ATA DA SEPTUAGÉSIMA SEGUNDA SESSÃO ORDINÁRIA DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA QUINTA LEGISLATURA, EM 18-8-2011.

 


Aos dezoito dias do mês de agosto do ano de dois mil e onze, reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às quatorze horas e quinze minutos, foi realizada a segunda chamada, respondida pelos vereadores Adeli Sell, Airto Ferronato, Alceu Brasinha, Aldacir José Oliboni, Bernardino Vendruscolo, Beto Moesch, DJ Cassiá, Dr. Raul Torelly, Fernanda Melchionna, João Antonio Dib, João Carlos Nedel, Mario Fraga, Mauro Zacher, Nelcir Tessaro, Paulinho Rubem Berta, Sofia Cavedon, Tarciso Flecha Negra e Toni Proença. Constatada a existência de quórum, o senhor Presidente declarou abertos os trabalhos. Ainda, durante a Sessão, compareceram os vereadores Carlos Todeschini, Dr. Thiago Duarte, Elias Vidal, Elói Guimarães, Engenheiro Comassetto, Haroldo de Souza, Luciano Marcantônio, Luiz Braz, Maria Celeste, Mario Manfro, Mauro Pinheiro, Nilo Santos, Pedro Ruas, Professor Garcia, Reginaldo Pujol, Sebastião Melo e Waldir Canal. Do EXPEDIENTE, constaram Ofícios do Fundo Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, emitidos no dia primeiro de agosto do corrente. Em continuidade, foi iniciado o período de COMUNICAÇÕES, hoje destinado, nos termos do artigo 180, § 4º, do Regimento, a debater o tema “cinquenta anos do Movimento da Legalidade”. Compuseram a Mesa: a vereadora Sofia Cavedon, Presidenta da Câmara Municipal de Porto Alegre; o jornalista Juremir Machado da Silva, mediador do presente debate; os senhores Caio Lustosa, Victor Douglas Nuñez, Celso Costa, Índio Vargas, Lauro Hagemann e Caetano Ângelo Vasto e a senhora Teresinha Irigaray, participantes do Movimento da Legalidade; e o senhor Miguel Frederico do Espírito Santo, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Após, a senhora Presidenta concedeu a palavra, nos termos do artigo 180, § 4º, inciso I e II, aos senhores Miguel Frederico do Espirito Santo, Juremir Machado da Silva, Caio Lustosa, Celso Costa, Victor Douglas Nuñez, Índio Vargas, Teresinha Irigaray, Lauro Hagemann e Caetano Ângelo Vasto, que se pronunciaram sobre o tema em debate. Em COMUNICAÇÕES, nos termos do artigo 180, § 4º, inciso III, do Regimento, pronunciaram-se os vereadores Mauro Zacher, Elói Guimarães, Bernardino Vendruscolo, Airto Ferronato, Luiz Braz, Adeli Sell, Sebastião Melo, Pedro Ruas, Professor Garcia, Dr. Raul Torelly, Fernanda Melchionna, Carlos Todeschini, Toni Proença e Aldacir José Oliboni. Também, a senhora Presidenta registrou as presenças, neste Plenário, da senhora Nathalie Medeiros do músico Raul Ellwanger. Às dezessete horas e dez minutos, os trabalhos foram regimentalmente suspensos, sendo retomados às dezessete horas e dezoito minutos. A seguir, foi iniciada solenidade para lançamento da Frente Parlamentar de Combate à Fome e à Miséria. Compuseram a Mesa: a vereadora Sofia Cavedon, Presidenta da Câmara Municipal de Porto Alegre; o senhor Marcio Pochmann, Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA –; a senhora Ana Maria Aquino, Coordenadora do Fórum dos Núcleos do Programa Fome Zero em Porto Alegre; a senhora Eliete Regina Fraga da Rosa, representando o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Estado do Rio Grande do Sul; a vereadora Maria Celeste e os vereadores Pedro Ruas, Toni Proença e Dr. Raul Torelly. Após, a senhora Presidenta concedeu a palavra ao senhor Marcio Pochmann e às senhoras Ana Maria Aquino e Eliete Fraga Rosa, que citaram dados referentes aos indicadores de pobreza extrema no Estado do Rio Grande do Sul e debateram políticas públicas direcionadas ao combate à fome e à miséria. Na ocasião, foi realizada apresentação de audiovisual referente ao tema abordado por Suas Senhorias. Em prosseguimento, a senhora Presidenta concedeu a palavra aos vereadores Carlos Todeschini e Dr. Raul Torelly, à vereadora Maria Celeste e às senhoras Irilde da Silva, Eurides Costa, Mara Verlaine do Canto, Rosemare Rainoni Motta e Luísa Rihl Castro, que se manifestaram sobre o tema em debate. A seguir, a senhora Presidenta concedeu a palavra, para considerações finais, ao senhor Marcio Pochmann. Durante a Sessão, os vereadores Adeli Sell, Bernardino Vendruscolo, Pedro Ruas, Aldacir José Oliboni e Dr. Thiago Duarte manifestaram-se sobre assuntos diversos. Às dezoito horas e trinta e nove minutos, a senhora Presidenta declarou encerrados os trabalhos, convocando os senhores vereadores para a Sessão Ordinária da próxima segunda-feira, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pela vereadora Sofia Cavedon e pelo vereador DJ Cassiá e secretariados pelo vereador Toni Proença. Do que foi lavrada a presente Ata, que, após distribuída e aprovada, será assinada pelo senhor 1º Secretário e pela senhora Presidenta.

 

 


A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Adeli Sell está com a palavra.

 

O SR. ADELI SELL: Não quero atrapalhar o nosso evento sobre a Legalidade, mas peço a atenção dos Srs. Vereadores. Eu fui escalado pela Mesa Diretora desta Câmara para representar a Câmara na Comissão do Acampamento Farroupilha. Pois eu quero pedir a minha imediata saída. Eu estou renunciando à minha participação para representar esta Câmara no Acampamento Farroupilha.

Eu quero dizer que tudo o que o Bernardino falou... Agora entendo por que ele não quis entrar na Comissão. Eu me recuso a participar de uma Comissão onde há conivência, porque há uma maioria, com as falcatruas cometidas pelo MTG. Eu não quero me misturar com pessoas que, se depender de mim, um dia vão conviver no Presídio Central. Eu não me misturo com essas pessoas, eu repudio a Comissão do Acampamento Farroupilha! A Prefeitura está sendo conivente com o MTG. Eu quero estar fora dessa Comissão, porque, amanhã, eu levarei todos os documentos ao Ministério Público, à Delegacia de Polícia e ao Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Eu estou fora da Comissão do Acampamento Farroupilha, eu não compactuo com falcatrua!

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Bem, o Ver. Adeli Sell e o Ver. Bernardino já acompanharam a Comissão que recebemos. Informo ao conjunto de Vereadores que, ontem, eu conversei com o Secretário de Cultura e solicitei que ele recebesse o grupo de patrões de piquetes que estão inconformados com o novo Regulamento. Amanhã, às 16h30min, Ver. Adeli, o Procurador Geraldo da Camino receberá a Comissão com as denúncias atuais, e não as denúncias que anteriormente o Ver. Bernardino encaminhou. Então, dessa forma a Câmara estará tratando da questão. Acho, de fato, muito complicado que a Câmara esteja na Comissão, sendo essa Comissão tão questionada e tendo a Câmara a impossibilidade de viabilizar que, de fato, a Comissão seja representativa dos acampados, que estão “armando o maior barraco”, e nós não podemos permanecer na Comissão se não pudermos interferir.

 

O SR. BERNARDINO VENDRUSCOLO: Presidenta Sofia, eu fico feliz que outros colegas estejam se alinhando nesse sentido, mas eu quero fazer justiça ao atual Governo. O problema do Acampamento Farroupilha não é de anteontem, é de trasanteontem, como se diz lá em Iraí; é de muito tempo, não é deste Governo. Eu fico chateado, peço que o Ver. Adeli permaneça na Comissão. Precisamos fazer justiça, não é um problema deste Governo nem do outro Governo: é de todos os Governos. Houve, sim, uma certa acomodação dos Governos que fez com que esse pessoal venha administrando da forma como estão.

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Bem, Ver. Bernardino, esta Presidência entende como o Ver. Adeli: não está sendo possível, pela Comissão, de fato, democratizar o Acampamento. Portanto, se outros Vereadores acharem que devem representar, a gente leva para a Mesa na segunda-feira, e discutimos lá. Informo aos Vereadores que quiserem acompanhar amanhã, às 16h30min, que o Procurador Geraldo da Camino receberá as queixas deste ano. Aí, nós, o Ver. Adeli e os demais Vereadores estaremos lá.

Ver. Pedro Ruas, gostaríamos de ouvi-lo, para passarmos imediatamente às Comunicações.

 

O SR. PEDRO RUAS: Srª Presidente, Verª Sofia Cavedon, eu me manifesto neste momento com bastante emoção, porque eu fui colega do Ver. Caio Lustosa, fui colega da Verª Teresinha Irigaray, do Ver. Lauro Hagemann...

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Nós estamos remontando a Câmara. Mas vais falar depois.

 

O SR. PEDRO RUAS: Pois é. Eu só não fui colega do Ver. Índio Vargas, porque ele foi cassado pela ditadura antes. Eu vejo aí o Celso Costa. O Juremir já vai falar. Eu quero explicar a V. Exª que estou acompanhando, junto com a Verª Maria Celeste, a Arquiteta Raquel Rolnik. Estivemos com o Prefeito em outras agendas e, às 15h, estaremos com o Governador. Já pedi a licença. Fico realmente sentido de não poder permanecer durante todo o debate, mas parabéns pela promoção.

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Aldacir Oliboni está com a palavra.

 

O SR. ALDACIR JOSÉ OLIBONI: Nobre Presidente, Verª Sofia, eu não quero atrapalhar, mas já atrapalhando, quero solicitar a V. Exª, depois, o retorno daquela agenda que nós havíamos solicitado, para visitarmos amanhã o HPS, convite inclusive estendido a todos os Vereadores, porque são muito graves as denúncias trazidas pelos trabalhadores, pela entidade, sobre o HPS, mais precisamente sobre a situação dos Raios X do HPS, em que as pessoas estão sendo irradiadas em função do vazamento de irradiação, e nós temos que tomar uma atitude imediata. Portanto, amanhã, a Câmara deve estar lá. Se não dá para ser hoje, amanhã é o limite. Peço a sua compreensão e o atendimento desta solicitação. Obrigado.

