhuma, eles estavam pintando uma faixa; eu peguei um pincel e comecei a
pintar também. Um cidadão, de mais idade do que eu, começou a fazer o mesmo
serviço e disse assim: “Como é que você se chama, meu companheiro? Nós somos
tão poucos e nem nos conhecemos!” Eu disse: “Eu me chamo Victor. E o seu nome?”
Ele disse: “Nei.” Três dias depois, ele se encontra comigo e diz assim: “Mas
como? O senhor não me disse que era Victor Douglas Nuñez, advogado!” Eu
respondi: “Como o senhor não me disse que era Nei Bueno, Coronel da Brigada
Militar!” E, naquele momento, ele não era pouca coisa, porque detinha o
controle da gasolina de Porto Alegre. As pessoas que não quiseram participar e
achavam que iam levar vida de férias, indo para Gramado ou Canela – que já
existiam na época –, estavam controladas, porque a gasolina era guardada para o
abastecimento da Capital, para o funcionamento da Cidade.
Eu peço que me dispensem de relatar mais fatos
ocorridos dentro do Mata-Borrão. O funcionamento não era hierárquico, não havia
quem mandasse. Eu não sei como classificar. Não sei se a organização era assim
como desejam os anarquistas: cada um de acordo com a sua possibilidade, de
acordo com a sua responsabilidade, sem obedecer à hierarquia nenhuma. A gente
tinha um setor para trabalhar e não interferia no setor ao lado, como eles
também não interferiam no setor da gente! Assim funcionou maravilhosamente o
Comitê Central da Resistência Democrática. Eu quero dizer apenas o seguinte: o
espírito que norteava tudo isso evidentemente obedecia... Não era simplesmente
- eu posso ler os documentos aqui - a obediência à Constituição. Mas o que
significa obedecer à Constituição? Obedecer às leis e pensar também no
progresso, que seria cortado se a Constituição fosse desrespeitada. Esse era o
espírito. Tanto que houve um poeta popular... Sempre surgem essas coisas de
cordel, o povo improvisa, e eu gostei muito de que fosse reproduzido, nos
cartazes e nas faixas, o seguinte dístico: “Nesta terra, a gente nasce e vive
livre até que morra!” Só. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
O SR. JUREMIR
MACHADO DA SILVA: Muito obrigado ao Sr. Victor Douglas Nuñez por esse relato,
que, como vocês viram, foi emocionado e emocionante, riquíssimo em detalhes,
aprendemos todos muito neste momento.
Está presente aqui um daqueles heróis lá da Base
Aérea, Sr. Caetano Vasto, que vai ser apresentado pelo Ver. Bernardino
Vendruscolo.
O SR.
BERNARDINO VENDRUSCOLO: Presidente e demais autoridades aqui presentes,
só gostaria de antes justificar a ausência do Ver. João Antonio Dib, que pediu
que eu comunicasse a todos que, em razão de ter um compromisso médico, precisou
sair. Encontra-se aqui o Vasto. O Vasto é uma figura que eu aprendi a admirar,
o Caetano Ângelo Vasto. Um dia, Presidente, ele me disse - ele é um dos
sargentos, um dos líderes daquele ato, daquele bravo ato coletivo dos sargentos
de impediram a decolagem dos aviões: “Bernardino, os aviões não eram o
problema. O problema era que os aviões estavam carregados, estavam municiados,
e aquele tipo de munição, na época, se a aeronave decolasse com aquela munição,
não aterrissava com a munição, precisava soltar a munição ou atirar. Por isso
nós estávamos preocupados”. Pois ele está aqui, e eu gostaria de que ele também
pudesse participar desta Mesa, o nosso Suboficial Vasto, que, diga-se de
passagem, Presidente, era Suboficial na época e o é até hoje. (Palmas.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Queremos acolhê-lo, por favor, componha a Mesa
conosco. (Pausa.)
O SR. JUREMIR
MACHADO DA SILVA: Muito bem! Enquanto o nosso Subofical Vasto vem para a Mesa,
vou apresentar o nosso próximo conferencista, o nosso próximo participante, o jornalista
Índio Vargas, advogado, jornalista na época e que dispensa grandes
apresentações. Passo a palavra logo a ele, para que faça seu relato, com suas
lembranças, para ilustrar um pouco mais sobre como foi esse grande momento da
Legalidade.
O SR. ÍNDIO
VARGAS:
Srª Presidente da Câmara, Verª Sofia Cavedon; Dr. Miguel do Espírito Santo,
Presidente do Instituto Histórico e Geográfico; Professsor Douglas Nuñez,
conferencista do detalhe, da crítica da história, ele deveria ter mostrado o
título do livro do Hélio Silva, ele esqueceu de mostrar. Eu também gostava
muito do Hélio Silva. Vejam: “A fuga de João Goulart”. Ora, se o João
Goulart...! Já não fez a guerra, o Ladário Pereira Teles ficou com as tropas
dele imaginariamente mobilizadas: “Temos condições de resistir”. E o Jango
disse: “Se for para correr sangue, não aceito esta solução”. Pois o homem pôs este
título no livro, esse Hélio Silva, historiador oficial, da história oficial, a
historiografia chancelada pelas classes dominantes: “A fuga de João Goulart”. Se
ele ficasse aqui, ia parar lá onde nós todos paramos, na Ilha da Pintada, ia comer
feijão com arroz lá do Presídio Central.
Bom, eu não vou fazer crítica, nem nada, vou
simplesmente dizer por que eu cheguei lá nessa história da Legalidade. De
repente, estou no Palácio lá e participo daqui e ando ali, procurando fazer a
minha atribuição, a atribuição para a qual eu fui designado. Antes de o Jânio
renunciar, no dia 25, eu fazia cobertura jornalística para o Diário de
Notícias, jornal que, depois do Correio do Povo, era o mais importante aqui,
era do Chateaubriand. Eu tenho uma história complicada, eu venho do
Chateaubriand. E há mais: eu, antes, era do jornal A Hora. A Hora era um jornal
feito com apoio do Governo Getúlio Vargas, feito pelo Samuel Wainer. Tinha a
tarefa muito abrangente de dar cobertura ao Governo democrático de Getúlio
Vargas; a ditadura ficou para trás, aquela ditadura foi só para acertar as
contas. E havia uma redação no Rio Grande do Sul, uma em Brasília e outra em
São Paulo, fora do Rio de Janeiro, que era a sede do jornal Última Hora, e aqui
apareceu como o jornal A Hora, meio disfarçando. Havia um homem de empresa, um
empresário que foi Senador do PTB, velho, que era o Presidente do A Hora. Eles
diziam que o A Hora era o jornal mais moderno, em cores, diagramado -
diagramado era uma coisa muito importante.
Eu estava na Faculdade fazendo curso de
Jornalismo e fui lá pedir para fazer um teste. Mandaram-me fazer uma série de
reportagens. Eu contei para o Juremir que a reportagem que eu fiz, a série, ia
começar com uma; a segunda e a terceira dependiam da primeira, é claro. Eu
contei para o Juremir, em uma entrevista, que era sobre o descobrimento do
Brasil, uma tese nova, uma tese que ia surpreender todo o mundo. Era um
professor da UFRGS, Hans Stauffer,
um alemão, vindo de Berlim direto, para fazer a reformulação de como o Brasil
foi descoberto. Não havia nada de novo: era aquele problema do mar; o movimento
do mar desviou as caravelas, ficaram algumas pelo meio do caminho, e outras
chegaram aqui. Rezaram a missa, escreveram a carta, pediram emprego e disseram
que o Brasil estava aqui, que viessem, que eles iam fazer uma divisão em 12
capitanias. Fizeram, duas deram contra, e as outras nem vieram aqui ver as
terras deles. Agora, nós estamos aqui disputando a terra.
Bom, então eu estava lá, entrei no jornal A Hora.
De repente o Chateaubriand, que era o rei da imprensa no Brasil, na época,
comprou o jornal A Hora. Comprou não o A Hora; comprou o equipamento gráfico do
jornal A Hora. Comprou o equipamento e disse: “Quem quiser vai, quem não quiser
fica”. Bom, tinha uns bem de vida e já com nome... O Lauro Shirmer, por
exemplo, não ficou, e outros lá: o José Guimarães; o Capitão Erasmo Nascente,
que era jornalista importante, era do Exército, mas escrevia um bom texto. E o
que aconteceu? Eles compraram para o Diário, e eu fui comprado junto! Foi a
minha primeira venda. A segunda não saiu ainda, porque 64 me engoliu. É por
isso que eu fiquei de repórter; já fazia cobertura para o jornal A Hora lá no
Palácio Piratini, cujo Governador era o Brizola. Eu fiquei lá, e, quando saiu a
renúncia, o Diretor do Jornal Diário de Notícias, Ernesto Corrêa, me chamou e
disse: “Olha, a tua missão agora não é fazer aquela cobertura rotineira. O
Brizola se levantou, e ele é duro. Eles vão enfrentar um problema complexo, o
Brizola está muito bem calçado. Tu tens que acompanhar passo a passo os
movimentos do Brizola, porque ele vai concentrar tudo na mão. O Brizola vai ser
a tua fonte de informações”.
Ocorre que o Brizola não era de intimidades. Ele
era educado, fazia um certo charme e tal, atraía as pessoas, tinha uma aura
boa, mas um pouco de longe; de muito perto, não. E eu, como era muito amigo do
Hamilton Chaves, Chefe de Imprensa do Brizola, disse: “Hamilton, eu estou com
uma missão aí dificílima, eu só não recusei porque eu estou lá comprado e estou
trabalhando naquele jornal e não tenho emprego, eu estou fazendo um curso aí”.
Ele disse: “Não, eu vou te arrumar um negócio”. O Gabinete do Brizola era no
primeiro andar do Palácio Piratini, e, nesse primeiro andar, havia o Gabinete,
tudo pintado pelo Locatelli, coisas italianas e francesas, tudo fino, e, no
resto, ele mandou botar umas divisórias de pinho, para o Cibilis da Rocha Viana
dirigir o GAP, ou seja, o Gabinete de Administração e Planejamento, de onde
saía tudo o que o Governo ia fazer. Ali tinha papel, e livro, e tudo. Eu fiquei
ali, fiz uma experiência e vi que dava para ouvir o Brizola no telefone.
Naquele tempo os telefones eram muito ruins, eram péssimos os telefones; tinha
que berrar: “General, esta é a nossa vez, General; eles querem simplesmente dar
um golpe para realizar os seus sonhos, que vêm desde 32”. Desde 1932, na
revolução que eles diziam “constitucionalista”. Não era constitucionalista
coisa nenhuma! Eles queriam a classe dominante reunida, financiada pelo Estado
de São Paulo, pelo jornal Estado de São Paulo, para, em primeiro lugar, garantir
a presidência, que Minas e São Paulo dividiam há muitos anos; eles queriam
dominar a Nação e “ter a chave do cofre”. É claro, porque todo o governante,
quando vai à luta e se empenha mesmo, a primeira coisa que ele faz é controlar
a chave do cofre.
Eu fui ali e vi que dava para ouvir. No segundo
dia, o Brizola já tinha vindo lá do... Tinha acontecido aquele negócio no
Parque Farroupilha, ele estava lá com os militares, nas comemorações pelo Dia
do Soldado e tal, ele veio e foi; quando chegou ao Palácio - ele veio da Caixa
Econômica, da Rua Dr. Flores esquina com Rua da Praia -, já tinha uma multidão,
multidão não, já tinha um povo exaltado gritando: “É golpe, é golpe!”. O
Brizola acreditava, estava convencido de que haviam dado um golpe no Jânio. Pela
campanha. Eu participei da cobertura da campanha tanto do Jânio como do Lott,
uma campanha difícil – um país continental, um horror, avião para lá, avião
para cá, e corre, e faz -, e o sujeito, sete meses depois, joga tudo fora? Eu
achei loucura. Quando o Hamilton chegou ao porão, disse “O Jânio renunciou” – nós
ficamos estupefatos – “e a agência France-Presse já deu a notícia”. Eu pensei: “Está
definida a coisa”.
Bom, aí ninguém acreditou muito, achavam que era
golpe; o Brizola achava que era golpe, tanto achava que foi para o Gabinete do
Presidente da Caixa e, de lá, telefonou já para o Eliseu Paglioli, Reitor da Universidade Federal; era um
neurocirurgião, um homem importante aqui, e já tentou se comunicar com o Jânio
para dizer que ele viesse para o Rio Grande do Sul instalar o Governo, porque,
no dia 25, o Jânio foi à Parada Militar, homenageou os soldados, desfilou lá,
saiu de lá, foi para o Palácio e redigiu um bilhete para o Congresso. Dizia
ele: “Por este instrumento, cujas razões estão com o Ministro da Justiça que
será apresentado ao Congresso, renuncio à Presidência da República”. E ficou
aquilo ali um negócio completamente sem sentido, uma coisa vazia, não dava
explicação. Mas ocorre que era dia 25; no dia 26, ele viria para o Rio Grande
do Sul. Sabe onde é que ele iria se hospedar? Eu fui tirar a credencial para
poder fazer a cobertura. No Quartel General do 3º Exército. Lá tinha um
apartamento reservado para ele. Ele sempre foi ligado aos militares.
Então, aquilo tudo, o negócio do Jango estar na
China conversando com Mao Tsé-Tung, acendendo o cigarro do Mao Tsé-Tung, no
tempo que se acendia um do outro, e ficava bonito... Agora, é um... Estava tudo
articulado, eles estavam articulados, os três Ministros Militares sabiam da
renúncia; só quem sabia das renúncias no Brasil eram cinco pessoas: eram os
três Ministros Militares - Aeronáutica, Marinha e Guerra -; o Oscar Pedroso
Horta, Ministro da Justiça, que levou na Assembleia o bilhete que o Jânio
mandou, renunciando, e o Carlos Castello Branco, que era o Secretário de
Imprensa do Jânio. E mais ninguém sabia. Eles sabiam, eles estavam sabendo;
eles fizeram aquilo tudo porque eles sabiam que ele estava na China e tudo.
Tudo estava armado, não tem nada por acaso, não tem nada de coisa muito louca aí.
Não é muito louca, não; é muito sabida, um negócio de esperteza, estava tudo
articulado para chamarem os Governadores. Chegou o Governador do Paraná, lançou
manifesto, com o apoio da Assembleia de lá, pedindo que o Jânio segurasse, que
as forças populares iriam apoiá-lo e dar os poderes que ele precisaria para
governar. O Jânio se elegeu, derrotou o Lott, ele não tinha programa de
governo, vocês sabem que ele governava dando bilhetinhos: eram bilhetinhos para
os ministros. Aos ministros não se dão bilhetinhos, com ministros se faz uma
reunião e se discutem as ações que serão realizadas.
Se eu for nesse diapasão, vou contar toda essa
história e será muito longa. Eu só vou dizer o seguinte: eu fiquei
impressionado com tudo isso porque eu era meio novo ainda. Naquele tempo todo
mundo era novo, eu acho que até o Matusalém era novo! Eu era muito novo, estava
assistindo a tudo e pensava: “Mas esses caras!”. Mas o Brizola tinha tudo para
fazer aquilo! Por que houve a tal da unanimidade que o Nelson Rodrigues achava
– e deve continuar achando ainda, ele sempre gosta de aparecer, ele ia ao jogo,
mas fazia uma crônica como se fosse... Ele dizia que toda unanimidade era
burra, mas essa não. O Hamilton recebia as correspondências dando apoio à
Legalidade, as das pessoas importantes ele separava. Veio um telegrama do Dr.
Décio Martins Costa – o Dr. Décio Martins Costa era Presidente do Partido
Libertador, o mais feroz e ferrenho algoz do Governado Brizola e do Trabalhismo
– apoiando a Legalidade e falando no Estado Democrático de Direito. Então eu
dizia: “Depois que o Partido Libertador apoiou, o movimento fez-se unânime.”