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Ver. Oliboni, estamos agendados para amanhã, às 14h, para visitar o HPS, pelas denúncias que a Casa toda recebeu, por iniciativa de Vossa Excelência.

De imediato, vamos ao nosso período temático, passamos às

 

COMUNICAÇÕES

 

Como combinamos, hoje à tarde, teremos esse período e, depois, a instalação da Frente de Combate à Miséria, Porto Alegre sem Miséria, com Marcio Pochmann. O Grande Expediente, como combinado com os Vereadores, ficou transferido para segunda-feira.

Quero convidar, para nossa honra, a compor a Mesa, em primeiro lugar, o Miguel Espírito Santo, Presidente do Instituto Geográfico, parceiro nas atividades da Câmara sobre a Legalidade; em seguida, o nosso mediador neste momento de testemunho da história, o historiador e jornalista Juremir Machado. Muito obrigado pela tua presença querida nesta Casa. E convidamos os próprios testemunhos, que, para a nossa alegria, aceitaram estar conosco, como Caio Lustosa. Eu queria que nós aplaudíssemos cada um deles. (Palmas.) É a história viva, reportada aqui entre nós: Victor Douglas Nuñez. (Palmas.) Celso Costa. (Palmas.) Índio Vargas. (Palmas.) Lauro Hagemann. (Palmas.) Deixei, de propósito, a única mulher que nós trouxemos hoje, a valorosa Verª Teresinha Irigaray, por último, para distinguir a sua presença. (Palmas.) Registro a presença da Vereadora Nathalie Medeiros, de Montpellier, na França, que acompanha este momento conosco. Seja bem-vinda.

A nossa dinâmica: nós temos aqui um mediador de luxo, e vou pedir um microfone sem fio para facilitar. Primeiro, vou passar a palavra ao Miguel do Espírito Santo, para que ele faça a sua saudação inicial; o Juremir vai abrir com uma fala, uma contextualização, e, aí, nós vamos aos depoimentos; após, o Juremir fará a “costura”. Os Vereadores já sabem da nossa regra, podem inscrever-se - é o período de Comunicação Temática, até dez Vereadores -, na sequência, para as suas manifestações.

O Sr. Miguel Frederico do Espírito Santo está com a palavra.

O SR. MIGUEL FREDERICO DO ESPÍRITO SANTO: Verª Sofia Cavedon, que teve a gentileza de nos aceitar como parceiros nesta empreitada de comemoração do Cinquentenário do Movimento de Resistência Democrática de Legalidade; Srs. Vereadores; senhores componentes desta Mesa; minhas senhoras e meus senhores; o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul é a casa da memória deste Estado. E, como casa da memória, não podia se furtar ao compromisso histórico que tem de fazer com que os grandes fatos que ocorreram neste Estado sejam relembrados, e tem também o dever de impedir que o silêncio caia sobre os fatos marcantes da nacionalidade. O advento dos 50 anos da Legalidade é um dos fatos marcantes; 50 anos da Legalidade significam 50 anos de afirmação democrática, 50 anos de afirmação do constitucionalismo, 50 anos de reivindicação do povo por uma ordem justa, por uma ordem legal, por uma ordem adequada à Constituição.

No ensejo dos festejos do cinquentenário do Movimento de Resistência Democrática, homenageia-se também as figuras que foram o centro desse movimento. O Presidente João Goulart, estadista clarividente que não apenas se notabilizou por sua postura em prol da modernização do Brasil como, de longa data, já vinha adotando ações tendentes a essa modernização. Também deve ser lembrado o Governador Leonel Brizola, figura ímpar que teve o condão de catalisar o movimento popular naquela ocasião. E muitos outros que, naquela ocasião, anônimos, vieram a ter rosto, vieram a ter voz e vieram a impor-se na sociedade, como os que frequentam esta Mesa de trabalhos, como o Ver. Índio Vargas, o Dr. Victor Douglas Nuñez, o Ver. Caio Lustosa, que foi o adestrador do Batalhão Tiradentes, o Sr. Celso Costa e o Ver. Lauro Hagemann. Eram jovens, então, e, logo em seguida, desenvolveram carreiras que os notabilizaram. Entre todos, quem também devemos destacar e saudar é o jornalista e escritor Juremir Machado da Silva, cujas crônicas diárias no jornal Correio do Povo não só deleitam e instruem como se resolvem em uma bússola para aqueles que precisam de alguma orientação. E não podemos silenciar mais uma vez e não referir o carinho da Verª Sofia Cavedon para conosco, do Instituto Histórico e Geográfico, V. Exª, muito gentilmente, cedeu à exposição Jango e esteve conosco abrindo, inaugurando as festividades de comemoração desses 50 anos de resistência democrática lá naquela casa do Instituto, na Rua Riachuelo. Muito obrigado, Vereadora; muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Obrigada pela sua presença aqui, pelas suas palavras e pelo trabalho do Instituto.

O Sr. Juremir Machado da Silva está com a palavra.

 

O SR. JUREMIR MACHADO DA SILVA: Boa-tarde a todos. Antes de mais nada, eu quero agradecer à Verª Sofia Cavedon pelo convite, pela possibilidade de estar aqui entre tantos protagonistas do grande episódio da Legalidade e de estar aqui diante de Vereadores que tanto lutam por fazer com que Porto Alegre seja uma Cidade melhor e que são protagonistas dessa história recente. Eu não vou querer me alongar muito em considerações, porque, estando aqui junto com pessoas tão ilustres, que foram participantes do evento, vai ser muito mais interessante aprender também com eles, porque, apesar de eu ter escrito o livro “Vozes da Legalidade”, continuo aprendendo muito sobre a Legalidade. Meu livro tem me permitido aprender ainda mais, porque agora as pessoas me mandam muitas informações, elas me ligam, falam-me de novas fontes, mandam-me documentos, e o livro vai se ampliando, como se fosse um livro interativo.

Eu queria dizer, como abertura, que, no meu entender, mesmo que eu tenha nascido só em 1962 – menos de um ano depois da Legalidade -, tendo estudado o episódio, eu chego à conclusão de que é o nosso episódio heroico maior dos últimos 50 anos, talvez até mesmo de mais tempo, em que muitos se comportaram como heróis: Leonel Brizola, João Goulart, os Sargentos da Base Aérea e a população gaúcha. É um desses episódios em que, quando se pergunta “Mas quem foi o principal responsável?”, a gente diz: “Foi Brizola”. Mas sem a população, também não teria funcionado. Sem os jornalistas, sem os radialistas, não teria funcionado. Quando a gente diz: “Foi a população que se engajou”, a gente também conclui que, sem o verbo inflamado do Brizola, a requisição da Rádio Guaíba e a Rede da Legalidade, também não teria funcionado. E a gente, quando pensa mais adiante, diz: “E o papel do Jango?” Também foi muito importante, porque, enquanto o Brizola foi a ponta de lança, foi o ferro disposto a ferir profundamente, o Jango, em determinado momento, foi aquele que temperou, ponderou, equilibrou e compreendeu que, naquele momento, era melhor evitar um banho de sangue e evitar uma guerra civil. Então, daquela época, o que a gente vê, o que a gente tira de lição é que se pode sair às ruas, lutar e se engajar por uma causa absolutamente simples, transparente e nobre: o verdadeiro, o justo, o legítimo, o correto, a Constituição.

Antes de mais nada, quero saudar aqueles heróis que, por causa do período ditatorial, muitas vezes não puderam ter reconhecido o seu heroísmo, mas agora, com os 50 anos, nós temos a oportunidade de dizer com todas as letras: foram heróis! Em 1961, Leonel Brizola foi um herói! João Goulart foi um herói! Os Sargentos da Base Aérea foram heróis! E são tantos os heróis anônimos que precisamos saudar! É claro, quero começar saudando esses heróis que estão aqui à Mesa, que participaram do evento voluntariamente e que escreveram a história. Cada um vai poder contar aqui um pouco dessa história, o Caio Lustosa, o Celso Costa, o Índio Vargas, o Lauro Hagemann, a Teresinha Irigaray e o Victor Douglas Nuñez.

Então, acho que vou seguir a ordem, vou passar a palavra ao Caio Lustosa, que todo mundo conhece, ambientalista, Vereador, figura carismática da nossa sociedade e que em 61 estava lá, como jornalista, no famoso prédio Mata-Borrão, onde as pessoas iam se inscrever como voluntários para lutar na Legalidade.

Passo a palavra ao nosso conhecido e admirado Caio Lustosa.

 

O SR. CAIO LUSTOSA: Verª Sofia Cavedon, mui digna Presidente deste Legislativo; Srs. Vereadores, companheiros de Mesa, principalmente o Presidente do Instituto Histórico, Dr. Espírito Santo, minhas senhoras e meus senhores, a nossa participação neste episódio se deu justamente conforme o escritor e jornalista Juremir acaba de citar, a cujas palavras bondosas eu agradeço.

A nossa participação deu-se centrada no prédio chamado Mata-Borrão, que se situava na Av. Borges de Medeiros com a Rua Andrade Neves e tinha tido a função de divulgação do turismo. Na época, eu trabalhava junto com o nosso companheiro Victor Nuñez num escritório ali na Rua Andrade Neves. E, quando eclodiu o processo da Legalidade, e eu não sei explicar qual foi a convocação, eu só sei que acabamos lá dentro do Mata-Borrão e montamos um esquema de divulgação através de panfletos e redação. A mim tocava redigir, assim como ao Victor e a outros companheiros, as palavras de ordem, que eram retransmitidas por alto-falantes e através de panfletos pela Cidade inteira. Então, a acorrência da população foi imensa, foram centenas de pessoas diariamente a se mobilizar e a se inscrever no Comitê da Resistência Democrática, com uma participação cidadã verdadeiramente espontânea em defesa da legalidade democrática.

E, aí, eu me lembro de uma figura bem típica da nossa população, que era um papeleiro, o Sargento, que se engajou e fazia um trabalho de sapa, digamos assim, muito intenso. Além dessa divulgação através de panfletos e alto-falantes, nós nos deslocávamos às vezes lá para os altos do Mercado, onde uma turma de artistas plásticos como o Xico Stockinger, o Danúbio Gonçalves e tantos outros se dedicavam a fazer as faixas de convocação de mobilização popular. Durou pouco esse processo, como sabemos. Ele culminou com a aquiescência do Presidente João Goulart, que voltava do Uruguai. Ele aquiesceu, finalmente, num acordo entabulado lá em Montevidéu mesmo, pelo Ministro Tancredo Neves, e de aceitação do sistema parlamentarista de Governo.

Além dessas atividades, nós tínhamos, também, uma mobilização muito intensa nas ruas, com a formação de batalhões. Eu próprio, que já vinha de uma formação de sargento da reserva, no 18 RI, acabei ministrando ordem unida para pelotões formados por transviários - cobradores, motorneiros da Carris. E nós fazíamos um treinamento, um ensaio ali nas imediações do Parque Farroupilha, na Av. Luiz Englert. Isso aí ocorreu algumas vezes, mas, depois que houve a aceitação pelo Presidente João Goulart, é evidente que tudo cessou. Cabe-me registrar também que, neste dia do chamado acordo para a posse de Jango, nós estávamos ali no Mata-Borrão, quando chegou o então Deputado Mariano Beck e nos conclamou a encerrar as nossas atividades, dizendo-nos: “O Dr. Jango já aceitou, isso aí não tem mais nenhuma finalidade”.

Por último, gostaria de fazer uma breve consideração. Muitas vezes somos indagados se houve acerto ou não de parte de Jango em aceitar essa medida de conciliação. Nós sabemos que a política brasileira é norteada pelo fenômeno da conciliação. Isso está se vendo em todo o momento, na época presente se vê. Quando os movimentos populares e/ou movimentos revolucionários se encaminham para mudar as estruturas injustas que este País vive, então, há, evidentemente, uma reação dos grupos dominantes, das elites dirigentes e das elites econômicas. Quando não ocorrem os golpes, como se tentou em 1961, e, depois, se concretizou, em 1964, em nome da chamada governabilidade, há um acerto entre os setores todos do leque político. Eu, pessoalmente, sempre fico em dúvida se foi um acerto ou não do Presidente João Goulart aceitar aquela conciliação na época, mas meditando, inclusive pelo relato do Juremir, em “Vozes da Legalidade”, e por outros relatos do Marcon e do nosso querido José Felizardo, a gente vê que talvez não houvesse condições para levar adiante o processo, como era desejo do então Governador Leonel Brizola. Existia, sim, um espírito de rebelião no meio popular, e eu presenciei o dia em que o Presidente João Goulart recebeu uma vaia na Praça da Matriz; mas o esquema militar que seria favorável à concretização dos anseios do Governador Leonel Brizola, evidentemente, não favorecia as forças populares. Por isso, acredito que a conciliação, naquela oportunidade, talvez tenha sido o melhor caminho.

Finalizando, eu queria apenas registrar que hoje, dia 18 de agosto, se celebram os 75 anos do assassinato de Garcia Lorca, poeta e dramaturgo espanhol, vítima da sanha assassina do fascismo em Granada. Ontem de manhã, acompanhado do Ver. Pedro Ruas, da Verª Fernanda Melchionna e de outros companheiros, fizemos uma celebração na praça que leva o nome de Garcia Lorca e que se situa no bairro Serraria. Então, é muito importante registrarmos esse aspecto, essa coincidência com a Sessão de hoje, eis que Lorca foi uma vítima também do arbítrio e do despotismo na sua época.

Agradeço o convite do Presidente do Instituto Histórico e da nossa Presidente, Srs. Vereadores, e aqui estamos à disposição para qualquer indagação. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. JUREMIR MACHADO DA SILVA: Muito obrigado ao Caio Lustosa por essa história saborosa e por essa menção, inclusive, ao Garcia Lorca. Outro dia, recebi um e-mail sobre ele e estava pensando que eu estava em dívida, que eu deveria falar disso, disseminar esse e-mail.

Passo a palavra ao meu colega Celso Costa. Para dar uma ideia - se é que é imaginável alguém não ter uma ideia sobre o Celso Costa -, ele é o funcionário número quatro da Rádio Guaíba. Imaginem isso! Ele continua batendo ponto na Rádio Guaíba, trabalhando na Rádio Guaíba, ele é o quarto funcionário, matrícula número quatro da Rádio Guaíba. Em 1961, foi o homem que de fato instalou o estúdio lá no porão do Palácio Piratini. Ele vai contar por quê. Nisso tem o papel importantíssimo do engenheiro Homero Simon, mas o Celso teve um papel incrível nesses momentos iniciais, fazendo lá o serviço necessário para que a Rede da Legalidade, a Rádio Guaíba fosse instalada lá no porão do Piratini. Passo a palavra ao Celso Costa, que - como dizemos brincando, mas falando sério também - é uma lenda viva do radiojornalismo gaúcho. (Palmas.)

 

O SR. CELSO COSTA: Boa tarde, Srª Vereadora, Muito Digna Presidente desta Casa - em primeiro lugar, eu lhe agradeço o convite -, e demais componentes desta Casa, vou fazer um breve relato do que aconteceu naquele período. Sou funcionário fundador da Rádio Guaíba. Naquele domingo, dia 27 de agosto de 1961, cheguei à Rádio às 9h da manhã, e ia acontecer um Gre-Nal aqui em Porto Alegre, no estádio Olímpico. Mais ou menos às 11h da manhã, fui chamado ao Gabinete da Presidência. Estava lá o Dr. Breno Caldas, Diretor e proprietário da Rádio Guaíba, e ele me perguntou: “Celso, onde está o Homero Simon?”. O Homero Simon era o nosso engenheiro. Eu disse que o Homero estava no Interior com a senhora mãe dele, doente, que em seguida veio a falecer. E ele disse: “Então, eu tenho uma incumbência para ti: a nossa Rádio acaba de ser requisitada pelo Governo do Estado, estou aqui com o memorando em mãos, assinado pelo Governador. E tu és o técnico escalado para instalar a Rádio no porão do Palácio Piratini.” Eu disse: “Ora, Dr. Benício, tem Gre-Nal hoje à tarde”. E ele: “Não tem mais Gre-Nal, o Gre-Nal foi suspenso por falta de segurança. Faça o que eu estou te mandando.” E foi o que aconteceu. E disse mais: “Só tenho um pedido, eu não quero que o som que saia do Palácio Piratini passe pelos estúdios da Rádio Guaíba, aqui na Rua Caldas Júnior.”

Então, fui até o Palácio Piratini, havia dois pares de linhas instaladas lá esperando o Presidente Jânio, que, na próxima semana, estabeleceria o Governo Provisório aqui no Rio Grande do Sul. Eu fui lá, testei aquelas linhas, fui até a Companhia Riograndense de Telecomunicações, que era um sobrado que havia aqui na esquina da Av. Salgado Filho com a Av. Borges de Medeiros, falei com o engenheiro chefe, expliquei a ele o motivo da minha ida até lá. Eu disse: “Eu tenho duas linhas saindo do Palácio Piratini aqui da Rádio Guaíba e preciso que essas linhas cheguem direto ao transmissor da Rádio Guaíba, na Ilha da Pintada. Ele respondeu: “Não tem problema, eu te faço essas linhas em seguida, mas preciso de uma ordem do Palácio Piratini”. Subi até o Palácio Piratini – era meio-dia, mais ou menos -, falei com o jornalista Hamilton Chaves, que era o Chefe do Gabinete de Imprensa do Governador, expliquei a ele o motivo, que bateu o memorando, levou para o Governador assinar, e eu voltei à Companhia Riograndense de Telecomunicações. Entreguei o memorando ao engenheiro, que ainda gozou: “Não precisava tanto, a assinatura do Governador, mas é isso aí”. Fui até em casa - eu morava ali perto, no Edifício Everest -, almocei, passei a mão no toca-discos de uso doméstico, mais uns fones, nos microfones que eu tinha em casa, voltei à Rádio Guaíba, peguei um equipamento, um amplificador grande e instalei. Fiz tudo só, porque, na hora da escala, o Dr. Benício disse: “Celso, eu não estou escalando ninguém para subir para o Palácio Piratini. A Rádio Guaíba, no momento em que chegar lá, não será a Rádio Guaíba, mas a Rede da Legalidade.” Eu disse: “Está bem”.

Eu instalei todo o equipamento sozinho no Palácio Piratini; às 14h30min, eu estava com a Rádio pronta, com o transmissor da Ilha da Pintada, avisei o Chefe de Imprensa, o jornalista Hamilton Chaves, que, em seguida, desceu com o Governador, e mais ou menos às 15h, 15h20min, ele fez o primeiro pronunciamento, um pronunciamento muito calmo, muito suave. Estava junto com o seu Ajudante de Ordens, o Capitão Nick, mais o locutor Naldo Freitas, que era locutor da Rádio Guaíba e do Palácio Piratini, e um jornalista jovem na época que era do jornal Última Hora, o Delmiro Soticher, hoje trabalha em São Paulo, na Folha de São Paulo. Quer dizer, daquele quarteto que estava ali, naquele momento, a única pessoa ainda viva sou eu e o Delmiro, que está em São Paulo. O Naldo, o locutor, faleceu logo em seguida, bem jovem; o Governador recentemente falecido também, o jornalista Hamilton Chaves, o Capitão Nick... O Governador, de hora em hora, descia e fazia um pronunciamento. Cada pronunciamento que ele fazia se tornava mais inflamado. Nós viramos a noite com pronunciamentos dele de uma em uma hora, duas em duas horas. Lembro que, lá pela meia-noite, começaram a chegar os tanques da Serraria. Foi ali que eu me dei conta de que eu estava fazendo uma coisa bem mais séria do que eu pensava.