Tanto é que se reuniram, aqui na catedral, três pessoas: Peracchi Barcellos,
Loureiro da Silva e Dr. João Dentice, para ver se faziam uma resistência contra
a mobilização popular que o Brizola estava promovendo. Ora, e o Dom Vicente era
muito político, era muito mais político do que todos os políticos juntos, ele
nunca disse não para o Peracchi, nem para o Loureiro, ele foi indo, mas, quando
viu que não tinha mais nada a favor do golpe, ele fez um pronunciamento e disse
que seria um dos primeiros a apoiar.
Bom, vou encerrando por aqui, se não vou começar
a contar muita coisa, e algumas coisas ainda não devem ser contadas. Mas vou
dizer o seguinte: eu fiquei muito impressionado, e eu nem era formado em
Jornalismo ainda, eu era um iniciante - foca, como a gente chamava. E impressionou-me
muito: primeiro, o pessoal achava que essa unanimidade era quase que
inexplicável. Não era inexplicável, era facílima de explicar, porque o que o
Brizola queria? Por que o povo se mobilizou quase que espontaneamente? Eles
faziam as coisas com competência, com determinação. A capacidade de mobilização
do povo é muito grande, é muito maior do que podemos pensar. Eles se organizam
e vão fazendo as coisas. O Victor Nuñez pode testemunhar isso que houve lá no
Mata-Borrão. Então, o Brizola tinha tudo, tinha que defender a Constituição. O
papel do Exército é defender a Constituição e impedir que o País seja molestado
em qualquer sentido. Ele defendia a Constituição, a preservação das
instituições, o Estado Democrático de Direito, a obediência à lei, o direito
dos cidadãos, o cumprimento da decisão do povo brasileiro que elegeu, pelo voto
direto, o Sr. João Goulart como Vice-Presidente. Na ausência do Presidente... O
Presidente renunciou, e não explicou até hoje por que renunciou - explicou para
alguns. Então, ele tinha tudo, tudo era a favor dele. Foi a melhor causa que
ele pegou na vida, tudo era a favor, ele não encontrou obstáculo nenhum do povo
brasileiro para aquilo. Esse é o motivo pelo qual houve essa unanimidade, que
geralmente é muito difícil e que chegam a chamar de uma atitude burra, porque
todos querem a mesma coisa, não há contradição, então não se dialetiza, a
unanimidade não pode ser dialetizada, porque não existe o contrário.
Como é que dizia Mao Tsé Tung? Mao Tsé Tung era
meio filósofo, tipo o Juremir, o Juremir está representando aqui não o Mao Tsé
Tung, mas a filosofia, ele é o homem da filosofia! O Mao Tsé Tung dizia o
seguinte: “Qual é a origem de uma crise? Ora! Contradições não resolvidas. A
crise se dá quando não se resolve uma contradição, porque a dialética é a
contradição”. Então, dito isso, agradeço a todos meus companheiros de palestra,
o Celso Costa, o Lauro, a Teresinha, o Victor Nuñez, o Dr. Espírito Santo,
também o nosso pensador, o Lustosa, que é um dos bons pensadores; agradeço
muito a participação, eu não fiz o que eu gostaria de fazer, mas o que eu
gostaria de fazer ia ser muito demorado, e o pessoal já está meio triste. Muito
obrigado. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
O SR. JUREMIR
MACHADO DA SILVA: Muito obrigado ao Índio Vargas; inclusive, com o seu bom
humor, ele fez uma manifestação, como vocês viram, muito colorida. Eu quero
lembrar aqui que esta Sessão está sendo transmitida ao vivo - não é, Verª Sofia
Cavedon? -, pelo Canal 16, e depois vai ser reprisada, quem perder vê depois,
mas agora está ao vivo.
Vou passar a palavra agora a uma mulher, porque,
na Legalidade, o papel das mulheres foi muito importante. As mulheres também
estiveram, por assim dizer, na linha de frente. Passo a palavra a Teresinha
Irigaray, professora, advogada, conselheira aposentada do Tribunal de Contas,
ex-Deputada Estadual, ex-Vereadora da Capital, Secretária de Educação de Porto
Alegre, de Sapucaia do Sul, uma infinidade de outras coisas, e que representa
aqui na Mesa aquilo que as mulheres representaram em 1961.
A SRA.
TERESINHA IRIGARAY: Em primeiro lugar, eu quero fazer um
agradecimento muito especial à Presidenta desta Casa, Verª Sofia Cavedon,
porque, na realidade, nós, mulheres, para tomarmos decisões e qualquer outra
coisa, temos que participar. Então, é importante a iniciativa da Presidente da
Câmara de Vereadores em trazer esse assunto, que faz, agora, 50 anos; parece
que foi ontem. Cinquenta anos se passaram, faz meio século que esses meninos
que estão aqui - de cabeça branca, mas com o mesmo vigor e o mesmo entusiasmo -
se engajaram na Legalidade. Quero saudar o Dr. Espírito Santo; o Dr. Victor
Nuñez; meu amigo e companheiro Índio Vargas; o Lauro Hagemann; o Caio Lustosa.
Quero dizer, Lauro, que a vida é encantadora, porque ela nos proporciona o
encontro e, mais do que o encontro, que às vezes pode ser perigoso, a gente
nunca sabe onde pode acabar, nos proporciona, Vereadores, o reencontro.
E eu estou em um reencontro com esta Casa, onde eu
fui Vereadora, onde eu estou enxergando pessoas com quem eu convivi, com quem
eu privei, pessoas militantes de Partidos - Partidos de que eu participei -,
pessoas da minha amizade pessoal, o Luiz Braz, o Tessaro, o Dr. Dib, que não
está aí; o Garcia, o Brasinha. Tantas pessoas que será um erro fazer as
citações, porque a gente esquece, e eu já não sou mais aquela menina, aquela
moça, aquela jovem que ocupava a tribuna. Quero saudar também o Juremir
Machado, pela sua participação, pela sua intelectualidade, pelo humanismo das
suas crônicas diárias no jornal Correio do Povo, nós as acompanhamos
diariamente, Dr. Victor, com toda a atenção, porque sempre há aquele ensinamento,
que é o produto, que é a origem, que vem desse DNA de jornalista emérito,
fantástico, maravilhoso, que sabe entender e falar a linguagem do povo.
Mas olhem, depois de todos esses relatos aqui - certamente
ainda virá um bem emocionado do Lauro Hagemann -, não há muita coisa a ser dita
sobre a nossa comemoração da Legalidade. Até porque, como mulher, a
participação feminina na época foi muito pequena. As mulheres não participavam,
Presidente Sofia, dos Partidos políticos. Eu era protagonista, eu não era ativa
dentro do Movimento da Legalidade. Eu agia nos bastidores, porque, realmente, o
grande protagonista, na minha casa, que era o centro político, era o Deputado,
Líder do Governo na Assembleia, o Sereno Chaise. Eu, na época, era Teresinha
Chaise; eu acompanhava os movimentos do líder político da minha casa. Eu
gostava da política, é claro, sempre gostei, mas o foco ali era ele como Líder
do Governo. E esse movimento, Vargas, nos pegou - como tu disseste - no ar!
Surpresa para todo mundo! E, como as mulheres não podiam frequentar muito os
Partidos políticos, eu ia à minha escola, a Presidente Roosevelt, eu tratava com as minhas crianças, eu falava com os
pais, eu ficava desorientada, porque tinha que ir para casa. A minha casa
estava cheia de gente política, os rumores eram muito grandes, as ameaças eram
fortes, Dr. Victor! E a gente não sabia o que fazer.
Quando a Rádio da
Legalidade jorrou nos lares de Porto Alegre, quando aquela voz forte e vibrante
do jovem Governador Leonel Brizola conclamou o povo, não havia, Srs.
Vereadores, quem pudesse resistir àquele apelo. O Brizola era um homem que
sabia como falar ao povo, e ele estava do lado do melhor elemento, que era a
Constituição! E eu sinto e vejo, agora que eu sou advogada, depois de todos
esses anos, que as leis têm que ser cumpridas! Quando não são cumpridas, está
claro e estabelecido o chamado golpe. Então, nós estávamos, Índio, dentro de um
processo de golpe. Se não queriam dar a posse ao Vice-Presidente João Goulart,
queriam o quê? Ficar no lugar! O que é que poderia ser feito naquela hora? O
que é que deveria ser feito? O que o Dr. Brizola fez: a chamada Resistência
Democrática; a resistência da honra, a resistência da dignidade, porque, no
conceito daquele Governador, do nosso Governador, do Governador do Rio Grande
do Sul, tinha que ser cumprida a Lei Constitucional, Dr. Victor! Nós
somos advogados e sabemos disso, tinha que ser cumprido; o mais teria que ser
esquecido! Seria sacrifício? Sim! Haveria luta? Sim! Haveria um possível
enfrentamento? Sim! As coisas estavam se preparando para isso. Ali estava o
começo, o desenho, o esboço de uma coisa que depois culminou em 1964 e que,
anos mais tarde, tirou a mim e o Lauro Hagemann da Assembleia Legislativa do
Estado. Era a formatação do golpe militar. Era a caída do processo civil, e
havia a vontade de rasgar totalmente a Constituição - o que, aliás, eles
fizeram em 1964, logo ali na esquina; não fizeram em 1961, mas fizeram em 1964.
Em 1964, rasgaram a Constituição, fecharam o Congresso, cassaram os Deputados,
calaram as vozes dos políticos.
Tudo muito bom, obrigada, passou? Não. Em 1961,
Leonel Brizola previu isso. Evidentemente, ele previu, ele sabia disso. Aquela
conclamação dele, o seu entusiasmo pela Rádio da Legalidade, junto com nosso
querido jornalista Hamilton Chaves, figura inesquecível e maravilhosa da
Legalidade... Eles sabiam que estava se aproximando algo mais grave, algo muito
mais furioso, um vendaval, que foi o que aconteceu com todos os Atos
Institucionais. O meu ex-marido foi vítima do primeiro, e eu fui do último, do
mais violento. Mas ali era o embrião, o começo. E o que o Brizola queria?
Empolgar o povo! Que o povo entendesse isso aí, que o povo saísse de seus
lares, das suas casas, atendesse ao seu chamado, que partisse do Rio Grande do
Sul a grande resistência! Foi tudo preparado, foi tudo pronto.
Eu me lembro, Dr. Victor, das pessoas descendo
lá para o Mata-Borrão. Eu me lembro do Jair Calixto, figura da época,
conclamando e trazendo as pessoas do Interior para se alistarem no seu Mata-Borrão.
Eu me lembro das praças, principalmente da Praça da Matriz, apinhada de gente
de todas as idades - jovens, maduros, velhos, cabeças brancas -, ali, ouvindo a
palavra do seu Governador. O que ele dissesse era lei na época.
E as mulheres não eram muitas. Eu me lembro que
na noite de retorno do Dr. Jango havia um grupo de mulheres: Maria Carvalho,
esposa do Dr. Júlio de Carvalho, que era Secretário na época; a Dona Valesca
Maya D’Ávila, esposa do Dr. Floriano Maya D’Ávila, que acompanhava o Dr. Brizola;
lembro-me da Dona Neusa, com as suas pequenas crianças, dizendo, quando houve a
ameaça de bombardeio, que não sairia do Palácio, que ficaria ali. Lembro que
ela mandou chamar Dona Mila Cauduro, para que levasse as suas crianças para
casa. Lembro-me também da figura do Dom Vicente Scherer no Palácio. E, na hora,
ele passou para a defesa do Palácio e disse que ficaria ao lado dos moradores
do Palácio. Vamos fazer justiça.
Então, depois de todos estes relatos, quero
dizer que eu, que não participei como o Índio, eminente jornalista; que não fiz
o alistamento como o Dr. Victor Nuñez; que não era jornalista e repórter
fantástico como foi o Lauro Hagemann, participei nos bastidores. Mas eu me lembro
daquela noite. E o que eu tenho de lembrança da Legalidade foi exatamente a
noite da Praça da Matriz. O jornalista Juremir Machado era criança, não pode
imaginar o que foi aquela noite, o que era aquela Praça, iluminada e cheia, não
havia um lugar! E o povo ávido, o povo esperançoso, o povo todo de olhos no
Palácio com as suas janelas iluminadas, com os soldados ali com as suas armas,
e a palavra vibrante daquele que seguramente foi um legalista, um homem que
primou pelo cumprimento da Legalidade, um idealista, um precursor, porque
previu.
Eu lembro que as janelas estavam abertas, os
militares estavam ali, e o Dr. Jango chegou. Eu vou dizer agora, com quase 75
anos - eu tinha 24 na época, era uma jovem idealista -, nesta Casa à que já
pertenci, que eu esperava por palavras, por continuidade, por algo que enchesse
a minha vida naquela hora. Todos estavam na sacada, e o Dr. Brizola falou, mas
o líder maior da noite, que deveria falar, não falou. Eu não analiso aqui,
jornalista, que motivos levaram a isso - eu não sou uma historiadora, eu não
vou fazer essa análise, eu fui uma política muito tempo depois -, mas eu acho
que a palavra ao povo deveria ter sido feita. Não foi! Respeito isso. Acho que
o nosso Presidente era um homem muito equilibrado, calmo, um excelente político
- não tinha aquela vibração do Dr. Brizola! -, mas confesso que fui desapontada
para casa. Eu não imaginava que pudesse terminar assim. Todo aquele trabalho
feito dentro de um Hino e de episódios já relatados. Então, a Legalidade
terminou ali, e, com ela, o sonho de muita gente; acho que, com ela, o sonho de
um Rio Grande do Sul inteiro; com ela, o sonho dos gaúchos que queriam
acompanhar, junto com o Dr. Leonel Brizola, a conquista daquela coisa
fundamental que é o cumprimento da Constituição.
Fazer essa análise agora é ruim, é bom? Eu estou
aliviada de ter feito isso, bem aliviada. Mais tarde fui política, pertenci a
esta Casa, fui Deputada - a mais votada do Brasil na Assembleia -, mas eu
guardo sempre a lembrança daquela noite na Praça da Matriz. Se tivesse havido
continuidade, se aquele preparo todo do Dr. Leonel Brizola tivesse empolgado
mais o nosso Vice-Presidente, se ele não estivesse comprometido além do que
poderia, talvez, jornalista, a história tivesse escrito uma outra página. Qual
seria essa página? Não sei, mas que a história escreveria, escreveria. Então, o
que eu posso dizer nesta hora é que o que aconteceu não foi um sonho, foi a
defesa de um ideal que todos nós guardamos na nossa consciência e,
principalmente, no nosso coração. E a vida passa! Como dizia José de Alencar: “Tudo
passa sobre a Terra, menos a nossa lembrança”. Muito obrigada. (Palmas.)
(Não revisado pela oradora.)
O SR. JUREMIR
MACHADO DA SILVA: Muito obrigado à Teresinha Irigaray pelo seu depoimento.
Vamos para a nossa última fala desses testemunhos da Legalidade, com aquele que
ficou conhecido como “a voz do Repórter Esso” e também “a voz da Rede da
Legalidade”, o Lauro Hagemann. Foi Vereador e é um radialista dos mais
conhecidos da história do radialismo gaúcho e que sempre tem muito a dizer
sobre esse episódio. Temos participado de alguns eventos em comum, e é sempre
um prazer ouvir o relato do Lauro Hagemann.
O SR. LAURO
HAGEMANN: Minha
cara Verª Sofia, meus companheiros de Mesa, companheiros jornalistas,
radialistas e pessoal que está aqui para ouvir, a cronologia da Legalidade já
está muito bem exposta, mas me preocupa um aspecto: nós ainda não penetramos lá
no fundo do baú. A Legalidade tem ensinamentos que nós não apreendemos na sua
totalidade, e o Brasil vive, hoje, um período em que certos aspectos dessa Legalidade
precisavam ser revividos. Nós precisamos de uma nova Legalidade, de um
movimento similar àquele, para tirarmos o País deste estado de letargia, de
penúria e de desfaçatez, porque o que certos políticos estão fazendo com o povo
é inominável, e nós estamos para dar um basta a isso (Palmas.), e o basta não
vai ser à moda antiga, vai ter que ser um basta político. Eleições estão à
vista, estão se preparando. Vamos ver o que vai resultar delas, mas é preciso
que todos se compenetrem do papel de cada um nesse processo.