Chegaram alguns estudantes da UNE, do Rio de Janeiro. Eu lembro que eu fui até o salão 2, que é aquele salão da esquina do Palácio, e aquela garotada chegou. Cada um passava a mão num 38 e ia para a janela enfrentar os tanques. Estava sentado num canto da sala o Prefeito de Guaíba, o Stringhini, e um daqueles milícias: “Prefeito, sobe aqui”. Ele disse: “Não, meu filho, fica por aí, que eu entro na primeira vaga”. Os garotos foram se dando conta; nós viramos toda a noite. Lá pelas 10 horas da noite, eu lembro que chegou atrás de mim um funcionário do Palácio com um balaio de 38, deu-me um 38. E eu disse: “Para que isso? Eu pedi café, não foi 38”. E ele: “Não, pega para ti, tu vais precisar disso mais tarde”. Então passei a mão num 38 da Taurus e num pacote plástico com balas. Coloquei aquilo no bolso e depois vi que eu tinha pegado balas de um 32, e o meu revólver era 38. Nós amanhecemos no Palácio. Havia pouca gente, poucos funcionários, porque praticamente não entrava e não saía ninguém. Estavam lá os setoristas de imprensa da época, dos jornais locais. Eu fiquei no Palácio as primeiras 24 horas operando a Rede da Legalidade. Só saí de lá à noite, depois do pronunciamento inflamado do Governador, que foi aquele das 11 horas da manhã, dizendo que o Palácio estava sendo ameaçado de bombardeio pela FAB. À tarde, na hora em que o General Machado Lopes compareceu ao Palácio, eu estava lá.

Então, os primeiros momentos eu vivi integralmente. Na terça-feira de manhã, eu fui escalado pelo Governador; a pedido dele, fui até Brasília colocar em funcionamento uma estação de rádio que era do escritório do Rio Grande do Sul, mas estava com as frequências todas inadequadas para a época. Quem comandava os escritórios de lá era o Coronel Portugal, da Brigada Militar. Fomos eu e o jornalista Hamilton Chaves. Viajamos daqui em um avião de carreira da Panair do Brasil, chegamos lá por volta das 11 horas da manhã. Às 3 horas da tarde, eu estava com a estação do Palácio no ar, com quatro frequências, falando perfeitamente com Porto Alegre. Naquela época, falar com Brasília era muito difícil. Não tinha telefone, você sentava um dia todo na frente do telefone esperando por uma ligação. Os Deputados Federais que estavam em Brasília estavam completamente por fora do movimento, não estavam sabendo o que estava acontecendo aqui, pois não havia comunicação, não havia telefone, os telefones todos ocupados.

Coloquei a estação em funcionamento, e voltamos à tarde, no mesmo avião – o Constellation, da Panair do Brasil. Vieram conosco mais alguns Deputados Federais. Em certa altura do vôo disseram: “Nós temos que passar no Rio para pegar mais Deputados Federais para nos acompanhar”. Lembro que estavam, no Aeroporto do Galeão, os Deputados Marques da Costa Santos, Neiva Moreira, e o comandante disse: “Mas eu não posso ir até o Rio. O nosso voo é um voo de carreira, e a escala é São Paulo/Porto Alegre”. Aí o Amir Domingues sugeriu o seguinte: “Vamos sequestrar o voo então. Este avião tem que pousar no Rio de Janeiro”. E foi feito. Foi lavrado um memorando, a bordo do avião, que todos os Deputados que estavam ali assinaram, e nós pousamos no Galeão. O avião nacional reabasteceu-se de gasolina e de alimentação para o pessoal, chegamos aqui à noite, com a missão cumprida. Voltei novamente para a Rede da Legalidade e fiquei operando. Vieram mais emissoras: depois entrou a Farroupilha, a Gaúcha, mais emissoras locais, e eu fui aos poucos largando.

Viajei para Montevidéu no dia 31 de agosto, para esperar o Presidente Jango, que estava chegando. O Presidente Jango fez uma viagem completamente diferenciada, ele estava na China, passou por Paris, Paris-Nova Iorque; em Nova Iorque, ele pegou um avião da Panagra e desceu pelo Pacífico, por Lima e Santiago, a Buenos Aires; em Buenos Aires, passou para um avião menor, da Intercontinental, e desceu em Montevidéu no dia 31. Fui convidado pelo Presidente Jango para entrar no avião. Entrei com um gravador grande, de rolo; puxamos o cabo de corrente para dentro do avião. Ele ia fazer uma conferência com o Tancredo Neves e o Embaixador do Brasil em Montevidéu na época. Ficaram lá mais de uma hora. Pus o gravador para gravar; quando entrei para desligá-lo, eles me pediram que tirasse as fitas. Eu tirei as fitas e entreguei para eles. Foi ali a tratativa para o Parlamentarismo.

De lá, fui para a Embaixada Brasileira, no Centro da Cidade, na Boulervard Artigas, e passei a noite lá a serviço já da Presidência da República. Naquela mesma madrugada, retornaram os dois aviões que saíram daqui, da Varig, com jornalistas e correspondentes estrangeiros que estavam em Porto Alegre. Permaneci em Montevidéu, também a pedido do Presidente Jango Goulart; voltei à noite no Caravelle da Varig. Aterrissamos aqui às 8h30min, 9h da noite. Houve um despiste aqui dizendo que o Jango estava viajando via rodoviária, mas pousamos aqui na calada da noite. Havia mais alguns jornalistas, lembro-me do Lucídio Castelo Branco, que estava a bordo também.

Passei toda aquela semana envolvido com a cobertura da Rede da Legalidade. Fui escalado, aí pelo engenheiro Homero Simon, para embarcar no avião do Presidente que o levaria até Brasília. A saída do avião estava marcada para o dia 5, mais ou menos por volta de 11h. Chovia muito em Porto Alegre. Eu disse: “Dr. Homero, até agora não sei o que vou fazer”. Eu estava com a roupa do corpo, molhado, sem dinheiro. Ele me disse: “Tu estás indo a Brasília, embarca no avião do Presidente, levas o ‘motorola’” - motorola era um daqueles equipamentos que a gente usava nas transmissões esportivas para reportagem - “e tu vais descer primeiro. Quando o avião pousar, tu desces e pões o motorola na boca do Presidente do Congresso, Auro Soares de Moura Andrade, para ele falar com o Jango Goulart. Um dos equipamentos vai ficar a bordo do avião, e tu vais pôr em contanto com o Auro Soares de Mouras Andrade, que vai garantir a descida do Presidente em Brasília, dizendo que ele pode descer que está seguro”. Tudo bem. Mas eu fiquei no aeroporto até às 3 horas da tarde, e o avião não decolou. Acabei saindo do aeroporto, fui na base aérea de São João, voltei e fui até o Palácio. Depois fui até em casa pegar roupa. Voltei de novo ao aeroporto para fazer essa missão, mas o avião já tinha decolado.

Nesse meio tempo, o Presidente resolveu decolar o avião, por volta das 5 horas. Quem estava no comando da operação era o Rubem Berta. Eu fui à noite, num avião especial que saiu daqui com os jornalistas. Fizemos lá a posse do Presidente, no dia 7 de setembro. Nesse meio tempo, nós alimentamos as notícias procedentes de Brasília. Já estava com a equipe da Rádio Guaíba, a serviço da Rede da Legalidade. Permaneci em Brasília até a hora da posse do Presidente Jango, dia 7 de setembro. Retornamos em seguida. Essa foi a minha participação na Rede da Legalidade, em 1961. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. JUREMIR MACHADO DA SILVA: Muito obrigado, Celso Costa. É uma belíssima história, com riqueza de detalhes. Memória excepcional! Muito bonito!

Registro a presença da Kika, como a gente chama a Maria Francisca Kika Mendonça, que era companheira do grande Joaquim Felizardo, historiador, sociólogo, homem muito importante na cultura do Rio Grande do Sul e que fez um pequeno grande livro sobre a Legalidade: “O Último Levante Gaúcho”. Eu até diria que o meu acréscimo a esse livro - que é maravilhoso, realmente é o “caminho das pedras” nesse tema - era para dizer: o último levante gaúcho da era do rádio, porque o Professor Felizardo já tinha dito tudo sobre esse tema. É um livro pequeno, mas que, de fato, é um grande livro sobre a Legalidade.

Eu passo a palavra, agora, ao Victor Douglas Nuñez, que também estava lá no Mata-Borrão, esse pavilhão da Av. Borges de Medeiros, comandando. Ele era da coordenação do comitê instalado no antigo Mata-Borrão. Então, o homem estava lá, na célula principal da organização dos voluntários para a resistência! Não preciso dizer mais nada.

Passo a palavra ao Victor Douglas Nuñez.

 

O SR. VICTOR DOUGLAS NUÑEZ: Srª Presidente, a esta altura da vida, octogenário, eu tenho uma enorme preocupação com a história que meus netos poderiam alcançar quando tivessem uma idade de raciocínio especial. Até penso em escrever, em tom de fábula, alguma coisa para contar para eles o que foi aquele período, que a historiografia conta muito mal. Eu vou começar com o título roubado do livro Scliar: “O mês dos cães danados”. Eu tenho uma neta de cinco anos. No mês dos cães danados, no mês de agosto em que o Brasil se acostumou a receber notícias tristes, aconteceu, e eu vou ter que contar isso.

Primeiro, no que me concerne, e com isso eu invoco uma pessoa causadora de tudo isso, eu teria que começar explicando para minha neta o que é o mata-borrão. Eu acho que aqui poucas pessoas – parece-me que são quase todos jovens –sabem o que é mata-borrão. Mata-borrão é um objeto que as crianças de grupo escolar eram obrigadas a usar num tempo em que não havia canetas-tinteiros. A gente era obrigada a levar a caneta, a pena e o tinteiro, e aquilo borrava; então havia uma coisa chamada mata-borrão, que envolvia um papel secante para não permitir que borrasse todo o trabalho. Seria muito bonito, e, noutra vez que eu tenha que falar, vou trazer o mata-borrão para mostrar que tenho.

O que representou o mata-borrão? Aquele objeto que servia para prevenir o estrago dos trabalhos escolares, algum desenhista ainda vai ter que fazer esse mata-borrão borrando o golpe, para ter uma visão clara do que foi tudo aquilo. Por que eu digo isso? Porque há uma crítica que a gente deve fazer à historiografia. Eu tenho aqui, por exemplo, um livro de um autor acreditado que se chama Hélio Silva, é uma coleção enorme sobre a História do Brasil. Até há pouco tempo, o que eu lesse desse autor mereceria de mim a mais alta consideração. Só que agora, depois de passados esses 50 anos, eu me surpreendi quando vi, por exemplo, o título de um livro que se chama “A Renúncia”, de 1961, onde está relatado todo o episódio da renúncia na ótica principalmente dos acontecimentos entre os militares e o Parlamento. Para surpresa minha, eu procurei, mas não achei nada sobre o episódio que estamos comemorando agora; nada, senão, de passagem, no livro “As Crises e as Reformas”, numa referência que se limita a quatro páginas. Então, se a minha neta e os meus netos lessem isso, ficariam surpresos e perguntariam: “Por que, 50 anos depois, se comemora tanto um episódio que os sérios historiadores analisaram em quatro páginas?”. Teriam que perguntar: “Vô, essa gente tem esse poder de síntese tão grande?”. Ou nós fomos ignorados e injustiçados?

Eu quero só reproduzir que o supremo injustiçado é exatamente o General Machado Lopes, porque foi esse homem que, a princípio, tomou uma posição em obediência à hierarquia do Exército, dizendo que obedecia aos seus superiores. Esse homem manteve-se naquela posição, andou tomando umas iniciativas, que se frustraram, mas depois mudou de entendimento e ficou também firme nesse acompanhamento à Legalidade. Vejam o que diz o autor sobre o General, depois de escrever tanta coisa. O Comandante teria ido até o Palácio (Lê.): “Lá, entretanto, em conversa com o Governador, no meio daquele ambiente exaltado e francamente revolucionário, ele se viu envolvido pelas mesmas ideias e mudou seu modo de pensar”. Não é justo dizer isso do General. O General quando foi ao Palácio foi levar um comunicado do pensamento do Exército; os generais, por maioria, entenderam que o 3º Exército deveria alinhar-se - não aderir - ao movimento da Legalidade. Não é justo dizer isso do General, e respeitamos a sua vacilação, mas também louvamos a firmeza quando resolveu acompanhar o movimento de Leonel Brizola e de todo o povo gaúcho.

Eu quero dizer que participamos anteontem de uma cerimônia no Instituto Histórico e Geográfico, quando homenagearam duas instituições: a Brigada Militar e o Movimento de Resistência Democrática. Por quê? Porque nós achávamos que a atuação da Brigada, a atuação do Mata-Borrão e da Resistência Democrática seriam, sim, lembrados aqui ou em outra parte, mas sempre de relance, sem que se dê relevo a essa atuação. Por exemplo, a Brigada. Quem derramaria o primeiro sangue? Quem seria a primeira vítima do enfrentamento, que esteve na iminência de se processar? A Brigada Militar, quando o Exército recebeu a ordem, exatamente o Capitão Pedro Américo Leal, de ocupar a planta da Guaíba. O Pedro Américo argumentou, um Capitão argumentou - vejam a ousadia –que haveria derramamento de sangue, ponderou isso ao General. Essa ordem foi dada outra vez, mas, felizmente, não foi executada. Pedro Américo receberia até pouco tempo, se a gente não faz a revisão, os meus encômios, a minha exaltação, meus preitos de gratidão, pela coragem que teve de enfrentar uma ordem direta do Supremo Comandante do 3º Exército.

Não fosse o fato de que agora, quando se está fazendo a revisão, de sua boca - foi registrado pelos jornalistas -, ele teve uma bendita ideia que desfaz totalmente aqueles méritos que ele acumulou naquele momento. A ideia do Capitão era de que se ocupasse a energia elétrica e a água, de que se cortasse esse serviço à população de Porto Alegre. Imaginem o caos que isso representaria; imaginem o que é ser trancado num elevador; imaginem o que é não ter água, não ter luz. A ideia, felizmente, caiu no vazio, porque isso é uma coisa que os historiadores devem investigar. Eu imagino que o Quartel General do 3º Exército, situado no começo da Rua da Praia, teria um gerador próprio para fazer funcionar. Eu acho que, se essa ideia vitimasse a população de Porto Alegre, também faria com que o Comando Supremo do Exército ficasse à luz de velas. É possível conceber tanta insanidade presente? Por isso eu invoco a análise do Scliar: “Era o mês dos cães danados”, porque ideias desse calibre andaram vigentes, quer dizer que não se pensou no povo, não se pensou nos que queriam resistir, e se tomaram medidas desse tipo. Houve ordem de bombardeio de Porto Alegre, como houve ordem de bombardeio também, o efetivo bombardeio, de Buenos Aires alguns anos antes; como também, na Espanha, Guernica foi bombardeada. Seria, no episódio da história, a terceira vez no mundo em que haveria bombardeio de população civil, que hoje está sendo tão frequente em todo o mundo, infelizmente.

Vejam bem, eu quero relembrar isso e parece que não estou no meu tema, o que querem ouvir de mim? É algum testemunho sobre o funcionamento do Mata-Borrão, como funcionou aquilo? Como se deu? Por ousadia do povo, por ousadia de pessoas anônimas, que não se assustaram, como o Costa deu o testemunho, com embaraços meramente burocráticos. Como é que entrou o povo no Mata-Borrão? Estava lá um guarda e disse: “Se querem usar, eu entrego as chaves, mas tem que me trazer um ofício”. E eu pergunto: “É tão difícil um ofício?”. É preciso levar uma assinatura com firma reconhecida? Não, na singeleza desse guarda, pediu um ofício, máquina de escrever era uma coisa comum em toda parte, alguém requisitou o Mata-Borrão a serviço da Resistência Democrática; entregou a ele, e ele entregou as chaves.

Outra maravilha impossível - os historiadores, especialmente Rafael Guimarães, contam: nós tínhamos 650 mil habitantes em Porto Alegre naquela época, e telefone era um objeto de desejo de toda a população de Porto Alegre, as filas de espera demoravam anos. Muito bem, o que aconteceu? O povo já estabelecido ali, a Rede da Legalidade daqui a pouco iria funcionar, e disse-me o Presidente em exercício do Sindicato dos Telefônicos: “Doutor” - eu não era o comandante, eu era simplesmente aquele advogado que estava ali trabalhando, eu trabalhava no Sindicato dele, por isso ele me chamava de doutor -, “O senhor quer um telefone?”, “Mas claro que quero, como é que eu não vou querer um telefone?”. Ele disse: “Faça uma requisição”, eu questionei: “Meu Deus, outra requisição?” É bom recordar que, naquele tempo, um americano ainda estava mandando na Telefônica. O Brizola tinha encampado a energia elétrica, mas ainda, com aquela resistência toda, ele estava negociando assumir a Telefônica. Ainda estava o gringo mandando aí. Muito bem! Eu presumi que o ofício iria chegar lá e seria, evidentemente, recusado, de forma até violenta. Meia hora depois – é verdade que era só atravessar a rua, o Mata-Borrão estava situado exatamente em frente à Telefônica – o telefone estava instalado e funcionou, desde aquele dia – não lembro qual foi o dia – até 20 de setembro. Foi, na história, um telefone público de toda a Porto Alegre a serviço da Legalidade Democrática e a serviço da população. Quantas vezes eu ouvi, o que se faz hoje, tranquilamente, num celular: “Alô, mulher, eu vou chegar um pouquinho mais tarde, porque eu estou aqui na Resistência Democrática.” Eram explicações que seriam, evidentemente, naturais, toleráveis e até incentivadas, afinal é preciso dar uma satisfação àqueles que ficam na retaguarda.

Esse fato me assustou, eu não estava considerando, naquele momento, a possibilidade de luta armada. Eu disse: “Meu Deus, será que nós temos tanta força assim?” Tivemos! Nós conseguimos o Mata-Borrão, conseguimos o telefone, e aquilo funcionou como uma casa milagrosa, onde cada um fazia o que podia, como podia, enquanto podia. Não tinha horário, não tinha que bater cartão-ponto, nem tinha - como se diz por aí - trabalho feito por funcionários públicos. Não perguntavam para ninguém o que era e o que não era. As comissões de alistamento me surpreenderam, porque, de repente, o povo todo - e eram até umas perguntas maliciosas - perguntava: “Qual era o objeto da entrevista?” A primeira coisa era se tinha condução. E está referido no livro do Juremir o José Mariano Roncato, que era um engenheiro-agrônomo, que colocou à disposição a sua kombi e passou todo o tempo prestando esse serviço. “Tem condição? Tenho. Tem e sabe manejar arma? Tem experiência em enfermagem, em medicina?” - tudo isso era perguntado, e depois as pessoas eram dirigidas para uma entrevista específica.

Ali também se registravam os comitês de resistência, que eram criados, praticamente, em cada quadra no Rio Grande do Sul. E aquilo funcionou. Dá para dizer o seguinte: eram dois centros irradiadores. Um, o oficial, lá no Palácio, ao qual o povo não tinha acesso fácil, digamos assim; o outro era o Pavilhão da Resistência Democrática, aqui na Av. Borges de Medeiros. Então, ali a criatividade era desatada, incrível! Vejam, conseguir um telefone, que triunfo! E mais ainda: ali se organizaram, ali se situou, e isto ninguém diz, enquanto o Lauro estava lá no Palácio fechado, sacrificado, prestando um serviço maravilhoso, porque o que deu credibilidade à Resistência Democrática foi aquela voz do Repórter Esso... O Lauro disse muito bem: “Eu vendo minha voz, mas não vendo minha cabeça, meu pensamento!” (Palmas.) Vocês vão me perdoar, eu me emociono com demasiada facilidade... Então, ali houve iniciativas incríveis, incríveis, incríveis! Além desse alistamento, o Caio já falou, os pelotões não tinham experiência militar.

Até, em depoimentos de um pessoal mais intelectualizado, que saiu de uma reunião lá do Teatro de Equipe, eles acharam muita graça em ver um pequeno agrupamento de 40, 50 pessoas, de tranviários marchando... Nem marchando, caminhando! Era uma passeata, e eles acharam graça da falta de jeito, mas em seguida tomaram jeito, sim, porque o Caio e outros ensinaram pelo menos a marchar! E aquilo, minha gente, tinha que impressionar muito! Já imaginaram 200, 300, 500 pessoas desfilando todos os dias? E em relação a isso vai uma crítica à Imprensa: quem viu tanto destaque, senão só de passagem, a esses chamados batalhões de operários? Muito de passagem! É muito difícil de encontrar registro gráfico, registro de fotografia. Por quê? São coisas que a gente deveria analisar com um certo tempo.