A minha participação na Legalidade quase todos
conhecem. Eu fui cognominado, não sei se justa ou injustamente, de “a voz da
Legalidade”. Eu andava solto por aí, quando o movimento eclodiu, e resolvi, num
surto de patriotismo, me apresentar como locutor. Eu era uma voz conhecida, não
posso negar isso e confesso que tenho certeza de que dei credibilidade à cadeia
da Legalidade, porque, logo no início, a coisa andava meio dispersa, não havia
uma centralização. O meu companheiro Naldo Charão de Freitas era locutor do
Gabinete de Imprensa do Palácio, e não havia radialista no processo de
comunicação do Palácio, a não ser o Naldo, e ele começou a ler os primeiros
manifestos, as primeiras declarações do Brizola, mas de maneira muito
atabalhoada, o que criava uma confusão maior no seio da população. Quando me
apresentei para ler alguma coisa, receberam-me de braços abertos, e, a partir
dali, as coisas começaram a tomar uma outra característica, um caráter de
organização.
Devo referir aqui a figura do Hamilton Chaves,
que era o Chefe do Gabinete de Imprensa; a figura do Homero Simom, que era um
engenheiro, e está conosco aqui o Celso Costa, que era auxiliar dele, que foi
quem montou também essa rede, e uma outra figurinha que ninguém lembrou aqui, o
Bruza Neto, que depois foi Deputado, mas, na época, era Secretário de um setor
da Secretaria de Educação, era professor. O Bruza foi praticamente o Secretário
da Rede da Legalidade. Passava pela mão dele o que nós devíamos ler mais ou
menos, com maior ou menor ênfase.
Então, essa gente foi quem fez a Cadeia da
Legalidade, e o que é a Cadeia da Legalidade? Vamos resumir: foi o cerne do
Movimento da Legalidade. Se não fosse o processo de comunicação, capitaneado
pelo rádio, pela Rádio Guaíba, a Legalidade não teria sido o que foi e não
teria alcançado os efeitos que alcançou. O processo de comunicação, na
Legalidade, foi fundamental, e aí se criou uma nova visão de comunicação, que
hoje, infelizmente, não está sendo seguida. Nós assistimos a uma confusão tal
no processo de comunicação, que nós não sabemos bem para onde vamos. E isso se
compreende: é tal a soma de informações que o homem recebe, que os nossos
mecanismos naturais e até os artificiais, que ainda não estão suficientemente
preparados para fazer a separação de uma coisa da outra.
Isso é o que cabe a nós fazer agora, e eu conto,
felizmente, com o Instituto Histórico, que assumiu uma parte grande desse
processo de juntar esses pedaços. Nós temos a tarefa de discernir esses
aspectos da Legalidade. Como comunista, eu sou um convicto das excelências que
a sociedade vai nos produzir. Sou um idealista convicto e vou gostar de ver
daqui a um tempo; espero estar aqui no centenário da Legalidade. (Palmas.)
Vejam a minha disposição. Os meus 81 anos não significam nada, ainda vou mais
longe e quero estar aqui no centenário. Isso é um alerta e um convite para todo
mundo, não só para mim, para minha geração. Quero que todos estejam aqui, e,
para que isso aconteça, nós precisamos manter esse espírito. Eu quero dizer que
muita gente, até da intelectualidade e da elite dirigente deste País, quer ver
esses aspectos históricos sepultados. Não interessa para eles revigorarmos e
revivermos a Legalidade, porque a Legalidade foi um ato coletivo de vontade de
um povo todo, e essa vontade, se vier a se fortalecer e vier a se manifestar
novamente, não se sabe o que vai dar para essa gente que hoje está segurando
com unhas e dentes o que tem. Esta é a nossa tarefa: modificar essa posição, e,
para isso, nós precisamos cultuar momentos como este, dizer que a sociedade é
capaz de coisas grandiosas, como foi capaz de fazer a Legalidade.
Vocês me desculpem, eu não vou falar mais,
porque o tempo já vai longe. Eu tenho muita satisfação por ter voltado a esta
Casa, à qual eu pertenci. Vejo com muita satisfação velhos conhecidos e espero
nos ver em dois mil e não sei quanto, daqui a cem anos. Muito obrigado.
(Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
O SR. JUREMIR
MACHADO DA SILVA: Agradeço muito ao Lauro Hagemann, que teve esse papel tão
relevante e que nos disse palavras tão sábias. Gostaria de terminar a minha
participação, alinhavar muito rapidamente tudo o que foi dito - é muita
informação, muito aprendizado -, e devolver a palavra para a Presidente da
Casa. Gostaria de terminar com o último parágrafo do meu livro “Vozes da
Legalidade”, como uma forma de homenagem a esse movimento grandioso. Diz assim:
“Conta-se que o nome Brizola, de origem italiana, significa grisalho, e quem o
carrega já nasce maduro. Conta-se muito quando se tem tempo e gosto, como esta
história, com tantas vozes, de um homem, um político, sua trajetória e seus
movimentos, história como contou Joaquim Felizardo, do “Último Levante Gaúcho”,
o último levante gaúcho da era do rádio, o primeiro grande levante de um homem
impondo o seu nome: Leonel Itagiba de Moura Brizola. O nome da voz, a voz da
Legalidade”. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Nós é que agradecemos ao Juremir. Há um levante
aqui para que o Sargento Vasto faça a sua saudação. Sargento, o senhor é muito
bem-vindo. O nosso tempo já está nos chamando a atenção, mas queremos ouvir a
sua saudação também, para depois ouvirmos os Vereadores, já dando as
boas-vindas ao público que vem para o próximo painel.
O SR. CAETANO ÂNGELO
VASTO: Primeiramente,
quero agradecer a honra de poder dizer algumas palavras nesta Casa do Povo;
agradecer às autoridades, a todos os Srs. Vereadores presentes e à plateia. Na
Aeronáutica, eu era conhecido como Suboficial Vasto, ou Sub Vasto. Fui um
personagem, em 1961, de uma palavra final à ordem de bombardear Porto Alegre,
eu disse: “Não! Os aviões não decolam, e ninguém vai sair para São Paulo”. Isso
porque a ordem dos Ministros Militares era para que, após o bombardeio, os
aviões fossem para São Paulo. Eu disse: Não! Não quero ser conivente com o
derramamento de sangue na minha Pátria, meu Brasil, em todo o Rio Grande e o
resto deste País imenso, que é o meu coração”. Então, como eu desobedeci a uma
ordem dada pelo Comando, eu vi que o Comando estava desobedecendo a uma ordem
maior, que seria a nossa Constituição. Então, nada mais do que dizer um “não!”
para um bombardeio nesta Cidade. Acho que fiz a minha parte, acho que foi
bastante. Sinto-me honrado, é com orgulho que trago essa lembrança no coração.
Viva o meu Brasil! (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Muito obrigada pela sua presença aqui, Sargento,
e pela emoção de cada um dos protagonistas da História. Nós combinamos, e
agradeço a compreensão dos Vereadores que haviam se inscrito, que a
manifestação será um Vereador por Bancada, por dois minutos no microfone de
apartes.
Nós temos a informação de que o Presidente do
IPEA, Sr. Marcio Pochmann, já está se deslocando para cá. Registro a presença
do músico - cantor e compositor - e lutador por um Brasil melhor, Raul
Ellwanger. É um prazer tê-lo conosco! (Palmas.)
O Ver. Mauro Zacher está com a palavra em
Comunicações.
O SR. MAURO
ZACHER: Srª
Presidente, eu gostaria de saudar o Juremir, o Caio Lustosa, o Victor Douglas,
o Celso Costa, o Índio Vargas, a Teresinha Irigaray, o Lauro Hagemann, enfim
todos os que compuseram a Mesa e nos deram a oportunidade, Presidente, de, em
poucos minutos, quase duas horas - evidentemente foram insuficientes para que a
gente pudesse participar, fazer um bom debate -, ver a alegria no rosto de
vocês, o carinho, o bom momento, um saudosismo aqui muito positivo, de a gente
poder resgatar uma parte tão importante da História do nosso Estado. Não é por
acaso que sou pedetista, brizolista, e faz-nos muito bem relembrar esse momento
e poder mostrar à sociedade, à nova geração, momentos importantes do nosso
Partido, do nosso líder maior, o Brizola, e, principalmente, da nossa História.
Quero dizer a vocês que eu, como pertencente, posso
dizer assim, a uma nova geração do nosso Partido... Em certos momentos, a gente
faz questionamentos sobre o nosso Partido: é importante que a gente se
reconstrua, renove o nosso discurso, que a gente possa reposicionar o nosso
debate. Tudo isso é importante, mas é muito importante que a gente viva esse
momento da História, a Legalidade, de que fizemos parte. Acho que o grande
legado que Brizola deixa para nós - poderia aqui citar tantos momentos
importantes de legalidade, é o que estamos discutindo hoje - é que ele definiu
muito claro o lado em que deveríamos estar: o lado do interesse maior, do povo,
da justiça social. E é por isso que nos faz muito bem comemorar esta data. Aos
40 anos, quando nós comemoramos, eu tive a oportunidade de estar com o Brizola,
ainda vivo, trazendo para nós momentos tão importantes da história.
Ao mesmo tempo eu queria saudar a nossa Bancada,
os Vereadores Luciano Marcantônio, Tarciso Flecha Negra, Dr. Thiago Duarte,
Mario Fraga, que estiveram conosco esta tarde e que compõem a Bancada de
trabalhistas aqui na Câmara de Vereadores. Parabéns, espero que em outra
oportunidade a gente possa ter mais tempo, porque foram muito bons esses
momentos que tivemos com vocês. Muito obrigado.
(Não revisado pelo orador.)
A SRA. PRESIDENTE
(Sofia Cavedon): O Ver. Elói Guimarães está com a palavra em Comunicações.
O SR. ELÓI
GUIMARÃES:
Srª Presidente, Juremir Machado, demais protagonistas, devo dizer que tive uma
pequena participação, na época eu era estudante do curso secundário, e nós, estudantes,
nos incorporamos à massa e fazíamos este trajeto: Praça da Matriz, frente ao
Palácio Piratini, Mata-Borrão, sede do PTB, aqui na Rua Marechal Floriano
Peixoto. Eu venho de cepa trabalhista, getulista; então, por uma série de
fatores e pelo que representou esta grande cruzada cívica, épica, que foi a
Legalidade... Evidentemente, em dois minutos aqui, nós não vamos conseguir
expor tudo, mas são vários os aspectos que Legalidade produziu. E aqui dizia o
Lauro Hagemann do rádio, da Rede da Legalidade, e a sua voz era aguerrida, fazia
exatamente a repercussão do grande comandante que era o Governador Leonel
Brizola, com seus discursos vibrantes na defesa da Legalidade. Então, foi um
Movimento, vamos dizer, que ficou na consciência dos gaúchos e dos brasileiros
como um grande amor pela legalidade, na defesa da democracia, na defesa dos
valores éticos.
E queremos o cumprimentar aqui, Juremir, por todo
o conjunto de informações que tu vens trabalhando nos teus livros. Quero dizer
que não se escreveu sobre a Legalidade, a partir do Movimento de 64, as
gerações vindouras não tiveram a oportunidade de conhecer, de saber sobre a
Legalidade, mas, agora, aos poucos, ela começa a ser mostrada para o País e, de
resto, para o mundo. Foi um dos grandes movimentos cívicos. E a gente lembra
aqueles momentos emocionantes, numa explosão espontânea: a população, as forças
organizadas; enfim, aquele movimento na defesa da legalidade. Ainda lembro os
dispositivos da Constituição de 1946, porque nós víamos: o Vice-Presidente
substitui o Presidente no caso de impedimentos e sucede no caso de vaga. Era a
sucessão, e o mandato, pela força popular, teria que ser devolvido ao Jango,
como foi evidentemente com as restrições que o Parlamentarismo lhe fez até
1963, quando do movimento do “sim” e “não”, venceu o “não” ao Parlamentarismo.
Meus cumprimentos à Mesa dos debates. Muito obrigado.
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Bernardino Vendruscolo está com a palavra
em Comunicações.
O SR. BERNANRDINO
VENDRUSCOLO:
Srª Presidente, Sras Vereadoras e
Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes). Srª
Presidente, falo pela inscrição feita regimentalmente, de modo que fica aberta
a vaga para o PMDB falar. Eu quero citar aqui uma frase que disse o Juremir: “Todos,
de uma forma ou de outra, colaboraram para esse Movimento: quem trabalhou no
Rádio, quem pegou em armas”. Todos! Foi uma construção! Por isso quero
cumprimentar todos.
E faço um cumprimento especial ao Vasto. Vasto,
quem serviu às Forças Armadas e que tem conhecimento e sentimento do que é a
subordinação e a insubordinação tem condições de avaliar o seu ato de bravura e
dos seus companheiros. O senhor era Suboficial, foi para reserva como Sargento.
Talvez, Vasto, o senhor, se fosse servidor de uma outra unidade da Federação,
tivesse recebido as promoções que outros tantos receberam. Seu pecado foi ser
militar na época, com certeza. É por isso que eu o homenageio, em nome de
todos, citando e frisando que, para quem é subordinado, não é fácil agir na
insubordinação, em defesa do coletivo, e o senhor e os seus companheiros
fizeram isso. Parabéns.
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Airto Ferronato está com a palavra em
Comunicações.
O SR. AIRTO
FERRONATO: Minha
cara Presidente Sofia, quero fazer uma saudação especial a todos os que estão
conosco nesta tarde. Registro a presença do meu parceiro e amigo Lauro
Hagemann, tive o prazer de tê-lo conosco aqui na Câmara, quando assumi a
Vereança pela primeira vez.
Fala-se na Legalidade, nos 50 anos, e eu quero
dizer que tenho 59 anos. Eu era lá um guri de 9 anos e, Dra. Terezinha, morava
no interior de Arvorezinha, na Linha 5ª. Imaginem o que era a Linha 5ª de
Arvorezinha há 50 anos: não havia luz, não havia telefone, ninguém tinha
automóvel, mas tínhamos um rádio à bateria, que pesava, mais ou menos, uns 30
quilos, um pouco menos, se somássemos o rádio e a bateria. Então, isso me faz
lembrar daqueles velhos tempos. Também lembro o bodegueiro da Linha 5ª, onde o
pessoal se reunia na “boca da noite” e por lá ficava. Mas lembro que aqueles
agricultores, muito pouco letrados, lá por volta das 18 horas, pouco mais ou
pouco menos, quando começava a escurecer, no inverno, eles iam para casa e
diziam: “Eu vou para casa ouvir o Brizola”. E 100% dos moradores daqueles
confins de Arvorezinha iam para casa ouvir o Brizola. O que significa isso? Que
a Legalidade mobilizou especialmente o povo gaúcho, sensibilizou o nosso povo,
ricos e pobres, letrados ou não. Aí está o grande passo que se deu. Eu acredito
na força de todos e na força da rádio, que, naquele tempo, levava para nós, lá
do Interior, a grande mensagem da Legalidade. Um abraço a todos! Parabéns à
senhora e aos senhores que fizeram esta história. Muito obrigado.
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Luiz Braz está com a palavra em
Comunicações.
O SR. LUIZ
BRAZ:
Srª Presidente, eu quero a cumprimentar por esta tarde que V. Exª propiciou a
todos Vereadores da Câmara Municipal e àqueles que vieram até aqui. Eu não pude
permanecer todo o tempo no Plenário, mas estava no meu gabinete, ouvindo todos
os oradores que aqui se pronunciaram. Quero cumprimentar o Juremir, que sempre
é uma grande referência com relação à cultura que nós temos aqui no nosso Rio
Grande do Sul.
Eu, naquela época, estava no interior de São
Paulo. Sou da cidade de Ribeirão Preto, e, naquela época, a minha luta pela
sobrevivência, junto com a minha família, para que nós pudéssemos
sobre-existir, era maior do que aquele movimento todo que se via,
principalmente dos estudantes, na época da Legalidade. Os pronunciamentos do
Leonel Brizola, tudo isto, para nós, que estávamos tendo outro tipo de luta,
travando outra luta, ficou relegado, praticamente, a um segundo plano, muito
embora a gente saiba da importância disso para todos os brasileiros,
principalmente para aqueles que são aqui do Rio Grande do Sul.