Eu quero dizer que é importante também saber que ali, no mesmo local, estava situada uma entidade que também não será muito lembrada, porque era demasiado subversiva até para os tempos de hoje: o Comando Sindical Gaúcho Unificado. Ali, numa época em que os sindicatos só podiam se relacionar verticalmente, estavam os sindicatos todos esquecendo as suas divergências. E até mesmo os pelegos! Os chamados pelegos participavam disso tudo aí, porque não queriam ficar mal com a sua classe. Ali, então, se transmitiam diretrizes, ensinamentos para as assembleias que cada uma das categorias realizava. Quem é que sabe disso? Onde está registrado isso? Não há nada. Toda essa atuação dos sindicatos...

E vamos nos lembrar do seguinte, não sejamos inocentes: o outro lado tem o seu serviço de inteligência, o outro lado já tinha mandado os seus agentes para cá, o outro lado já tinha tirado o cristal de duas rádios, o outro lado já estava registrando a atuação de cada um. Na minha ficha política consta, para honra minha, que eu participei das atividades do chamado Mata-Borrão, aquela coisa toda. E essa gente estava trabalhando aqui para conseguir dividir e separar. Por exemplo, era importante que o Rio Grande do Sul mostrasse - como mostrou - a união acima de todos os partidos e o amparo às instituições, a defesa da legalidade. Aqui nós não poderíamos ter greve, porque a greve afetaria o funcionamento do Estado. Mas fora daqui, na Guanabara, em São Paulo e em outros lugares, a greve se justificava. E lá foram tentadas diversas greves e, efetivadas, prejudicaram o outro lado.

Eu quero dizer o seguinte, só um relato, porque eu não sei quanto tempo eu tenho, não há controle, e eu acho que não devo monopolizar... Quando vocês cansarem, digam-me, façam um sinal, olhem para o relógio! Bom, contado o esquema de dois centros, um centro irradiador seria o nosso popular, e o fato de albergar o comando sindical foi muito importante, e é preciso ressaltar isso. O desfile dos batalhões de operários, que aprenderam a marchar com a orientação do Caio, e com os oficiais do CPOR, e com os antigos integrantes da Força Expedicionária Brasileira, que também estavam colaborando, como o Castellan - o Castellan teve muita importância... Eles passaram briosamente a dar uma demonstração de desempenho; não era uma passeata, eram batalhões de ordem unida marchando com o maior garbo, com a maior coragem. E, ali no comando sindical, tomavam-se iniciativas... Eu estou relatando coisas que não são minhas, são coisas dos outros companheiros, iniciativas inimagináveis.

Recorda-se que, em um certo momento, para desmanchar a unidade do Exército, do 3º Exército, o General Cordeiro de Farias foi mandado aqui com o cargo de General-Comandante da 3ª Região Militar. Os que examinam esse fato dizem: “Por que o General Cordeiro de Farias não veio?”. O que foi que houve? Parece um mistério! Evidentemente, o General recebeu as informações corretas sobre como andavam as coisas aqui. Neste momento quero relatar o fato de que uma página do Correio do Povo de então dizia assim: que o Marechal passou a mudar de pensamento quando um amigo dele levou jornais do Correio do Povo para ele ler. Aí, então, ele vacilou e se tornou mais prudente e não veio. Se ele viesse... O que o General Machado Lopes tinha dito? “Se ele vier, ele vai ser preso; se ele vier, ele vai ser recambiado”, dispôs-se nesse sentido. Era a disposição da Brigada Militar de fazer parte dessa comissão de recepção, disposição do Exército, também, de fazer parte dessa comissão de recepção e a efetiva participação do Mata-Borrão nesse episódio, porque naquele momento não se confiava muito na firmeza das posições, especialmente em relação aos militares, porque, diante de uma hierarquia mais alta, o dever da obediência é uma coisa muito séria. O dever da obediência era uma coisa que pesaria muito. Então, o pessoal do Comitê de Resistência Democrática, junto com o pessoal da Varig, junto com os aeroviários, acertou essa operação que eu chamaria de boas-vindas ao General Osvaldo Cordeiro de Farias.

Consistia num fato inusitado: não é comum que um avião seja recebido e que duas escadas sejam colocadas; uma, na parte da frente; outra, na parte de trás. E subiriam, antes de qualquer outra coisa, dois dos nossos - um deles era meu compadre, o espanhol, e um outro companheiro -, os dois entravam ao mesmo tempo e começavam a revistar os passageiros. Claro que o General não viria sem a sua segurança. Mas, vejam bem, poderiam resistir quando, de um lado, havia uma pessoa, um voluntário dos nossos com uma metralhadora, e, do outro lado, outro com metralhadora? Eu acho que a comissão de recepção seria convincente a ponto de usar o esquema que o Exército tinha acertado, o de receber o General dizendo: “Muito bem, General, o senhor nem pegue a sua bagagem, embarque nesse avião e vá para a casa”. Felizmente, ele não veio, não houve esse enfrentamento.

Agora, para aqueles que duvidam, que só um milagre... Não houve! Isso eu digo, é um milagre de união e um milagre, digamos assim, de espírito. O Brizola tinha dito... Eu me lembro de que essa faixa foi pintada no Comitê de Resistência: “Brizola: não daremos o primeiro tiro, mas o segundo e o último”. Então, isso era o que presidia o movimento! Isso era o que orientava o movimento. E não houve, nem dum lado, nem do outro, um afobado, um “faísca adiantada”, como a gente diria, que tivesse tomado a iniciativa de dar um tiro. Não houve nenhum tiro, não se derramou sangue, nem da Brigada, nem de ninguém. Mas a resistência democrática estava preparada para outra coisa. Tanques! Que medo dos tanques! Os tanques da Serraria, coitadinhos! A gente sabe que eram mais objetos de museu, porque, quando saíram, metade deles ficou pelo caminho. Mas, ainda assim, aqueles poucos tanques teriam enfrentado uma coisa que, naquele tempo, valia. Quem não se lembra do que seja uma bomba molotov? Uma garrafa com combustível, um pavio, acendia, atirava e explodiam tanques com seus armamentos, aquela coisa toda. Pois bem, 500 bombas molotov foram fabricadas e estocadas num hangar do DAC, o Departamento Aeroviário, em Porto Alegre. E não foi só estoque! O Castellan, ex-pracinha, treinou os seus vizinhos para enfrentar tanques: a entrar num bueiro, colocar a garrafa lá, acender e atirar. Ele argumentava assim: “Nós temos que defender a nossa vida, a nossa liberdade”, e havia o grande argumento: “... e as nossas propriedades.”

Pois bem, vocês imaginem que existem milhões de histórias que eu posso contar. O Caio me lembrou muito bem da existência de um papeleiro – hoje se chamaria papeleiro – que ganhou o grau de sargento. Eu virei comandante, não sei por que, mas nós tivemos ali a presença efetiva da Brigada Militar. Num certo momento, quando eu cheguei, e eu não tinha graduação nenhuma, eles estavam pintando uma faixa; eu peguei um pincel e comecei a pintar também. Um cidadão, de mais idade do que eu, começou a fazer o mesmo serviço e disse assim: “Como é que você se chama, meu companheiro? Nós somos tão poucos e nem nos conhecemos!” Eu disse: “Eu me chamo Victor. E o seu nome?” Ele disse: “Nei.” Três dias depois, ele se encontra comigo e diz assim: “Mas como? O senhor não me disse que era Victor Douglas Nuñez, advogado!” Eu respondi: “Como o senhor não me disse que era Nei Bueno, Coronel da Brigada Militar!” E, naquele momento, ele não era pouca coisa, porque detinha o controle da gasolina de Porto Alegre. As pessoas que não quiseram participar e achavam que iam levar vida de férias, indo para Gramado ou Canela – que já existiam na época –, estavam controladas, porque a gasolina era guardada para o abastecimento da Capital, para o funcionamento da Cidade.

Eu peço que me dispensem de relatar mais fatos ocorridos dentro do Mata-Borrão. O funcionamento não era hierárquico, não havia quem mandasse. Eu não sei como classificar. Não sei se a organização era assim como desejam os anarquistas: cada um de acordo com a sua possibilidade, de acordo com a sua responsabilidade, sem obedecer à hierarquia nenhuma. A gente tinha um setor para trabalhar e não interferia no setor ao lado, como eles também não interferiam no setor da gente! Assim funcionou maravilhosamente o Comitê Central da Resistência Democrática. Eu quero dizer apenas o seguinte: o espírito que norteava tudo isso evidentemente obedecia... Não era simplesmente - eu posso ler os documentos aqui - a obediência à Constituição. Mas o que significa obedecer à Constituição? Obedecer às leis e pensar também no progresso, que seria cortado se a Constituição fosse desrespeitada. Esse era o espírito. Tanto que houve um poeta popular... Sempre surgem essas coisas de cordel, o povo improvisa, e eu gostei muito de que fosse reproduzido, nos cartazes e nas faixas, o seguinte dístico: “Nesta terra, a gente nasce e vive livre até que morra!” Só. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. JUREMIR MACHADO DA SILVA: Muito obrigado ao Sr. Victor Douglas Nuñez por esse relato, que, como vocês viram, foi emocionado e emocionante, riquíssimo em detalhes, aprendemos todos muito neste momento.

Está presente aqui um daqueles heróis lá da Base Aérea, Sr. Caetano Vasto, que vai ser apresentado pelo Ver. Bernardino Vendruscolo.

 

O SR. BERNARDINO VENDRUSCOLO: Presidente e demais autoridades aqui presentes, só gostaria de antes justificar a ausência do Ver. João Antonio Dib, que pediu que eu comunicasse a todos que, em razão de ter um compromisso médico, precisou sair. Encontra-se aqui o Vasto. O Vasto é uma figura que eu aprendi a admirar, o Caetano Ângelo Vasto. Um dia, Presidente, ele me disse - ele é um dos sargentos, um dos líderes daquele ato, daquele bravo ato coletivo dos sargentos de impediram a decolagem dos aviões: “Bernardino, os aviões não eram o problema. O problema era que os aviões estavam carregados, estavam municiados, e aquele tipo de munição, na época, se a aeronave decolasse com aquela munição, não aterrissava com a munição, precisava soltar a munição ou atirar. Por isso nós estávamos preocupados”. Pois ele está aqui, e eu gostaria de que ele também pudesse participar desta Mesa, o nosso Suboficial Vasto, que, diga-se de passagem, Presidente, era Suboficial na época e o é até hoje. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Queremos acolhê-lo, por favor, componha a Mesa conosco. (Pausa.)