Mas eu quero cumprimentar, pelo menos, três
pessoas com que eu convivi neste Plenário: o Ver. Caio Lustosa, que honrou
muito este Plenário com a sua presença; o meu querido amigo Ver. Lauro
Hagemann, que foi e continua sendo uma voz brilhante - eu estava ouvindo o
Lauro, e ele continua sendo aquele locutor que é capaz de ocupar qualquer
microfone em qualquer emissora de rádio pelo Brasil afora -; também a minha
amiga Teresinha Irigaray, com a qual tive uma relação muito boa aqui na Câmara
Municipal. Ela me ensinou muito aqui na Câmara Municipal; depois foi para o
Tribunal e honrou também esta Casa no Tribunal de Contas do Estado. Realmente,
fico muito contente em poder hoje ter tido este luxo, o orgulho de poder estar
compartilhando este Plenário com pessoas tão ilustres. Muito obrigado.
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Adeli Sell está com a palavra em
Comunicações.
O SR. ADELI
SELL:
Srª Presidente, em nome da minha Bancada, dos meus colegas aqui presentes, eu
saúdo os bravos e bravas lutadoras da democracia, da liberdade, dos direitos,
combatentes da ditadura e do autoritarismo. Tal qual o Ferronato, também pelas
ondas do rádio, lá no interior de Santa Catarina, fiquei sabendo desse Movimento,
ainda jovem, apenas com oito anos de idade. E hoje fico mais revigorado, como
nunca, para continuar lutando pela democracia, pelas liberdades, e que nós
possamos viver em um mundo cada vez melhor. Vocês, nesta tarde, deram um belo
depoimento de que é possível continuar acreditando na humanidade. Muito
obrigado. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Sebastião Melo está com a palavra em
Comunicações.
O SR. SEBASTIÃO
MELO: Presidenta,
primeiro, eu quero dizer que valeu esta tarde temática, meus cumprimentos
coletivos a essas figuras magníficas. Quero dizer ao Juremir que o livro dele é
fantástico, talvez o melhor dos livros da Legalidade, e não é propaganda, mas
reconhecimento. Eu gosto de dizer que sou duplamente gaúcho, porque sou goiano
de nascimento e sou gaúcho de coração, optei por esta terra com muito carinho,
como muitos gaúchos foram Brasil afora. Só o Rio Grande poderia produzir um
episódio desses.
Eu volto à data de 1930, quando o Brasil vivia a
política do café com leite e a dissidência de Minas não obteve o direito de
indicar o Presidente da República naquela peleia do Washington Luiz: o Getúlio
se juntou a Minas e à Paraíba e fez com que o Rio Grande chegasse ao poder e
amarrasse no obelisco os cavalos. E o Brasil mudou, indiscutivelmente, naqueles
anos do Getúlio, mudando a sua matriz econômica. Pois esse mesmo Rio Grande que
peleou em tantas guerras, em tantas lutas, foi o Rio Grande que se unificou
novamente nessa luta fantástica, nessa figura... Talvez o Brasil fosse outro
naquela eleição de 1989, quando a demagogia venceu naquele debate - dos mais
demagógicos que eu vi no 2º turno -, quando o Collor venceu a eleição. Se o
Brizola tivesse ganhado a eleição no Brasil, com certeza este Brasil seria
outro, porque, de todos os políticos que eu conheci, ao longo desse tempo, o
Brizola teve um traço que está faltando em todos os outros, que é investir
naquilo que vai dar o presente e o futuro de uma pátria: a Educação. Portanto,
viva a legalidade! Viva o Brizola! E vocês fizeram parte dessa história. Eu
nasci em 1958, li muito sobre tudo isso, não vivi, mas que emoção vocês terem
participado. Quero dizer que não foram covardes e que lutaram muito para este
País ter hoje uma democracia consolidada. Um abraço a todos. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Vocês viram que nós combinamos os critérios dos
inscritos e das Bancadas.
O Ver. Pedro Ruas está com a palavra em
Comunicações.
O SR. PEDRO
RUAS: Verª
Sofia Cavedon, meus parabéns pela promoção deste evento; meu caro Juremir,
parabéns pelo estudo abnegado, dedicado, extraordinário. Eu quero fazer um registro
de admiração e afeto à Teresinha Irigaray, ao Índio Vargas, ao Victor Douglas
Nuñez, ao Miguel Frederico do Espírito Santo, ao Celso Costa, ao Caio Lustosa,
ao Lauro Hagemann, ao Sargento Vasto. Cada um de nós, no seu momento - e eu
tenho consciência disto -, procura fazer o melhor. É muito importante a gente
poder ver, num momento como este, que aqui se reúnem pessoas... É mais do que a
Legalidade. Este cinquentenário é da maior importância para a história do Rio
Grande do Sul e do Brasil. Mais do que a Legalidade, essas pessoas construíram
trajetórias dignas de honrar todos os que as conheceram: a Deputada Estadual
mais votada do Brasil em 1966, a Teresinha; o Índio Vargas, eleito em 1968,
cassado em 1969, junto com o Dilamar, não foi? O Dilamar foi cassado junto
contigo, não é, Índio? O Dilamar foi depois? Em 1977, o Marcos Klasmann ficou também vinte e poucos dias cassado, o Marcão; assim
como o meu mestre em Direito do Trabalho, o Victor Douglas Nuñez. São
trajetórias que nos ensinam e nos honram.
Eu me exibia para todo
mundo aqui dizendo que fui colega do Lauro Hagemann, do Caio Lustosa. E, ontem
de manhã, Sargento Vasto, estávamos eu, o Caio Lustosa e a Verª Fernanda
Melchionna – uma jovem do meu Partido, do PSOL, de 27 anos – na Praça Garcia
Lorca, relembrando, marcando e registrando os 75 anos do assassinato do Garcia
Lorca; na Praça Garcia Lorca, que é o único logradouro do Brasil com esse nome,
com o nome do grande poeta espanhol, um Projeto do então Ver. Caio Lustosa.
Ontem, nós estávamos lá, eu, a Fernanda Melchionna, o Caio e o ex-Governador
Olívio Dutra. Então, são trajetórias, Celso Costa, que honram todos nós. A
Legalidade é o motivo pelo qual hoje temos a honra de ouvi-los. Eu tive que ir
a uma audiência com o Governador - já marcada anteriormente -,e a Fernanda me
dava o relato inteiro e estava emocionada. Os 27 anos da Fernanda são um
orgulho para nós e, mais ainda, a sua capacidade de se sensibilizar com o que
foi dito aqui.
Eu quero dizer que nós
todos continuamos militantes da mesma causa. Nós todos temos a mesma origem. Eu
quero um dia poder dizer, assim como foi dito aqui - algo que foi considerado
como absolutamente verdadeiro por todos nós -, que cada um de nós que está aqui
sentado e palestrou hoje fez e faz a sua parte. E nós queremos, no nosso tempo e
com a nossa modéstia, fazer também a nossa parte. Um abraço a todos. Parabéns!
(Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Professor Garcia está com a palavra em
Comunicações.
O SR. PROFESSOR
GARCIA:
Prezada Presidente Sofia, caro Juremir, quero dizer que saio daqui hoje bem
melhor do que entrei. Saio com a alma lavada, com felicidade. Quando eu vi este
seleto grupo, pensei: “Por que isso não poderia ser no Gigantinho?”, pois o que
foi colocado hoje vai servir de acervo histórico, podem ter certeza disso.
Prezada amiga Teresinha, tu disseste que não
foste protagonista, mas foste, sim! A gente sabe o papel da mulher dentro de
casa, mas tu, no teu tempo, transcendeste a isso. Então, quero te parabenizar. Nós
conhecemos a tua trajetória em todos os segmentos; aqui cada um contou um
determinado fato, num determinado momento, mas a vida de cada um de vocês
continuou. E nós sabemos a tua história. Caro Índio, também, da mesma forma: o
Índio é um contador de histórias. Hoje eu fiquei surpreso, pois tu ficaste meio
quietinho! Mas eu sei que tu és daqueles homens que gostam de conversar e tens
histórias. Eu e a Rosa já ouvimos inúmeras histórias, é um deleite para quem te
ouve! Prezado Advogado Victor, satisfação em vê-lo reviver para a gurizada de
hoje o que era o Mata-Borrão! E, quando o senhor colocou a história do
Mata-Borrão, também reviveu o que era um mata-borrão, dando aquele exemplo da
caneta-tinteiro!
Caro Miguel Espírito Santo, satisfação! Continue
cultuando, porque o povo precisa ter memória, embora alguns entendam – e o
Lauro colocou com precisão – que isso não deva continuar. Prezado Celso,
parabéns pela determinação, porque, realmente, tu foste o homem que deu o
suporte. Muitas vezes, a gente tem a ideia do Lauro como o homem da voz, mas,
se não tivesse teu início, a voz de nada serviria. Então, parabéns!
Prezado Caio Lustosa, que foi Vereador desta
Casa: com muito orgulho também, durante dois anos, eu tive a oportunidade de
ser Secretário do Meio Ambiente, uma função que tu também ocupaste; quero dizer
que isso é motivo de alegria. Lauro, parabéns! Tu querias 50 e, no final,
querias mais 100 anos! Então, Lauro, para ti a questão temporal não existe.
Sargento Vasto, parabéns também!
Eu volto a dizer que me emocionei. Não chorei
copiosamente, mas eu quero dizer para vocês que derramei algumas lágrimas,
quietinho no meu canto, mas com uma felicidade enorme em poder ouvi-los. Eu
lembro que eu tinha nove anos, meu pai era policial, e nós tivemos um cuidado
em casa. Onde nós morávamos tinha um porão, e nós colocamos algumas pilhas de
coisas, porque o pai disse: “Pode dar tiro, e, se der tiro, vocês corram para o
porão.” Felizmente, não ocorreu. Mas o Rio Grande do Sul deu uma grande
demonstração de civismo em lutar por aquilo que está escrito e é de direito.
Parabéns a todos! (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Dr. Raul Torelly está com a palavra em
Comunicações.
O SR. DR. RAUL
TORELLY:
Presidente, é uma satisfação muito grande poder estar aqui como Vereador neste
momento, revivendo uma coisa que é uma das pequenas, mas grandes lembranças que
eu tenho da minha infância, independente de toda a trajetória política e do
conhecimento que vocês todos nos trouxeram da sua participação efetiva no
Movimento da Legalidade. Quero saudar todos, em especial, a minha amiga
Teresinha Irigaray, dizendo que eu me lembro, como se fosse hoje, do meu pai,
que infelizmente já nos deixou, dizendo assim: “Vamos ficar em casa, que eu vou
pegar essa arma e tenho que sair.” Nós tínhamos um gravador de fita, daqueles
antigos, que até há uns três anos eu ainda tinha guardado, com o tradicional
discurso do Brizola dizendo: “Fechem as escolas, peguem suas armas, nós
precisamos de vocês.”
Cada um vê a história do seu ângulo, da sua
idade, do seu foco. Eu acredito que só Deus vai dizer o valor disso que vocês
fizeram para nós e para os nossos descendentes. Eu desejo saúde para todos nós,
especialmente para vocês que estão aqui, que tanto fizeram pelo nosso Estado e
pelo nosso País. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): A Verª Fernanda Melchionna está com a palavra
em Comunicações, pela oposição.
A SRA. FERNANDA
MELCHIONNA:
Presidente, eu nem ia falar, porque fui muito bem contemplada pelo Ver. Pedro
Ruas, mas aí eu reparei que não tinha vindo nenhuma mulher, Teresinha, aqui
neste microfone de aparte. Nós lutamos tanto para conquistar o nosso espaço na
política, que eu disse: “Eu vou falar, eu sei que é tarde...” (Palmas.)
Eu queria colocar duas coisas bem rápido. A
primeira é o meu prazer de conhecer muitos hoje, pessoalmente, porque muitas
das histórias e das lutas, que foram muito bem detalhadas e emocionantes, eu
conheço pelos relatos que o Ver. Pedro Ruas me faz do episódio da Legalidade -
porque ele estudou muito -, da convivência dele com o Brizola e do legado de
todos vocês nessa luta grandiosa. Então, foi um prazer conhecer hoje,
pessoalmente, a Teresinha, conhecer o Índio Vargas - ontem, eu e o Pedro Ruas
falávamos no senhor -; o Victor Nuñez; o Juremir, que, evidentemente, eu já
conhecia, um grande escritor, grande jornalista; o Miguel Espírito Santo; o
Caio Lustosa, nosso companheiro - estávamos ontem fazendo uma homenagem ao
Garcia Lorca -; o Celso Costa; o Lauro Hagemann e o Sargento Vasto.
Acho que foi o maior levante, um episódio capaz
de mostrar a luta, a capacidade de indignação e, pelos relatos de hoje, a
capacidade da autogestão da população, que, quando está organizada, quando está
mobilizada, quando tem um referente, é capaz de fazer verdadeiras revoluções
para mudar a história. Então, queria dar um abraço apertado em cada um de vocês
e dizer que estou cada vez mais esperançosa de que novas legalidades virão. A
juventude do mundo começa a se levantar contra esse sistema de exploração, e eu
acho que novos tempos virão para o mundo e para o Brasil. (Palmas.)
(Não revisado pela oradora.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Carlos Todeschini está com a palavra em
Comunicações.
O SR. CARLOS
TODESCHINI:
Srª Presidente, ao Juremir e aos demais componentes da Mesa o meu afetuoso
abraço. Quero registrar o sentimento e o pensamento de vitória, de heroísmo,
mas, sobretudo, de uma posição firme em defesa do Brasil, das classes populares
e do nosso projeto de desenvolvimento independente, que significou a campanha
da Legalidade, que foi, infelizmente, atropelada, depois, pelo golpe militar.
Ela foi fundamental e importante, mas essa hegemonia foi cortada pelos grilhões
da ditadura, que levaram o Brasil à situação que vivemos. Eu penso que este
País, que é um gigante adormecido, que é o melhor lugar do mundo para se viver,
teria tido outro destino, um destino muito melhor se, naquela época, não
tivéssemos tido esse ciclo vitorioso interrompido pelo golpe militar, que deu
um rumo que teve as suas características, mas que, sobretudo, foi danoso para
os brasileiros, para as classes trabalhadoras e para o projeto do Brasil como
um todo. Então, meus cumprimentos a todos que viveram essa época, que lutaram e
que demonstraram o seu verdadeiro espírito de defesa do Brasil, do povo
brasileiro. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Toni Proença está com a palavra em
Comunicações.
O SR. TONI
PROENÇA: Presidente,
quero saudá-la pela iniciativa, sei da sua apreensão por causa do horário, mas
foi uma aula e uma vivência inesquecível. Por isso quero saudar todos os que
nos brindaram com esta experiência maravilhosa, trazendo a nós a sua
experiência. Em nome da Bancada do PPS, composta por este Vereador e pelos
Vereadores Paulinho Rubem Berta e Elias Vidal, quero dizer que temos a
convicção da responsabilidade que carregamos: a cada voto que nós registramos
neste painel, temos sempre a lembrança da história construída no Rio Grande do
Sul por homens e mulheres como vocês. Parabéns! (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Aldacir José Oliboni está com a palavra
em Comunicações.
O SR. ALDACIR
JOSÉ OLIBONI: Nobre Presidente, Verª Sofia Cavedon; Juremir e todos os nossos
convidados no dia de hoje; eu ouvia muito do meu pai e do meu mano mais velho
toda essa história tão linda e tão importante para as nossas vidas, mas não
tinha ainda o detalhamento de quem pediu o bombardeio, de quem instituiu a
Rádio da Legalidade e de tantas outras coisas. Isso, para nós, é um marco de
uma geração a quem nós temos muito a agradecer, porque esses movimentos nos
encorajam a sair às ruas e, muitas vezes, até a pedir a renúncia de um
Presidente.
Hoje vivemos um quadro muito diferenciado, uma
democracia consolidada graças a Deus, a vocês e a todo este povo, que teve
muita coragem num momento tão difícil, o que nos enobrece e nos orgulha. A
nossa geração agradece, com carinho, o trabalho e a ousadia de vocês. Muito
obrigado. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Obrigada, Oliboni.
Eu vou encerrar este momento, Lauro, ousando usar
a tua conclamação e um pouco, talvez, do que a Fernanda trouxe aqui. Nós
sabemos que um dos ideais que mobilizaram a Legalidade é a construção da
República. Uma república, de fato, ética, democrática e justa com todos os seus
cidadãos, que estabeleça relações justas, iguais e que trate todos os cidadãos
de forma igual. Acho que nós vivemos outro momento dramático neste País, quando
se desnuda esse Estado brasileiro que foi apropriado por armas, que foi
apropriado pelo poder econômico e que hoje mostra o quanto está corroído,
corrompido por posturas não éticas e não republicanas. Talvez todos esses depoimentos
nos tragam a responsabilidade - depoimentos vivos aqui, todas as comemorações e
todos os momentos que vamos ter. Aqui nós tivemos uma pincelada, que nós
queremos que chegue à juventude - os depoimentos desses jovens guerreiros na
época -, para que a juventude e para que a nossa geração de Parlamentos possam
estar à altura daquele Movimento e, de fato, passar a limpo esta República; talvez,
levantar por Dilma Rousseff um movimento como aquele que levantamos por João
Goulart, para que ela tenha a força e a coragem de continuar passando a limpo
este País, transformando este Brasil. (Palmas.)
Obrigada pela presença, por tão bonitos
depoimentos, de tão bonitas vidas, especialmente a ti, Juremir, que nos ajuda a
refletir e continuará fazendo isso. Obrigada a todos. Quero agradecer ao
Memorial, especialmente à Nara e ao Jorge, que construíram inclusive duas
exposições: “Uma Trincheira Chamada Porto Alegre”, que está logo aqui à frente,
são fotos; e “Porto Alegre: Agosto de 61”, são imagens que estão aqui embaixo e
que vão circular nas escolas. Agradeço ao Instituto Histórico e Geográfico pela
parceria neste momento e pelo seu trabalho.
Vou interromper por alguns minutos os trabalhos,
e, em seguida, teremos conosco o Marcio Pochmann, Presidente do IPEA, que seguirá
nos ajudando a compreender melhor este Brasil e a organizar a nossa ação
parlamentar e a sociedade gaúcha com o tema do enfrentamento à miséria. Obrigada.
Interrompo a Sessão por alguns minutos para as despedidas. (Palmas.)
Estão suspensos os trabalhos para as despedidas.
(Suspendem-se os trabalhos às 17h10min.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon – às 17h18min): Estão reabertos os trabalhos. Peço aos
Vereadores e às Vereadoras que estiverem na Casa que voltem ao Plenário.
Neste momento, nós vamos fazer uma atividade que
compõe a Frente Parlamentar de Combate à Miséria. Os Vereadores que ainda não
se inscreveram na Frente - muitos já estão inscritos – podem fazê-lo. Nós já contamos
com a presença do Presidente do IPEA e vamos exibir um painel em PowerPoint na
sequência.
O Ver. Dr. Thiago Duarte está com a palavra.
O SR. DR.
THIAGO DUARTE: Obrigado, Presidente. Enquanto o nosso Presidente do IPEA
arruma a sua apresentação, eu quero lhe dizer que a vistoria demandada pelo
Ver. Aldacir José Oliboni, com a presença da Presidente, vai contar com a
participação de todos os membros da Comissão de Saúde. Até porque já marcamos
uma reunião para discutir as questões do HPS, uma reunião extraordinária, dia
31 de agosto. Então, eu, o Ver. Oliboni, o Ver. Dr. Raul Torelly, o Ver. Carlos
Todeschini, o Ver. Beto Moesch e o Ver. Mario Manfro vamos estar presentes
amanhã, às 14h, na vistoria ao HPS, realizada pela presidência e pela Comissão
de Saúde. Obrigada, só queria trazer esse informe.
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Perfeito, Ver. Dr. Thiago. Para a população
entender, a Casa recebeu denúncia sobre problemas em relação aos Raios X, aos
investimentos no HPS. A Câmara foi instada ontem por membros da Comissão, para
que fôssemos, enquanto instituição, ao HPS. Vamos amanhã, às 14h, e todos os
Vereadores estão convidados, mas, sim, a COSMAM tem o reconhecimento desta
Presidente pelo seu trabalho intenso, inclusive de instalação do Fórum
Permanente de Saúde. Então, amanhã, faremos uma visita ao HPS, porque é um
equipamento estratégico da cidade de Porto Alegre que não pode sofrer falta de
recursos, de condições de atendimento, porque salva vidas o tempo inteiro.
Quero convidar o Sr. Marcio Pochmann a compor a
Mesa, agradecendo-lhe a presença. Quero fazer referência – convido-os a compor
a Mesa dos trabalhos – à Verª Maria Celeste, ao Ver. Pedro Ruas, ao Ver. Toni
Proença e ao Ver. Dr. Raul Torelly. Se estiverem aqui, por favor, componham a
Mesa. Por quê? Porque são os Vereadores que se propuseram a coordenar um
trabalho deste Parlamento sobre o enfrentamento à miséria em Porto Alegre.
Gostaria que eles viessem aqui para fazermos a foto oficial da instalação da
Frente, mas, principalmente, porque é uma coordenação coletiva suprapartidária
que tem o objetivo de buscar os recursos, programas e projetos do Governo
Federal e do Governo Estadual para o enfrentamento da miséria. Porto Alegre
precisa de uma ação proativa muito forte, porque tem pelo menos 70 mil famílias
abaixo da linha da miséria e tem uma organização de Núcleos do Fome Zero que
precisa de apoio, de articulação, de canais, para que sua ação tenha
efetividade. Inclusive estão aqui presentes, e eu peço que a Coordenadora do
Fórum dos Núcleos do Fome Zero venha compor a Mesa com a coordenação (Palmas.):
a Ana Maria Aquino é a Coordenadora dos Núcleos do Fome Zero. São 44 núcleos na
cidade de Porto Alegre. Seja bem-vinda, Ana Maria Aquino.
Quero compartilhar ao conjunto dos Vereadores
que esta é a composição da Coordenação que está se desafiando a enfrentar o
tema da pobreza em Porto Alegre. Às 18h, nós já teremos outra atividade, a Srª
Raquel Rolnik estará conosco; então vamos passar a palavra para o Marcio
Pochmann, por 25 minutos, 30 minutos, aí poderemos ainda fazer uma rodada
rápida entre os Vereadores e a Ana Aquino para desencadear esse tema. Hoje é só
uma abertura, eu pedi ao Marcio, que coordena com muita competência o nosso
IPEA, que pensasse um pouquinho, trouxesse alguns dados do Rio Grande do Sul e
nos ajudasse a pensar os desafios do enfrentamento desse tema no Brasil de
hoje.
Marcio Pochmann, a palavra está contigo, nosso
abraço e carinho pela tua presença aqui.
O SR. MARCIO
POCHMANN: Obrigado,
Presidente Sofia; nossos cumprimentos a todos os Vereadores presentes, que nos
acompanham aqui na Mesa e que fazem parte da Frente Parlamentar de enfrentamento
da pobreza, mais especialmente da miséria; àqueles que também estão
acompanhando essa jornada pela televisão e aos presentes aqui neste recinto.
(Procede-se
à apresentação em PowerPoint)
O SR. MARCIO POCHMANN:
Quero
dizer que é com grande satisfação que estamos aqui em nome do IPEA, o Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada, a maior instituição de pesquisa aplicada do
nosso País. É uma instituição que se abriu não apenas para ser uma instituição
de apoio, de pesquisa, de planejamento, de monitoramento de política públicas
do Poder Executivo, tal como foi constituído ainda em 1964, mas cada vez mais é
também uma instituição de apoio à pesquisa, ao monitoramento de políticas para
o Poder Legislativo e para o Poder Judiciário, e isso implica evidentemente o
compartilhamento de nossas atividades nas diferentes esferas da Federação
brasileira: União, Estados e Municípios. Também estamos diretamente envolvidos
na perspectiva de nos transformar numa assessoria, numa instituição que ajude a
conhecer melhor o País, para a sociedade civil brasileira, para instituições
não governamentais, para aqueles que estão envolvidos na militância pela
transformação do nosso País.
Nessa perspectiva, aceitamos o convite, para poder
compartilhar uma parte dos trabalhos que o IPEA tem desenvolvido. E ele tem
assessorado o Governo na instalação recente desse programa que aperfeiçoa o programa
original Bolsa Família; de certa maneira, é uma decorrência dos programas que
foram introduzidos nos anos 1990, de transferência de renda, lembrando que as
primeiras experiências se iniciam ainda no final da primeira metade dos anos
1990, com o primeiro programa de transferência de renda pela Prefeitura do
Município de Campinas, em concomitância com a experiência do Governo do
Distrito Federal, naquele momento de 1994, 1995. Depois, nós vamos ter a
difusão de programas dessa natureza por diferentes Municípios, diferentes Governos,
até o Governo Federal estabelecer o programa que vai começar a ter uma dimensão
mais ampla. E, certamente com o Presidente Lula, transforma-se num grande
programa de articulação dos diferentes programas no âmbito federal, caminhando
para a unificação com os programas de transferência de renda dos Estados e dos Municípios brasileiros.
O Brasil tem um grande programa, o Bolsa Família:
mais de 12 milhões de famílias são beneficiadas. Todos sabem que, em uma
economia capitalista, há uma parte da sociedade que tem grande dificuldade de
conviver com as vulnerabilidades impostas pela forças de mercado. Os Estados
Unidos – que ainda são a maior economia do mundo, embora registre crescentes
sinais de decadência – possuem um programa de transferência de renda superior
ao Brasil, é o Food Stamp, um selo de
alimentação, um programa de garantia de alimentação a segmentos vulneráveis.
Então, mesmo nos países desenvolvidos, nos países ricos, há programas de
transferência de renda com diferentes formas de funcionamento, e o Brasil vem
inovando com programas dessa natureza.
Agora, o Governo da Presidente Dilma sofisticou
os programas do Governo anterior, assumindo o compromisso pela superação da
miséria absoluta. Podemos dizer, do ponto de vista técnico, que é uma decisão
ousada, justamente pelo fato de que nós passamos a ter, nas políticas sociais,
um monitoramento, metas que infelizmente existiam somente para a economia.
Desde os anos 1990, nós passamos a ter metas, por exemplo, de inflação; a
partir de 1999, metas de superávit fiscal. Isso, de certa maneira, deu
transparência para a sociedade. E, na área econômica, passamos a ter os
comentaristas econômicos, que analisam se o Governo X, Y, Z estão sendo
eficientes no combate à inflação, na organização das finanças públicas. Mas nós
não tínhamos na área social, por exemplo, indicadores. Era possível, por
exemplo, que diferentes governantes, diferentes políticos, diferentes Partidos
viessem a público e dissessem: “No meu Governo, no meu mandato, nunca se gastou
tanto na área social, nunca se fez isso, fez aquilo, etc.”. Mas nós, sociedade,
não sabíamos se esse esforço, de fato, transformará a realidade, mudará a
realidade.
Agora, nós passamos a ter, então, pelo Programa
Brasil Sem Miséria, um indicador de pobreza, de miséria que pode certamente ser
questionado do ponto de vista da definição. E, com base, inclusive, na
experiência internacional, passou-se a definir que miserável no Brasil é todo
aquele que recebe até 70 reais mensais. Por incrível que pareça, numa quantia
tão baixa de recursos, nós temos 16 milhões de brasileiros nessa circunstância.
Essa definição técnica de pobreza extrema se dá, em primeiro lugar, a partir de
medidas nessa mesma direção, já estabelecidas por organizações internacionais,
de tal forma que, ao adotar essa medida, isso nos permitirá inclusive comparar
os esforços que estão sendo feitos no Brasil com outras experiências
internacionais. Posso anunciar, por exemplo, que o Brasil não se encontra entre
os países que mais rápido reduzem a pobreza. A China, por exemplo, é um país
que vem reduzindo muito mais rapidamente a pobreza. É claro que a pobreza na
China é de outra natureza, diferente da nossa, mas os chineses vêm tendo mais
êxito na redução da pobreza. No entanto, os chineses não conseguem,
simultaneamente, ao reduzir a pobreza, reduzir a desigualdade de renda. Na
China, a desigualdade está aumentando.
Não é a realidade brasileira. Pelos dados que
nos são oferecidos, tanto a pobreza quanto a desigualdade vêm caindo no Brasil,
de tal forma que a nossa estimativa deve estar, neste ano de 2011, com uma
desigualdade da renda pessoal, desigualdade de renda do trabalho, equivalente
ao que era a desigualdade em 1960. Certamente, aqueles que acompanharam a
Sessão anterior trataram desse movimento excepcional que foi o Movimento da
Legalidade, em 1961. Mas o Brasil, em 1960, era menos desigual; o período de
maior desigualdade que tivemos veio a ocorrer a partir de 1960. Nós avançamos
muito na desigualdade nos anos de 1970, 1980 e 1990, e somente na primeira
década do século XXI é que conseguimos começar a reduzir a desigualdade de
renda. A primeira vez que se mediu a desigualdade de renda foi em 1960, quando
o censo demográfico passou a contabilizar a renda dos habitantes brasileiros, e
lá nós tínhamos um índice de desigualdade de 0,49%. Nunca mais tivemos um
indicador relativo a isso. Tivemos um indicador de igualdade 0,63%. Há vários
índices, mas esse índice de Gini, em especial, mede a desigualdade da renda das
pessoas. É como se colocassem todas as pessoas perfiladas, da maior à menor
renda, e se medisse a desigualdade média. Ela varia de zero a um: quanto mais
próximo de um, pior a desigualdade. Nós estávamos crescendo e agora estamos com
uma desigualdade, possivelmente, pelas estimativas, em 0,49%. Quero antecipar
que todo o país que tem uma desigualdade acima de 0,4% é um país primitivo,
selvagem, do ponto de vista da distribuição de renda. Portanto, nós temos ainda
muita coisa a fazer.
De toda maneira, o que eu quero chamar a
atenção, pois estamos falando aqui da problemática da miséria - temos várias
modalidades de medição -, é que o Governo definiu, como foco da ação, esse
segmento que diz respeito a um enorme conjunto de brasileiros que não tem renda
adequada, que não tem forma de ocupação, exercício do trabalho decente, e, ao
mesmo tempo, não tem acesso pleno ao Estado brasileiro. A despeito de nós
estarmos com mais de 120 anos de República, não podemos dizer que temos um
Estado ainda republicano, na medida em que nós não temos escolas para todos no
Brasil, nós não temos água, não temos habitação, saneamento, ou seja, não temos
estado de bem-estar social digno de nome.
No Programa Brasil Sem Miséria, estabeleceu-se
que uma das partes do Programa, que é garantia de renda para quem não tem o
mínimo para sobreviver, passe a ter também acesso aos serviços públicos. O
Estado precisa estar à disposição, especialmente dos mais pobres, porque, como
a gente sabe, os que têm mais renda nem precisam do Estado, dado o seu nível de
renda. E a terceira dimensão desse Programa está relacionada à inclusão
produtiva. Quanto maior for o sucesso desse Programa, menos pessoas precisarão
depender da transferência de recursos públicos, uma vez que passarão a caminhar
com as suas próprias pernas. E, para isso, é fundamental não apenas o
crescimento da economia nacional, mas, também, a geração de ocupações que
possam absorver esses segmentos empobrecidos do Brasil.
O último ponto desta abertura é em relação ao
compromisso político que o Brasil passou a ter com relação aos pobres. É
importante dizer que, por exemplo, em 1980, quando o Brasil era a 8ª economia
do mundo, nós já tínhamos condições materiais e técnicas para ter resolvido a
grande chaga que é a miséria brasileira. A despeito de nós termos as condições
técnicas, as condições econômicas, éramos a 8ª economia mais rica do mundo, nós
não tivemos o compromisso político de transformar aquilo que a economia
permitia - a economia é um fim, não é um meio - em realidade. Não houve
compromisso político. E, agora, nós estamos encontrando um compromisso político
de toda a sociedade, de diferentes Governos, de diferentes Prefeitos, de diferentes
instituições da sociedade civil envolvidas com essa perspectiva da superação da
pobreza.