 

O SR. JUREMIR MACHADO DA SILVA: Muito bem! Enquanto o nosso Subofical Vasto vem para a Mesa, vou apresentar o nosso próximo conferencista, o nosso próximo participante, o jornalista Índio Vargas, advogado, jornalista na época e que dispensa grandes apresentações. Passo a palavra logo a ele, para que faça seu relato, com suas lembranças, para ilustrar um pouco mais sobre como foi esse grande momento da Legalidade.

 

O SR. ÍNDIO VARGAS: Srª Presidente da Câmara, Verª Sofia Cavedon; Dr. Miguel do Espírito Santo, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico; Professsor Douglas Nuñez, conferencista do detalhe, da crítica da história, ele deveria ter mostrado o título do livro do Hélio Silva, ele esqueceu de mostrar. Eu também gostava muito do Hélio Silva. Vejam: “A fuga de João Goulart”. Ora, se o João Goulart...! Já não fez a guerra, o Ladário Pereira Teles ficou com as tropas dele imaginariamente mobilizadas: “Temos condições de resistir”. E o Jango disse: “Se for para correr sangue, não aceito esta solução”. Pois o homem pôs este título no livro, esse Hélio Silva, historiador oficial, da história oficial, a historiografia chancelada pelas classes dominantes: “A fuga de João Goulart”. Se ele ficasse aqui, ia parar lá onde nós todos paramos, na Ilha da Pintada, ia comer feijão com arroz lá do Presídio Central.

Bom, eu não vou fazer crítica, nem nada, vou simplesmente dizer por que eu cheguei lá nessa história da Legalidade. De repente, estou no Palácio lá e participo daqui e ando ali, procurando fazer a minha atribuição, a atribuição para a qual eu fui designado. Antes de o Jânio renunciar, no dia 25, eu fazia cobertura jornalística para o Diário de Notícias, jornal que, depois do Correio do Povo, era o mais importante aqui, era do Chateaubriand. Eu tenho uma história complicada, eu venho do Chateaubriand. E há mais: eu, antes, era do jornal A Hora. A Hora era um jornal feito com apoio do Governo Getúlio Vargas, feito pelo Samuel Wainer. Tinha a tarefa muito abrangente de dar cobertura ao Governo democrático de Getúlio Vargas; a ditadura ficou para trás, aquela ditadura foi só para acertar as contas. E havia uma redação no Rio Grande do Sul, uma em Brasília e outra em São Paulo, fora do Rio de Janeiro, que era a sede do jornal Última Hora, e aqui apareceu como o jornal A Hora, meio disfarçando. Havia um homem de empresa, um empresário que foi Senador do PTB, velho, que era o Presidente do A Hora. Eles diziam que o A Hora era o jornal mais moderno, em cores, diagramado - diagramado era uma coisa muito importante.

Eu estava na Faculdade fazendo curso de Jornalismo e fui lá pedir para fazer um teste. Mandaram-me fazer uma série de reportagens. Eu contei para o Juremir que a reportagem que eu fiz, a série, ia começar com uma; a segunda e a terceira dependiam da primeira, é claro. Eu contei para o Juremir, em uma entrevista, que era sobre o descobrimento do Brasil, uma tese nova, uma tese que ia surpreender todo o mundo. Era um professor da UFRGS, Hans Stauffer, um alemão, vindo de Berlim direto, para fazer a reformulação de como o Brasil foi descoberto. Não havia nada de novo: era aquele problema do mar; o movimento do mar desviou as caravelas, ficaram algumas pelo meio do caminho, e outras chegaram aqui. Rezaram a missa, escreveram a carta, pediram emprego e disseram que o Brasil estava aqui, que viessem, que eles iam fazer uma divisão em 12 capitanias. Fizeram, duas deram contra, e as outras nem vieram aqui ver as terras deles. Agora, nós estamos aqui disputando a terra.

Bom, então eu estava lá, entrei no jornal A Hora. De repente o Chateaubriand, que era o rei da imprensa no Brasil, na época, comprou o jornal A Hora. Comprou não o A Hora; comprou o equipamento gráfico do jornal A Hora. Comprou o equipamento e disse: “Quem quiser vai, quem não quiser fica”. Bom, tinha uns bem de vida e já com nome... O Lauro Shirmer, por exemplo, não ficou, e outros lá: o José Guimarães; o Capitão Erasmo Nascente, que era jornalista importante, era do Exército, mas escrevia um bom texto. E o que aconteceu? Eles compraram para o Diário, e eu fui comprado junto! Foi a minha primeira venda. A segunda não saiu ainda, porque 64 me engoliu. É por isso que eu fiquei de repórter; já fazia cobertura para o jornal A Hora lá no Palácio Piratini, cujo Governador era o Brizola. Eu fiquei lá, e, quando saiu a renúncia, o Diretor do Jornal Diário de Notícias, Ernesto Corrêa, me chamou e disse: “Olha, a tua missão agora não é fazer aquela cobertura rotineira. O Brizola se levantou, e ele é duro. Eles vão enfrentar um problema complexo, o Brizola está muito bem calçado. Tu tens que acompanhar passo a passo os movimentos do Brizola, porque ele vai concentrar tudo na mão. O Brizola vai ser a tua fonte de informações”.

Ocorre que o Brizola não era de intimidades. Ele era educado, fazia um certo charme e tal, atraía as pessoas, tinha uma aura boa, mas um pouco de longe; de muito perto, não. E eu, como era muito amigo do Hamilton Chaves, Chefe de Imprensa do Brizola, disse: “Hamilton, eu estou com uma missão aí dificílima, eu só não recusei porque eu estou lá comprado e estou trabalhando naquele jornal e não tenho emprego, eu estou fazendo um curso aí”. Ele disse: “Não, eu vou te arrumar um negócio”. O Gabinete do Brizola era no primeiro andar do Palácio Piratini, e, nesse primeiro andar, havia o Gabinete, tudo pintado pelo Locatelli, coisas italianas e francesas, tudo fino, e, no resto, ele mandou botar umas divisórias de pinho, para o Cibilis da Rocha Viana dirigir o GAP, ou seja, o Gabinete de Administração e Planejamento, de onde saía tudo o que o Governo ia fazer. Ali tinha papel, e livro, e tudo. Eu fiquei ali, fiz uma experiência e vi que dava para ouvir o Brizola no telefone. Naquele tempo os telefones eram muito ruins, eram péssimos os telefones; tinha que berrar: “General, esta é a nossa vez, General; eles querem simplesmente dar um golpe para realizar os seus sonhos, que vêm desde 32”. Desde 1932, na revolução que eles diziam “constitucionalista”. Não era constitucionalista coisa nenhuma! Eles queriam a classe dominante reunida, financiada pelo Estado de São Paulo, pelo jornal Estado de São Paulo, para, em primeiro lugar, garantir a presidência, que Minas e São Paulo dividiam há muitos anos; eles queriam dominar a Nação e “ter a chave do cofre”. É claro, porque todo o governante, quando vai à luta e se empenha mesmo, a primeira coisa que ele faz é controlar a chave do cofre.

Eu fui ali e vi que dava para ouvir. No segundo dia, o Brizola já tinha vindo lá do... Tinha acontecido aquele negócio no Parque Farroupilha, ele estava lá com os militares, nas comemorações pelo Dia do Soldado e tal, ele veio e foi; quando chegou ao Palácio - ele veio da Caixa Econômica, da Rua Dr. Flores esquina com Rua da Praia -, já tinha uma multidão, multidão não, já tinha um povo exaltado gritando: “É golpe, é golpe!”. O Brizola acreditava, estava convencido de que haviam dado um golpe no Jânio. Pela campanha. Eu participei da cobertura da campanha tanto do Jânio como do Lott, uma campanha difícil – um país continental, um horror, avião para lá, avião para cá, e corre, e faz -, e o sujeito, sete meses depois, joga tudo fora? Eu achei loucura. Quando o Hamilton chegou ao porão, disse “O Jânio renunciou” – nós ficamos estupefatos – “e a agência France-Presse já deu a notícia”. Eu pensei: “Está definida a coisa”.

Bom, aí ninguém acreditou muito, achavam que era golpe; o Brizola achava que era golpe, tanto achava que foi para o Gabinete do Presidente da Caixa e, de lá, telefonou já para o Eliseu Paglioli, Reitor da Universidade Federal; era um neurocirurgião, um homem importante aqui, e já tentou se comunicar com o Jânio para dizer que ele viesse para o Rio Grande do Sul instalar o Governo, porque, no dia 25, o Jânio foi à Parada Militar, homenageou os soldados, desfilou lá, saiu de lá, foi para o Palácio e redigiu um bilhete para o Congresso. Dizia ele: “Por este instrumento, cujas razões estão com o Ministro da Justiça que será apresentado ao Congresso, renuncio à Presidência da República”. E ficou aquilo ali um negócio completamente sem sentido, uma coisa vazia, não dava explicação. Mas ocorre que era dia 25; no dia 26, ele viria para o Rio Grande do Sul. Sabe onde é que ele iria se hospedar? Eu fui tirar a credencial para poder fazer a cobertura. No Quartel General do 3º Exército. Lá tinha um apartamento reservado para ele. Ele sempre foi ligado aos militares.

Então, aquilo tudo, o negócio do Jango estar na China conversando com Mao Tsé-Tung, acendendo o cigarro do Mao Tsé-Tung, no tempo que se acendia um do outro, e ficava bonito... Agora, é um... Estava tudo articulado, eles estavam articulados, os três Ministros Militares sabiam da renúncia; só quem sabia das renúncias no Brasil eram cinco pessoas: eram os três Ministros Militares - Aeronáutica, Marinha e Guerra -; o Oscar Pedroso Horta, Ministro da Justiça, que levou na Assembleia o bilhete que o Jânio mandou, renunciando, e o Carlos Castello Branco, que era o Secretário de Imprensa do Jânio. E mais ninguém sabia. Eles sabiam, eles estavam sabendo; eles fizeram aquilo tudo porque eles sabiam que ele estava na China e tudo. Tudo estava armado, não tem nada por acaso, não tem nada de coisa muito louca aí. Não é muito louca, não; é muito sabida, um negócio de esperteza, estava tudo articulado para chamarem os Governadores. Chegou o Governador do Paraná, lançou manifesto, com o apoio da Assembleia de lá, pedindo que o Jânio segurasse, que as forças populares iriam apoiá-lo e dar os poderes que ele precisaria para governar. O Jânio se elegeu, derrotou o Lott, ele não tinha programa de governo, vocês sabem que ele governava dando bilhetinhos: eram bilhetinhos para os ministros. Aos ministros não se dão bilhetinhos, com ministros se faz uma reunião e se discutem as ações que serão realizadas.