Então, esse é um ponto muito importante, e nós
temos condições de nos transformar, em 2015, na 5ª maior economia do mundo,
depois de ter passado por um período de decréscimo, de regressão no nosso País.
Em 1980, o Brasil era a 8ª economia do mundo e ocupava o 13º posto em
quantidade de desempregados. No ano 2000 – vinte anos depois –, o Brasil havia
se transformado na 14ª economia, perdeu a importância relativa em relação a
outros países e assumiu a 3ª posição em número de desempregados no mundo. Foram
décadas muito difíceis as décadas de 80 e de 90. Hoje o Brasil é a 7ª economia
e pode-se transformar na 5ª economia, especialmente tendo em vista a natureza
da crise que estamos vivendo hoje e, ao mesmo tempo, ter condições de ter
superado a pobreza.
O Programa Brasil Sem Miséria tem os números - a
dimensão da pobreza, que nós vamos tratar um pouco, vamos olhar o Rio Grande do
Sul, para ter mais clareza - e vai permitir que a sociedade possa acompanhar a
eficiência, o compromisso do Governo Federal no enfrentamento da miséria
nacional. E também terá condições de avaliar o compromisso dos Governos, dos Governadores
de Estado, porque agora nós vamos ter informações por Estado, vamos poder saber
se, porventura, os Estados X, Y, Z diminuíram ou aumentaram o número de
miseráveis. A mesma coisa a sociedade, que poderá acompanhar, através do Poder
Legislativo, o papel das Prefeituras, ver se as Prefeituras estão ou não
envolvidas nessa ação de superação da pobreza. Vamos poder saber se a Prefeitura
A, B ou C tiveram sucesso ou fracasso no enfrentamento da miséria. Por isso
acho da maior relevância a atitude assumida aqui pelos Parlamentares de trazer
para a responsabilidade do Legislativo o acompanhamento, o monitoramento e as ações
relativas ao enfrentamento de uma mazela que é do século XIX, que é a miséria.
Muitos têm dificuldades em entender como é que pode alguém no Brasil viver com
menos de 70 reais mensais, e nós temos um contingente que equivale a 8,5% dos
brasileiros.
O que podemos dizer em relação à questão do Rio
Grande do Sul? Eu preparei vários slides;
eu vou ficar mais perto do projetor. A situação do Rio Grande do Sul é uma
situação relativamente melhor do que a verificada no Brasil em seu todo. Da
forma como está aqui, eu acho que fica difícil vocês acompanharem, não é uma
boa visualização, mas eu quero deixar esta apresentação para a Mesa da Câmara,
para que possa fazer o uso melhor possível. Nós estimamos que, no ano de 2009,
o Rio Grande do Sul teria 2,1% da sua população na condição de miséria ou de pobreza
extrema.
Vamos definir o que é pobreza, porque há vários
conceitos. Os conceitos tradicionais são: pobreza extrema, pobreza absoluta e
pobreza relativa. Pobreza extrema é aquela situação cuja capacidade de vida é
tão reduzida, que é incapaz de permitir que as pessoas tenham condições de se
alimentar três vezes ao dia. Pobreza absoluta é a condição de limite de sobrevivência
que, embora permita ter acesso à alimentação três vezes por dia, não dá acesso
a condições mínimas de vida, que vão para além da alimentação, como habitação,
transporte, vestuário. E pobreza relativa é aquela condição em que a pessoa é
pobre relativamente ao padrão de riqueza.
Vossas Excelências devem ter tido a oportunidade
de acompanhar as manifestações, os conflitos que estão em curso nos países
ricos. Em algumas cidades da Inglaterra, perceberam que as pessoas que estão lá
se manifestando não são pessoas necessariamente pobres, não são pessoas que
estão invadindo supermercados para se alimentar, mas são pessoas que perderam,
de certa maneira, o sentido da vida, porque elas estão de fora da possibilidade
de ter acesso a condições de vida superior. Então a pobreza relativa nos daria
outra discussão, o que não é o nosso caso; vamos aqui trabalhar basicamente com
os dados de pobreza relativa.
Nós temos aqui dados interessantes sobre o Rio
Grande do Sul do ponto de vista da eficiência do Estado. Por exemplo, temos 92%
da população considerada idosa coberta por programas das políticas públicas,
especialmente a Previdência Social, mas não exclusivamente. Essa é uma condição
superior à verificada no Brasil em seu todo. Nós aqui estabelecemos que a pobreza
extrema é com renda per capita,
familiar ou doméstica de até 70 reais. Seriam 2,1% dos domicílios contra 5,2%
do Brasil em seu todo. O fato de o Rio Grande do Sul ter uma população menor do
ponto de vista relativo não significa dizer que há mais facilidades. Talvez
seja pelo contrário, porque é mais difícil enfrentar a pobreza nesse núcleo
duro. É difícil identificar onde essas pessoas se encontram, é difícil
incluí-las, de Estados que tenham uma população pobre em maior dimensão. É mais
fácil atacar na quantidade do que atacar do ponto de vista das condições que
nós temos aqui para apresentar.
Aqui tem uma trajetória da população que
sobrevive com menos 70 reais mensais (Aponta slide.), numa série que vai de 1995 até 2009. A nossa fonte de
informação é o IBGE, é a pesquisa nacional por amostra em domicílios. Nós
tínhamos, no Brasil, 11,2% da população na condição de pobreza extrema, e isso praticamente
se mantém estabilizado na segunda metade dos anos 1990 e início da primeira
década do século XXI. A partir de 2004, nós temos uma trajetória de queda;
hoje, a nossa estimativa é de 5,2% da população nessa condição. No caso do Rio
Grande do Sul, em 1995 nós tínhamos 5,2% da população nessa condição de pobreza
e, hoje, temos 2,1%. Houve uma certa estabilidade, com alguma oscilação no
mesmo período, na metade dos anos 1990 e início da década de 2000. Depois de
2004, há uma trajetória de queda, mas a queda aqui é em menor ritmo do que se
verifica no Rio Grande do Sul, o que justifica o comentário anterior que eu fiz
sobre as dificuldades que passaremos a ter para a superação da pobreza.
A superação da pobreza não significa a ausência
de miseráveis, porque a vulnerabilidade social e as condições de vida podem-se
alterar diante de um aumento de desemprego, diante de alguma mudança na
conjuntura econômica, mas é possível dizer que um país superou a pobreza ou a
miséria quando a quantidade de miseráveis é estatisticamente insignificante.
Quando a gente fala, por exemplo, que um país assumiu a condição de pleno emprego:
pleno emprego não significa que não existam desempregados. É uma convenção
dizer que um país está na condição de pleno emprego quando a sua taxa de
desemprego se encontra abaixo de 3% da população economicamente ativa. Então,
chegarmos em 2014 com a pobreza superada não significa dizer que não possa
haver pessoas miseráveis, mas que essa quantidade dos miseráveis é
estatisticamente reduzida.
No slide seguinte,
temos a oportunidade de ver, então, a evolução da pobreza extrema urbana e
rural. Olhando o Rio Grande do Sul, o que nós podemos dizer? Que, no Rio Grande
do Sul, assim como é, de fato, no Brasil como um todo, a pobreza é mais grave
no campo. Em 2009, a taxa de pobreza extrema é de 3,3% da população rural
contra 1,8% da população urbana. Então, o tema do campo é realmente bem mais
complexo do ponto de vista das condições de superação da pobreza. Por outro
lado, nós podemos observar também que a redução da pobreza extrema no meio
rural vem caindo mais rapidamente do que no meio urbano. Vejam que, em 2003,
por exemplo, nós tínhamos 7,4% da população rural na condição de pobreza
extrema e hoje temos 3,3%. Nós tínhamos 4,2% da população urbana na condição de
miserável e hoje temos 1,8%. Há um movimento de queda, mas ele é mais intenso
no campo.
Podemos passar para o próximo slide. Aqui temos condições também de
avaliar a situação da pobreza rural no Brasil e aqui no Rio Grande do Sul. Podemos
observar, por estes dados, que a redução da pobreza rural em outros Estados que
não no Rio Grande do Sul cai mais rapidamente do que a pobreza rural no Rio
Grande do Sul. Portanto, é interessante considerar a experiência de outros
Estados para ver se há alguma novidade do ponto de vista do enfrentamento da
pobreza rural. Para vocês terem uma ideia, no Brasil, em 2003, 23% da população
no campo estava na condição de miserável, hoje são 12,7%. Aqui, como já
falamos, era 7,4%; caiu para 3,3%.
Quanto à evolução da renda das famílias per capita, ao dia, do Rio Grande do Sul
e do Brasil, podemos verificar que no Brasil a renda mensal por indivíduo
cresceu de forma significativa praticamente na segunda metade da década
passada, e não houve grandes diferenças do ponto de vista do que ocorreu no Rio
Grande do Sul. Quanto ao que se associa à problemática da miséria, que é o que
falávamos anteriormente em relação à desigualdade, no Rio Grande do Sul, o
índice de Gini – Gini foi um italiano que construiu um indicador de medidas de
desigualdade que varia de zero a um – seria de 0,50; no Brasil, esse índice é
de 0,54. Então, a desigualdade aqui é menor do que a média nacional, temos um
movimento de queda que é comparável ao que ocorreu no Brasil com o que ocorreu
no Rio Grande do Sul.
Vamos passar ao outro slide. Um problema que é considerável e associado à pobreza está
relacionado à mortalidade infantil; é um quadro dramático que ainda temos hoje
no Brasil. No Rio Grande do Sul, nós temos 12,8 mortos para cada mil nascidos;
enquanto que no Brasil são 19. Agora, verifica-se uma certa estagnação ou uma
queda muito reduzida nesse quesito da mortalidade infantil no Rio Grande do
Sul, enquanto que no Brasil se verifica com muito mais rapidez. Portanto, há um
aspecto a ser considerado, em termos de miséria, no tema da mortalidade
infantil. Outra preocupação em relação à mortalidade infantil é a razão de
mortalidade materna por mil nascidos vivos. Podemos comparar a situação do Rio
Grande do Sul com as regiões metropolitanas do Brasil: a trajetória foi de
subida dessa razão de mortalidade no final do século passado, de 1995 até 98,
depois houve uma queda, uma nova subida em 2001 e 2002, e agora temos uma
queda. O que indica que a razão de mortalidade materna nos dias de hoje é,
praticamente, a mesma que havia em 1996. Há aspectos em relação à saúde que eu
quero destacar aqui e que são importantes no enfrentamento da miséria.
Este slide
trará da esperança de vida: aqui no Rio Grande do Sul, em média, se vive
mais. A média de expectativa de vida é de 76,4 anos contra 73. Quem mora no Rio
Grande do Sul vive, em média, quase três anos a mais do que a média dos
brasileiros. É um crescimento, mas esse crescimento não vem tendo o mesmo ritmo
de expansão que se observa em outros Estados brasileiros.
Quero ressaltar outro aspecto importante que é o
analfabetismo. Nós temos no Brasil, em seu todo, um brasileiro a cada dez
analfabetos. A falta de acesso à educação é, certamente, um componente da
miserabilidade. Se nós analisarmos, em média, os analfabetos são pessoas com
mais idade, geralmente com mais de 50 anos de idade, são geralmente pessoas não
brancas. No Rio Grande do Sul, nós temos 4,5% da população na condição de
analfabetismo. No Rio Grande do Sul são 7,8 anos de escolaridade da população
como um todo. No Distrito Federal é o mais alto, com 9,6 anos. Evidentemente, nós
temos outros Estados com uma situação muito mais grave. A questão educacional é
outro elemento fundamental, assim como a saúde e a renda para a superação da
miséria.
Aqui temos uma síntese: no Rio Grande do Sul,
93,1% da população que não é pobre; 4,8% da população está na condição de pobreza
absoluta, e 2,1% são extremamente pobres. No Brasil, 9,4% da população está na
condição de pobreza; 5,2% são extremamente pobres; 85,4% não são pobres. É um
diferencial do Rio Grande do Sul em relação ao Brasil. Quem são os miseráveis
aqui no Rio Grande do Sul: 49,4% são crianças: a cada dois miseráveis, um é
criança; 37,9% são adultos; 10,8% são jovens; apenas 2% dos extremamente pobres
são idosos. Então, a pobreza se concentra fundamentalmente nas crianças. A
situação é um pouco diferente em relação à do Brasil, mas em números gerais se
aproxima.
A situação dos que são extremamente pobres do
ponto de vista de arranjos familiares: dos que são extremamente pobres aqui no
Rio Grande do Sul, 45,3% pertencem a famílias que são casais com filhos; 30,1% são
famílias unipessoais, uma pessoa; 19,6% é um arranjo que tem mãe com filho; e
5% são outras formas de arranjo. Então, nós temos, certamente, uma dificuldade
no quesito de pobreza extrema relacionado à forma de arranjos familiares: se é
casal com filhos, mãe com filhos, se é unipessoal ou outras formas.
Uma diferenciação no Rio Grande do Sul em
relação ao Brasil, onde o Rio Grande do Sul não está confortável, é a questão
da mulher com filhos e sem creche. No Brasil, são 14,2% das mulheres que estão
nessa condição - ser mulher e não ter creche para seus filhos. No Rio Grande do
Sul são 17,1%. É maior do que no Brasil, há um problema de creche aqui.
Desocupados e outras formas urbanas, na condição de extrema pobreza,
equivalente ao Brasil, 1/3, e desocupados na condição de rural, 15%. Acho que é
isso. Eu estou preocupado com o tempo.
Sob o ponto de vista do perfil da extrema
pobreza, em termos de renda, os que são extremamente pobres: 33% dos que são
extremamente pobres pertencem ao Programa Bolsa Família... Desculpem-me,
equivoquei-me aqui. Os beneficiados pelo Programa Bolsa Família são 52%. Nós
temos 18% que são pobres porque trabalham e recebem uma remuneração inferior ao
salário mínimo. Portanto, é a única renda da família, é dividida pelo número de
famílias, ficam na condição de menos de 70 reais mensais.
As condições de vida, ainda dentro da pobreza
extrema: 73% dos que estão extremamente pobres vivem em domicílios pobres já
quitados. É gente que já tem moradia. Qual a qualidade da moradia? Podemos avaliar
mais adiante, mas só 13,5% vivem em domicílio alugado; 53% dos extremamente
pobres, na moradia, têm paredes e telhados adequados, canalização. Quer dizer,
a metade não tem condições adequadas de habitação. E 72%, na moradia, têm água
da rede geral, mas nós temos ainda quase 30% dos extremamente pobres que não
têm água de rede, é um serviço público, que não tem acesso a esse segmento.
Acesso a banheiro com esgotamento adequado, com rede ou fossa séptica: 1/3 não
tem. Sobre a coleta de lixo: 25% não têm, dos extremamente pobres. Moradia com
água de rede geral de distribuição, acesso a banheiros, esgotamento adequado e
coleta de lixo: 51% não têm. E são serviços públicos! Com telefone fixo no
domicílio: 96% dos extremamente pobres não têm telefone no domicílio. Com
geladeira, 16% não têm; com máquina de lavar, 83% não têm; com computador, dos
extremamente pobres, no domicílio, não chegam a 2%. E, nos dias de hoje, fala-se
cada vez mais na inclusão digital, na sociedade do conhecimento. Conjunto
superior de eletrodomésticos, ou seja, aqueles que têm fogão, geladeira, rádio,
televisão e máquina de lavar: somente 16% têm.
Muito bem, passemos para o próximo slide. Em relação à Educação, aqui no
Rio Grande do Sul, dos extremamente pobres, 42,9% são analfabetos absolutos ou
funcionais. Analfabetos absolutos, quer dizer, não sabem nem desenhar o nome,
são 11,3%; no Brasil, são 23%.
Bem, evidentemente, há um conjunto de dados
adicionais, não vou cansar com tantos números, inclusive, porque aqui nem ficou
muito claro, mas quero deixar este material à disposição da Frente Parlamentar
e, também, oferecer o IPEA para poder subsidiar esta Frente em termos de
informação. E, certamente, ajudaria a constituição de um observatório da
miséria com o objetivo de analisar, de avaliar os resultados de uma ação que é
de quatro anos. Nunca, talvez, olhando o passado, estivemos tão próximos de
finalizar, de superar uma mazela do passado brasileiro. E não há condições de
superar a pobreza se não houver envolvimento da sociedade. E esse envolvimento
é muito importante do ponto de vista da garantia das políticas públicas num país
que não tem tradição democrática, mas nós estamos comemorando, neste ano, o 26º
ano de democracia. A democracia pressupõe participação, pressupõe pressão, e eu
não tenho dúvida de que, aqui nesta Câmara, em Porto Alegre, poderá ser a
referência para as cidades brasileiras de ações e, talvez, ser uma das
primeiras cidades a ter superado a pobreza com a ampla participação da
sociedade e do Parlamento. Muito obrigado.
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Obrigada, Marcio.
Nós vamos abrir, agora, para um jogo de
perguntas, mas eu queria, primeiro, deixar a Ana Maria Aquino, Coordenadora dos
Núcleos Fome Zero Porto Alegre, fazer a sua fala. Ela preparou, inclusive, um
documento. Já há várias questões para o Marcio, e nós vamos tentar aproveitar
ao máximo estes poucos minutos. Convido a compor a Mesa a Srª Eliete Fraga da
Rosa, Presidente do Conselho de Segurança Alimentar.
A SRA. ANA MARIA
AQUINO: Nesta
abertura da Frente Parlamentar do Combate à Fome e à Miséria, o Fórum Fome Zero
saúda este plenária e agradece esta oportunidade. Viemos até aqui solicitar aos
Srs. Vereadores a continuidade do Programa de Segurança Alimentar e Nutricional,
independente de posições partidárias. O partido do nosso povo é a fome e a
miséria.
(Lê.) “O Fórum Fome Zero de Porto Alegre foi
idealizado pelo ex-Presidente da República para que as ações de combate à fome
e à miséria fossem bem sucedidas. Em 2009, o Fórum Fome Zero foi legalizado em
cartório, buscando ações práticas, através de hortas, cozinhas comunitárias,
distribuição de alimentos, geração de trabalho e renda e eventos culturais. A
nossa organização popular é a melhor forma de criar oportunidade nos Núcleos
participantes deste Fórum. São atendidas mais de 15 mil famílias, em parceria
com a Saúde e com a Assistência Social.
“Para superar nossas dificuldades estamos em
busca de parcerias com diversos segmentos: como a Conab, o Trensurb, para que
contemplem nossos Núcleos com alimentos, que eles sejam regularmente entregues
na qualidade e quantidade suficiente; com a Prefeitura, para que sejam
garantidas as oficinas, os espaços, os representantes de Governos,
representantes de Secretarias e assessorias comunitárias dentro das nossas
reuniões plenárias, também uma estrutura centralizada, com escritório, uma
condução, estagiários à disposição deste Fórum, desenvolvendo, com esta
entidade, todas as demandas relativas à questão das problemáticas dos Núcleos
dos nossos programas. Esperamos desenvolver um sentimento de direito à vida e à
cidadania com um processo de saúde, educativo, alimentar, ambiental, de geração
e renda e trabalho sustentável.”
Nós estamos contando com o apoio dessa parceria,
porque o nosso Fórum ficou muito fraco neste período que estamos atravessando
agora. Já tivemos um tempo bem melhor no nosso Fórum, estivemos bem melhor. Já
tivemos muita parceria, principalmente da nossa Prefeitura, e hoje a gente já
não tem isso. Quem sabe muitas pessoas até desconheçam que o Fórum Fome Zero
existe. Existe! Existe porque tem uma gama de guerreiros, e, atrás de nós,
temos, como acabei de dizer, 15 mil famílias. Nós temos pessoas da Ilha até a
Restinga, Belém, lá no Chapéu do Sol, aquele povo todo que lá trabalha, os
pescadores lá nas Ilhas, que estão esperando que o Fórum Fome Zero possa
alcançar alguma coisa a eles, porque nós não estamos só pedindo comida, nós
estamos pedindo também que nos deem uma abertura para a profissionalização,
para que a gente possa fazer um trabalho educativo. É isso que nós queríamos. O
meu muito obrigada. (Palmas.)
(Não revisado pela oradora.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Ana Maria Aquino, obrigada.
A Srª Eliete Fraga da Rosa, Presidente do
Conselho de Segurança Alimentar, está com a palavra.
A SRA. ELIETE
FRAGA DA ROSA: Boa-tarde à nossa Presidente, boa-tarde a todos os nossos
Vereadores, ao nosso palestrante, à nossa querida Coordenadora-Geral do Fórum
Fome Zero. Nós só queríamos pedir, neste importante momento, a todos os Srs.
Vereadores que tivessem um olhar carinhoso para esse tipo de povo que não
carrega bandeira na rua, mas que tem, no coração, a ideologia daqueles com quem
podem contar no momento certo. Se chegamos a esta Casa, chegamos porque nos
sentimos órfãos em termos de Município de Porto Alegre, infelizmente. É um
pedido de socorro que essas famílias fazem, porque elas estão à mercê do
“quando tem”.
Nós sabemos da Lei nº 11.346 e da Lei nº 577, e
quem confeccionou foi o então Deputado Adão Villaverde, e houve até um gravame
na Constituição Federal pela luta dos movimentos populares. Nós queremos a
regularização em quantidade e qualidade suficientes para o povo, que precisa
não só de alimento: o povo está com fome de tudo! São todas as políticas
públicas que nós pedimos que esta Casa observe mais nas comunidades. Eu sei que
existe todo um trabalho lindo que está sendo feito, mas precisa ser
intensificado com quem conhece e aponta, que são aqueles que nada ganham e que se
doam, doam-se muito. Nós não queremos e não admitiremos mais que somente nos
procurem no momento do exercício do dedo, que está logo ali no amanhã. Nós
queremos respostas imediatas no hoje. São pessoas que não precisam erguer
bandeiras e dizer que são azuis ou vermelhas, elas levam no coração e na
consciência aquilo que o seu povo precisa. Então, nós estamos dizendo e pedindo
encarecidamente aos senhores que, com todo o respeito que merece o nosso
Governo Municipal, nós queremos, pelo menos, ser tratados hoje como os
cachorros estão sendo tratados. Muito obrigada. (Palmas.)
(Não revisado pela oradora.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Essas falas são de representantes dos Núcleos do
Fome Zero, que estão órfãos, na cidade de Porto Alegre, de interlocução, de
política continuada. É um desafio que a Câmara está enfrentando, que está assumindo,
para ajudar a melhorar.
O Ver. Carlos Todeschini está com a palavra.
O SR. CARLOS
TODESCHINI: Obrigado,
Presidente, Verª Sofia. Quero cumprimentar o Marcio, pelo brilhantismo com que
sempre aborda os temas; os Vereadores e, também, o Núcleo do Fome Zero, a
Coordenação do Fome Zero em Porto Alegre. É bom que se registre que o movimento
de combate à fome e à miséria - Movimento Fome Zero - já foi bem melhor.
Infelizmente, o próprio Governo contribuiu para que houvesse o esvaziamento, as
intrigas políticas e o jogo de interesses, esvaziando todo o esforço coletivo
que se viu, pelo menos, naquele período de 2003, 2004, 2005, naquele período
inicial. Largou bem e, depois, teve um retrocesso bem marcante.
Eu me inscrevi porque quero fazer uma pergunta
ao Marcio, já que, depois, eu pretendo me manifestar sobre a questão dos
grupos. Tu deste uma ênfase muito grande à pobreza extrema, com os dados e as
características do Estado. Eu penso que nós precisamos examinar também,
agrupando do mesmo lado, a pobreza absoluta, que são as pessoas que comem, mas
que vivem em situação de indigência, em risco social permanente, porque não têm
saneamento, não têm habitação, não têm abrigo, não têm as condições necessárias
para uma vida minimamente digna. É necessário que nós façamos uma abordagem, e,
já que nós estamos tratando do enfrentamento desse tema, penso que nós temos
que o enfrentar olhando para esse bloco. Obrigado. (Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Dr. Raul Torelly está com a palavra.
O SR. DR. RAUL
TORELLY: Eu
gostaria de saudar todos os colegas Vereadores; o Marcio, que trouxe, como
sempre, o excelente trabalho do IPEA. Gostaria de dizer que trabalho como
médico há 30 anos, com populações pobres, miseráveis, muitas vezes, e é isso
que me motiva a fazer parte desse tipo de Frente. Eu trabalho muito a questão
do planejamento familiar. E o que a gente vê? E vocês estão aqui para concordar
ou discordar de mim. A gente vê que a grande maioria das pessoas pobres e
miseráveis quer ter acesso às políticas de planejamento familiar, só que elas
têm dificuldade de mobilidade, têm dificuldade de chegar até o atendimento
público e de ter lá um atendimento resolutivo. Então, o que eu quero perguntar
ao Marcio, aproveitando a presença dele, é como ele vê a questão da Busca Ativa.
As políticas públicas de educação, de planejamento familiar, de informação têm
que chegar - eu, particularmente, tenho experiência, através de ONGs, com esse
tipo de ação - a essas pessoas e viabilizar a elas a efetivação do direito
humano fundamental, que é o direito do casal, do ser humano ao planejamento
familiar. De que forma faremos isso? O próprio censo de 2010, do IBGE, já diz
que, em Porto Alegre, as famílias pobres também estão tendo menos filhos, por
mais informação, por mais entendimento, por quererem dar mais carinho, mais
educação. Elas sabem que têm que ter dois, três filhos; se tiverem seis, será
problema, mas isso é pensamento de cada um. Como é que esse tipo de questão é
enfrentada pelo trabalho? Como o senhor acha que deve ser enfrentada pelo País?
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Quero franquear algumas falas para a população
que acompanha, principalmente às mulheres do Núcleo Fome Zero, falas curtas,
aqui no microfone de apartes. São 18h, já podemos franquear a presença de vocês
no plenário. Por favor, eu peço que se desloquem para cá e se apresentem.
Vou pedir para o Marcio clarear melhor esta face
da pobreza, porque ele passou muito rápido: a infância na pobreza. Na verdade,
no Rio Grande do Sul, quantos por cento são crianças? Porque isso nos chocou na
primeira apresentação no Rio Grande do Sul. Nós sabemos que as famílias pobres
têm mais filhos, até por falta de acesso à escolaridade. Então, essa é uma face
duríssima. A infância é a maior parte no Rio Grande do Sul? Eu queria entender
melhor isso. E o IPEA tem como fazer alguns estudos especificamente sobre Porto
Alegre, tem como nos ajudar nisso?
Está aberto o microfone, a senhora pode falar,
só se identifique.
A SRA. IRILDE
B. DA SILVA:
Eu me chamo Irilde, sou da Direção da Associação Comunitária Cristã de Auxílio
aos Moradores de Rua, do Chapéu do Sol. Trabalho nesse grupo há bastante tempo,
e a gente vem desenvolvendo um trabalho com moradores de rua que a gente junta
no Centro, embaixo das pontes, nas paradas de ônibus; pessoas abandonadas,
pessoas que não têm mais convívio social nenhum, não têm mais autoestima. Lá,
nesse trabalho que a gente faz, a gente dá autoestima para esses moradores de
rua, pessoas que as famílias abandonaram, que não querem mais saber, não é?
Então, lá é o lugar onde trabalhamos com essas pessoas.
O nosso Fome Zero precisa ser mais desenvolvido,
mais aceito pelos Vereadores, pelas pessoas, pelo Governo, porque trabalhamos
com esses moradores, e, às vezes, se são 70, 80 homens, fazemos três, quatro
refeições por dia. Temos que sair nas casas para pedir, porque não se tem... O celeiro,
às vezes, tem um quilo de sal, enquanto que a gente precisa de dois quilos por
dia, entre fazer pão, com três cozinhas fazendo comida. Então, ali, a gente
precisa... Somos pobres, sim, bastante pobres! A gente vive só de doações não
governamentais. O Fome Zero foi para lá uma vez só, e até hoje a gente está
esperando, com muitas crianças na Vila, com pessoas desempregadas. Quando a
gente faz um cadastro, as pessoas dizem as coisas que elas têm ali dentro, mas,
às vezes, tu vais ver, e não tem um banheiro, ou um quarto para dormirem cinco,
seis pessoas, o banheiro corre a céu livre, as crianças pegam bicho-de-pé, em
tudo isso a gente vê a pobreza. O Governo tem que ajudar um pouquinho mais. Claro,
a gente sabe que não dá para fazer tudo bonito, mas um pouquinho mais a gente
pede para o Governo, que é para o Governo olhar.
Nós temos aqui hoje uma pessoa que é da
Associação. Juntei ele na Santa Casa, quando estava na UTI; eu estava chegando
mal ainda, encontrei ele e disse: “Toma o dinheiro, tu vais para lá, e eu vou
para o médico”. Ele está com nós até hoje, é uma pessoa já - como é que se diz?
- reciclada, restaurada, pronta para a sociedade outra vez. Peço desculpas se
não tenho palavras suficientes. (Palmas.)
(Não revisado pela oradora.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Bonito depoimento.
Dona Eurides, por favor.
A SRA. EURIDES
T. P. COSTA: Em nome da Presidente, eu saúdo todos. Eu gostaria de fazer
uma pergunta para o senhor, Seu Marcio: como é que ficam aquelas pessoas que
não têm Bolsa Família? Eu tenho um Núcleo; no meu Núcleo tenho 90 pessoas, e,
dessas 90 pessoas, 30 têm Bolsa Família, o resto não tem. Era isso. Muito
obrigada. (Palmas.)
(Não revisado pela oradora.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Muito bem, Dona Eurides.
A SRA. MARA
VERLAINE DO CANTO: Boa-tarde. Sou Mara Verlaine, componho o Fórum
de Entidades do Fome Zero e o Conselho Municipal de Segurança Alimentar. Uma
das preocupações é o papel da FASC, porque, num determinado instante, ela
cumpre um papel, e, quando a entidade, quando a sociedade organizada cobra o
retorno, a FASC diz que não pode porque foge da sua alçada, porque ela não é
governo, porque é uma fundação, porque isso é com o Governo Federal. Então, a
gente tem que estar sempre ou indo até o Governo Federal ou indo até a
Governança para tratarmos da questão do Bolsa Família. É uma problemática que
precisamos resolver. Quem faz o cadastro agora é o SUAS, vai ser os CRAS, os
CREAS, mas, antes, era a sociedade civil organizada que fazia esses cadastros.
Fazia todo um acompanhamento com posto de saúde, enfim. Quando chega o cadastro
que não é aceito, ou por alguma situação ele é retirado, alguém tem que se
responsabilizar por ele. Como é que uma família que tem cinco, seis filhos, tem
o seu cadastro retirado, e a FASC não sabe por quê? Não tem nem como.
Eu gostaria também de parabenizar a iniciativa
da Frente Parlamentar de Combate à Miséria, porque é muito importante que se
otimize toda a situação do Fome Zero, do Fórum, do Conselho, do próprio Conselho,
que demorou mais de seis meses para ser composto novamente. Na verdade, o que
se vê aqui é uma vontade política, infelizmente, e as pessoas passam fome. Mas a
vontade política esquece que nós temos uma lei, a Lei de Segurança Alimentar,
que deve ser implementada, deve ser cumprida. Os senhores, como Parlamentares,
e nós como sociedade civil, de agora em diante, podemos ter um diálogo para que
possamos verdadeiramente fazer com que se execute, que se cumpra essa Lei de
Segurança Alimentar. Muito obrigada. (Palmas.)
(Não revisado pela oradora.)
A SRA. PRESIDENTE ( Sofia Cavedon): Essas falas
estão sendo muito importantes, porque este grupo e os Vereadores vão trabalhar
muito nisso nesse segundo semestre.
A SRA. ROSEMARE
RAINONI MOTTA: É um prazer estar aqui, Sofia. Eu quero cumprimentar todos
os presentes. Eu represento o Núcleo do Fome Zero da Ilha do Pavão, represento
também todas as outras Ilhas que têm Núcleos. Eu ouvi todos os Vereadores, de Partidos
diferentes, falarem na miséria. A miséria se conhece na base, e é na base que
nós estamos, batendo chão, barro. É impossível falar do Fome Zero e falar só de
alimentos: Fome Zero não é só alimento! Fome Zero é segurança alimentar, Fome
Zero são cursos, Fome Zero é formação. Agora, desculpem-me, senhores, mas qual
a formação que uma pessoa vai quer fazer se ela estiver de barriga vazia?
Chegar alimentação de seis em seis meses para 15 mil famílias?! Está na hora de
vocês fazerem alguma coisa. E nós, do Fome Zero, não temos Partido, o Partido é
o povo. (Palmas.)
(Não revisado pela oradora.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): A Srª Luísa Castro está com a palavra.
A SRA. LUÍSA
RIHL CASTRO:
Boa-tarde. Faço parte do Conselho Regional de Nutricionistas aqui do Estado.
Saúdo a Mesa, obrigado pelo espaço. Aproveito este momento para divulgar a
campanha que o Conselho Federal, junto com os conselhos regionais, está propondo
neste ano, campanha contra a obesidade, a fome e o desperdício de alimentos. A
gente também não pode deixar de falar sobre isso, já que o nosso Estado é o
mais fofinho, segundo as pesquisas. As pessoas desperdiçam muito os alimentos,
não sabem aproveitá-los integralmente, enquanto outras pessoas passam fome e
não têm instrução para poder aproveitar todo o alimento. Eu gostaria de deixar
o material aqui à disposição. Os dados do Presidente Marcio são de fundamental
importância, para que se consiga endossar todo esse planejamento que temos
dentro das entidades e dentro da profissão. Os nutricionistas estão, cada vez
mais, engajados nas suas práticas de atuação, para que consigam reverter esses
quadros e dados. Obrigada.
(Não revisado pela oradora.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Bacana, é muito importante a tua presença aqui.
A Verª Maria Celeste está com a palavra.
A SRA. MARIA
CELESTE:
Boa-tarde a todos e a todos. Saúdo a nossa Presidenta, Verª Sofia Cavedon. É
rápida a minha questão aqui, devido ao adiantado da hora nós já teremos que
passar para a segunda etapa do nosso trabalho no dia de hoje. A Verª Sofia já
colocou as nossas preocupações em relação aos dados da cidade de Porto Alegre.
Isso, para nós, Marcio, seria extremamente importante, porque teríamos um
norte, um diagnóstico, uma realidade, além daquela que já conhecemos e dos
relatos que os Núcleos têm nos dado - quando se parte de indicadores, o
trabalho é bem mais fácil. Então, a partir desses dados de Porto Alegre, com
certeza nós vamos conseguir desenvolver o trabalho que estamos pensando. Essa
Frente Parlamentar é plural e há vários Partidos que aderiram, não para apontar
quem é o culpado pela fome aqui na cidade de Porto Alegre, mas para
efetivamente buscarmos uma solução coletiva.
Dos dados que tu colocaste, o das crianças é o
mais gritante, digamos assim, mas eu gostaria de te ouvir sobre a miséria em
relação à população idosa e também àqueles que têm necessidades especiais. Se trouxeste
alguns desses dados, desculpe-me se não percebi, mas gostaria que tu pudesses
falar sobre essa questão, da influência da miséria na população idosa, se há
dados e como a gente pode trabalhar melhor essa questão dos idosos e das
pessoas com necessidades especiais. Além, é óbvio, da questão da assistência
social, que foi muito bem lembrada pela nossa companheira da região norte da
cidade de Porto Alegre, essa questão da assistência social como um direito, não
como uma questão de ajuda, assistencialista, não; assistência social como um
direito que garanta, assim como a saúde e a educação, a possibilidade da saída
da miséria.
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Obrigada, Verª Celeste.
Vou passar a palavra para o Marcio Pochmann, porque
já está terminando o nosso painel. Hoje à tarde, estão previstos dois painéis
para a nossa Sessão. Quero registrar que nós contamos ainda com a presença do
Ver. DJ Cassiá e do Ver. Todeschini, além dos Vereadores que estão na Mesa.
Ao passar ao Pochmann, eu preciso também
perguntar sobre o financiamento ao jovem pobre, porque esse é um tema que
pautou a campanha da Presidente Dilma. Aqui no Rio Grande do Sul, por muita
luta nossa, está se iniciando um trabalho, o Vou à Escola, de passagem gratuita
para o jovem pobre que está fora da escola - na Região Metropolitana, 50% dos
jovens de 15 anos em diante não estão na escola. Também o ProJovem está indo
para a educação, que é outra face da nossa luta, porque achamos que muito
recurso está sendo desperdiçado. O Programa Brasil sem Miséria tem um eixo
vinculado à juventude? A tua luta, tua militância resultou em algum programa?
Nós estamos muito interessados também em trabalhar na erradicação da miséria
financiando jovens, porque o jovem pobre acaba indo para o subemprego, para
drogadição, para tantas alternativas que não são de vida. Eu sei que são muitas
questões, mas para, pelo menos, a gente fechar provisoriamente.
O SR. MARCIO POCHMANN:
Eu
quero começar agradecendo algumas considerações e questões que foram
formuladas, são todas elas muito pertinentes e revelam a qualidade daqueles que
nos acompanham. Certamente, não terei condições de esgotar aqui o tema, porque
são várias perguntas e bastante complexas. Mas podemos começar pela parte
referente aos dados.
Nós partimos do pressuposto de que não há
condições de mudar a realidade sem conhecê-la. E quem conhece melhor a
realidade senão aquele que vive aquela realidade, aquela situação. A presença
de vários representantes dos diferentes Núcleos do Programa Fome Zero revela o
seu conhecimento de causa; a presença dos Parlamentares que têm uma experiência
na parte mais empobrecida da Cidade revela um conhecimento empírico da pobreza,
um conhecimento necessário. Nós aqui estamos contribuindo, digamos, com um
conhecimento científico. Não conheço a realidade local, mas os dados revelam a
dimensão, a natureza, a complexidade da pobreza. Portanto, nós estamos aqui
considerando, evidentemente, aquilo que alguém já dizia há muito tempo: o
primeiro passo para mudar a realidade é conhecê-la. E essa é uma combinação
perfeita: os que conhecem a realidade de forma empírica e aqueles que conhecem
a realidade pela forma da ciência, do método. E o IPEA está disposto, sem
dúvida, a ajudar, do ponto de vista do método científico, obtendo e mantendo
atualizadas as informações referentes àquilo que existe de dados a respeito da
Cidade. Podem contar com a nossa contribuição, podemos até pensar em fazer um
acordo de cooperação técnica da Câmara com o IPEA e teremos subprodutos ao
longo do tempo. (Palmas.)
O Ver. Todeschini chama a atenção para o tema da
pobreza absoluta. Evidentemente, a luta maior é pela pobreza absoluta, embora a
extrema pobreza tenha prioridade do Governo Federal. Agora, não há dúvida que o
enfrentamento maior da pobreza absoluta requer ações que vão além das políticas
públicas tradicionais, a começar pelo fato de que o Brasil, infelizmente, tem
um sistema de tributação que faz com que os pobres sejam, fundamentalmente, os
que pagam impostos. Quem recebe, por exemplo, até dois salários mínimos
transfere, todo mês, um salário mínimo por intermédio da tributação, porque o
nosso sistema de tributação não onera os ricos, onera os pobres. Uma alteração
no sistema tributário brasileiro ajudaria a reduzir a pobreza.
O estudo que nós temos no IPEA mostra, por
exemplo, que os que são donos de propriedades praticamente não pagam impostos
no Brasil. A propriedade rural não é taxada no Brasil, e nós somos um País com
forte concentração no meio rural. Os nossos estudos sobre o IPTU, que diz
respeito aos Legisladores, o Imposto Predial Territorial Urbano, eu não tenho
dados específicos aqui da cidade de São Paulo, mas eu tenho dados do Brasil que
mostram que esse imposto é mal cobrado no Brasil. Nós temos várias cidades em
que os moradores de favelas pagam um IPTU, proporcionalmente à sua renda, maior
do que os que moram nas mansões. Então, há o tema da tributação, que é muito
pertinente e que, inegavelmente, ajudaria a enfrentar um problema mais grave da
pobreza absoluta.
Também foi levantado o tema da Educação. Nós
estamos, hoje, vivendo a possibilidade de ampliar os recursos para Educação. A
decisão, pelo Legislativo Federal, do Plano Nacional de Educação implica um
aumento considerável dos recursos para Educação - nós contribuímos muito pouco
para o Fundo Público da Educação. Mas, por outro lado, o sistema tributário, as
políticas públicas no Brasil ainda financiam a Educação privada. Aqueles que
têm a oportunidade de declarar o Imposto de Renda podem, por exemplo, abater,
no Imposto, gastos feitos com Educação, com Saúde, com assistência, previdência
privada. Nós, por exemplo, em 2009, deixamos de arrecadar 13 bilhões de reais,
porque houve abatimento para financiamento da Saúde privada no Brasil. Então,
são outras modalidades que necessitariam ser consideradas do ponto de vista de
uma ação mais ampla em relação à pobreza absoluta.
O Ver. Dr. Raul nos coloca o tema do
planejamento familiar. Evidentemente, eu não tenho a especialidade e o
conhecimento de V. Exª, mas eu poderia falar do ponto de vista do aspecto
demográfico, que é um ponto muito importante de ser considerado não apenas no
enfrentamento da pobreza, mas das novas pobrezas em que nós podemos estar
envolvidos, das novas formas de manifestação da desigualdade, tendo em vista
que o Brasil, daqui a duas décadas, terá um povo completamente diferente do
povo atual. Nós estamos vivendo um momento de redução dramática da taxa de
fecundidade. Nossa taxa de fecundidade atual é de 1,7 filho por mulher. Se nós
considerarmos mulheres brancas de mais escolaridade, a taxa de fecundidade é de
0,9 filho por mulher. Mulheres não brancas têm uma taxa de fecundidade 2,3
vezes maior que as mulheres brancas. Nós estamos constituindo outra população
no Brasil; atualmente, é uma população em que 52% se declaram não brancos - eu
uso o termo não brancos porque há várias modalidades de se definir o que é
mulato, negro, escuro, mameluco, cafuzo. Então, atualmente, 52% declaram-se não
brancos. Diante das diferentes taxas de fecundidade, daqui a 20 anos nós
teremos uma população, talvez, com 70% constituída por não brancos. Eu digo
isso não por uma questão de preconceito racial, pelo contrário, pelo
reconhecimento que a população não branca no Brasil é aquela que tem mais
dificuldade de acesso aos serviços públicos, aos bons empregos, à educação.
Portanto, políticas de cotas, que são necessárias, são cada vez mais
insuficientes, quando nós olhamos a trajetória da demografia brasileira.
Nós estamos vivendo um quadro muito intenso de
envelhecimento dos brasileiros. Temos, atualmente, três milhões de brasileiros
com 80 anos ou mais de idade; daqui a 20 anos, serão 20 milhões de brasileiros
com 80 anos ou mais de idade. As nossas cidades não estão preparadas para
conviver com esse processo de envelhecimento da população. Aqueles que têm mais
idade sabem das dificuldades de mobilidade, o isolamento que isso muitas vezes
significa, as implicações nos gastos com a saúde. Então, esse é um tema muito
importante. Nós estamos caminhando para a construção e para o aparecimento de
cidades fantasmas, porque, em várias cidades do Brasil, o censo de 2010 revelou
que está reduzindo a população. É cada vez menor, a cada ano que passa, a
população, porque há migração, há uma serie de eventos.
Em 1990, 35% da população dos brasileiros tinham
até 14 anos de idade, e, hoje, são 24% dos brasileiros com até 14 anos de
idade. Em 2030, talvez, sejam 12%. Nós estamos entrando numa fase em que talvez
sobrem escolas. Esse é um quadro que precisa ser analisado e considerado. Há um
tempo de intervenção para isso, para que nós não tenhamos problemas maiores, do
ponto de vista de novas formas de desigualdade. Hoje, metade da população
miserável no Brasil é constituída de crianças. Crianças não têm condições de
gerar renda. É fundamental uma ação sobre as crianças para romper com aquilo
que nós chamamos de ciclo estrutural da pobreza, que faz com o filho do pobre
continue sendo pobre, porque o pai era pobre. Portanto, uma ação em relação a
esse segmento, que representa metade, é absolutamente necessária, não apenas
para enfrentar a miséria, tal como ela se manifesta, mas para romper com os
laços que fazem com que ela se mantenha estruturalmente vinculada por uma
estrutura familiar dessa característica.
Não há dúvida de que temos problemas ainda
graves nos programas de garantia de renda, assim como é o caso do Bolsa Família,
da burocratização do fornecimento de cadastros, problemas pelo fato de não ser
uma política de Estado. O Bolsa Família é um programa, não é uma política de
Estado; ele pode mudar, se mudar os Governos. Ele não garante, como é o caso da
política do seguro-desemprego. O trabalhador, quando fica desempregado, vai a
um posto do trabalhador, à Caixa Econômica, e lá ele mostra a sua realidade
através da carteira do trabalho, e ali se avalia se ele já tem condição ou não
de receber o benefício. Quando é feito o cadastramento para o Bolsa Família -
em geral, poucas vezes ao ano -, naquele momento ele pode estar empregado e com
boa renda; no mês seguinte, ele pode perder o emprego e entrar na condição de
pobreza, e ele não tem como recorrer. Então, entendemos que é um passo, em
termos de construção da política, a transformação do Programa Bolsa Família
numa política de Estado que permitisse que, em cada cidade do País, as pessoas
que entrassem na condição de miserabilidade pudessem recorrer imediatamente e
passassem a receber o benefício e, ao mesmo tempo, deixar de receber o
benefício tão logo entrassem numa situação de renda melhor.
Por fim, em relação ao que foi apresentado pela
Luísa, pelo paradoxo, nós não imaginávamos que teríamos, como temos hoje no Brasil,
uma maior parcela da população mais obesa do que de gente passando fome. Isso,
certamente, está relacionado a vários fatores, mas um, em especial, que é o
hábito, o padrão alimentar. Nós somos muito induzidos a consumo indicado pelos
meios de comunicação, pelo comércio, pela propaganda, que não necessariamente
representa o melhor método de alimentação. Portanto, a educação alimentar é
parte integrante não apenas para viabilizar um alimento mais barato, mas mais
saudável. É melhor investir na saúde para não gastar na doença. Esse é um tema
de grande importância, especialmente quando nós estamos, basicamente,
abandonando a condição de País onde as pessoas não têm o mínimo para se
alimentar.
De maneira geral, acho que era isso que eu podia
ajudar, dado o tempo e a oportunidade que tive aqui. Ao finalizar a nossa
participação, queria, mais uma vez, renovar a nossa esperança de que essa
Frente Parlamentar possa ter êxito, na medida em que ela se envolva com aqueles
que conhecem a realidade por vivê-la. E algo fundamental é que nós não vamos
acabar a pobreza sem que os pobres estejam envolvidos diretamente no seu
próprio soerguimento. Muito obrigado a todos, e parabéns por mais este evento.
(Palmas.)
(Não revisado pelo orador.)
A SRA.
PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Nós agradecemos pela escapada que o Marcio
conseguiu de um compromisso no Interior. Quero dizer aos representantes dos Núcleos
de Fome Zero que estamos muito felizes por estarem aqui conosco. Vocês serão,
com certeza, interlocutores prioritários dessa Frente Parlamentar. A Verª Maria
Celeste e o Ver. Dr. Raul Torelly são do grupo dos Parlamentares que estão
assumindo a coordenação, mas registro que também temos conosco o Ver. DJ
Cassiá, o Ver. Engenheiro Comassetto e o Ver. Todeschini.
Estão encerrados os trabalhos da presente
Sessão.
(Encerra-se a Sessão às 18h39min.)
* * * * *