Se eu for nesse diapasão, vou contar toda essa história e será muito longa. Eu só vou dizer o seguinte: eu fiquei impressionado com tudo isso porque eu era meio novo ainda. Naquele tempo todo mundo era novo, eu acho que até o Matusalém era novo! Eu era muito novo, estava assistindo a tudo e pensava: “Mas esses caras!”. Mas o Brizola tinha tudo para fazer aquilo! Por que houve a tal da unanimidade que o Nelson Rodrigues achava – e deve continuar achando ainda, ele sempre gosta de aparecer, ele ia ao jogo, mas fazia uma crônica como se fosse... Ele dizia que toda unanimidade era burra, mas essa não. O Hamilton recebia as correspondências dando apoio à Legalidade, as das pessoas importantes ele separava. Veio um telegrama do Dr. Décio Martins Costa – o Dr. Décio Martins Costa era Presidente do Partido Libertador, o mais feroz e ferrenho algoz do Governado Brizola e do Trabalhismo – apoiando a Legalidade e falando no Estado Democrático de Direito. Então eu dizia: “Depois que o Partido Libertador apoiou, o movimento fez-se unânime.” Tanto é que se reuniram, aqui na catedral, três pessoas: Peracchi Barcellos, Loureiro da Silva e Dr. João Dentice, para ver se faziam uma resistência contra a mobilização popular que o Brizola estava promovendo. Ora, e o Dom Vicente era muito político, era muito mais político do que todos os políticos juntos, ele nunca disse não para o Peracchi, nem para o Loureiro, ele foi indo, mas, quando viu que não tinha mais nada a favor do golpe, ele fez um pronunciamento e disse que seria um dos primeiros a apoiar.

Bom, vou encerrando por aqui, se não vou começar a contar muita coisa, e algumas coisas ainda não devem ser contadas. Mas vou dizer o seguinte: eu fiquei muito impressionado, e eu nem era formado em Jornalismo ainda, eu era um iniciante - foca, como a gente chamava. E impressionou-me muito: primeiro, o pessoal achava que essa unanimidade era quase que inexplicável. Não era inexplicável, era facílima de explicar, porque o que o Brizola queria? Por que o povo se mobilizou quase que espontaneamente? Eles faziam as coisas com competência, com determinação. A capacidade de mobilização do povo é muito grande, é muito maior do que podemos pensar. Eles se organizam e vão fazendo as coisas. O Victor Nuñez pode testemunhar isso que houve lá no Mata-Borrão. Então, o Brizola tinha tudo, tinha que defender a Constituição. O papel do Exército é defender a Constituição e impedir que o País seja molestado em qualquer sentido. Ele defendia a Constituição, a preservação das instituições, o Estado Democrático de Direito, a obediência à lei, o direito dos cidadãos, o cumprimento da decisão do povo brasileiro que elegeu, pelo voto direto, o Sr. João Goulart como Vice-Presidente. Na ausência do Presidente... O Presidente renunciou, e não explicou até hoje por que renunciou - explicou para alguns. Então, ele tinha tudo, tudo era a favor dele. Foi a melhor causa que ele pegou na vida, tudo era a favor, ele não encontrou obstáculo nenhum do povo brasileiro para aquilo. Esse é o motivo pelo qual houve essa unanimidade, que geralmente é muito difícil e que chegam a chamar de uma atitude burra, porque todos querem a mesma coisa, não há contradição, então não se dialetiza, a unanimidade não pode ser dialetizada, porque não existe o contrário.

Como é que dizia Mao Tsé Tung? Mao Tsé Tung era meio filósofo, tipo o Juremir, o Juremir está representando aqui não o Mao Tsé Tung, mas a filosofia, ele é o homem da filosofia! O Mao Tsé Tung dizia o seguinte: “Qual é a origem de uma crise? Ora! Contradições não resolvidas. A crise se dá quando não se resolve uma contradição, porque a dialética é a contradição”. Então, dito isso, agradeço a todos meus companheiros de palestra, o Celso Costa, o Lauro, a Teresinha, o Victor Nuñez, o Dr. Espírito Santo, também o nosso pensador, o Lustosa, que é um dos bons pensadores; agradeço muito a participação, eu não fiz o que eu gostaria de fazer, mas o que eu gostaria de fazer ia ser muito demorado, e o pessoal já está meio triste. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. JUREMIR MACHADO DA SILVA: Muito obrigado ao Índio Vargas; inclusive, com o seu bom humor, ele fez uma manifestação, como vocês viram, muito colorida. Eu quero lembrar aqui que esta Sessão está sendo transmitida ao vivo - não é, Verª Sofia Cavedon? -, pelo Canal 16, e depois vai ser reprisada, quem perder vê depois, mas agora está ao vivo.

Vou passar a palavra agora a uma mulher, porque, na Legalidade, o papel das mulheres foi muito importante. As mulheres também estiveram, por assim dizer, na linha de frente. Passo a palavra a Teresinha Irigaray, professora, advogada, conselheira aposentada do Tribunal de Contas, ex-Deputada Estadual, ex-Vereadora da Capital, Secretária de Educação de Porto Alegre, de Sapucaia do Sul, uma infinidade de outras coisas, e que representa aqui na Mesa aquilo que as mulheres representaram em 1961.

 

A SRA. TERESINHA IRIGARAY: Em primeiro lugar, eu quero fazer um agradecimento muito especial à Presidenta desta Casa, Verª Sofia Cavedon, porque, na realidade, nós, mulheres, para tomarmos decisões e qualquer outra coisa, temos que participar. Então, é importante a iniciativa da Presidente da Câmara de Vereadores em trazer esse assunto, que faz, agora, 50 anos; parece que foi ontem. Cinquenta anos se passaram, faz meio século que esses meninos que estão aqui - de cabeça branca, mas com o mesmo vigor e o mesmo entusiasmo - se engajaram na Legalidade. Quero saudar o Dr. Espírito Santo; o Dr. Victor Nuñez; meu amigo e companheiro Índio Vargas; o Lauro Hagemann; o Caio Lustosa. Quero dizer, Lauro, que a vida é encantadora, porque ela nos proporciona o encontro e, mais do que o encontro, que às vezes pode ser perigoso, a gente nunca sabe onde pode acabar, nos proporciona, Vereadores, o reencontro.

E eu estou em um reencontro com esta Casa, onde eu fui Vereadora, onde eu estou enxergando pessoas com quem eu convivi, com quem eu privei, pessoas militantes de Partidos - Partidos de que eu participei -, pessoas da minha amizade pessoal, o Luiz Braz, o Tessaro, o Dr. Dib, que não está aí; o Garcia, o Brasinha. Tantas pessoas que será um erro fazer as citações, porque a gente esquece, e eu já não sou mais aquela menina, aquela moça, aquela jovem que ocupava a tribuna. Quero saudar também o Juremir Machado, pela sua participação, pela sua intelectualidade, pelo humanismo das suas crônicas diárias no jornal Correio do Povo, nós as acompanhamos diariamente, Dr. Victor, com toda a atenção, porque sempre há aquele ensinamento, que é o produto, que é a origem, que vem desse DNA de jornalista emérito, fantástico, maravilhoso, que sabe entender e falar a linguagem do povo.

Mas olhem, depois de todos esses relatos aqui - certamente ainda virá um bem emocionado do Lauro Hagemann -, não há muita coisa a ser dita sobre a nossa comemoração da Legalidade. Até porque, como mulher, a participação feminina na época foi muito pequena. As mulheres não participavam, Presidente Sofia, dos Partidos políticos. Eu era protagonista, eu não era ativa dentro do Movimento da Legalidade. Eu agia nos bastidores, porque, realmente, o grande protagonista, na minha casa, que era o centro político, era o Deputado, Líder do Governo na Assembleia, o Sereno Chaise. Eu, na época, era Teresinha Chaise; eu acompanhava os movimentos do líder político da minha casa. Eu gostava da política, é claro, sempre gostei, mas o foco ali era ele como Líder do Governo. E esse movimento, Vargas, nos pegou - como tu disseste - no ar! Surpresa para todo mundo! E, como as mulheres não podiam frequentar muito os Partidos políticos, eu ia à minha escola, a Presidente Roosevelt, eu tratava com as minhas crianças, eu falava com os pais, eu ficava desorientada, porque tinha que ir para casa. A minha casa estava cheia de gente política, os rumores eram muito grandes, as ameaças eram fortes, Dr. Victor! E a gente não sabia o que fazer.

Quando a Rádio da Legalidade jorrou nos lares de Porto Alegre, quando aquela voz forte e vibrante do jovem Governador Leonel Brizola conclamou o povo, não havia, Srs. Vereadores, quem pudesse resistir àquele apelo. O Brizola era um homem que sabia como falar ao povo, e ele estava do lado do melhor elemento, que era a Constituição! E eu sinto e vejo, agora que eu sou advogada, depois de todos esses anos, que as leis têm que ser cumpridas! Quando não são cumpridas, está claro e estabelecido o chamado golpe. Então, nós estávamos, Índio, dentro de um processo de golpe. Se não queriam dar a posse ao Vice-Presidente João Goulart, queriam o quê? Ficar no lugar! O que é que poderia ser feito naquela hora? O que é que deveria ser feito? O que o Dr. Brizola fez: a chamada Resistência Democrática; a resistência da honra, a resistência da dignidade, porque, no conceito daquele Governador, do nosso Governador, do Governador do Rio Grande do Sul, tinha que ser cumprida a Lei Constitucional, Dr. Victor! Nós somos advogados e sabemos disso, tinha que ser cumprido; o mais teria que ser esquecido! Seria sacrifício? Sim! Haveria luta? Sim! Haveria um possível enfrentamento? Sim! As coisas estavam se preparando para isso. Ali estava o começo, o desenho, o esboço de uma coisa que depois culminou em 1964 e que, anos mais tarde, tirou a mim e o Lauro Hagemann da Assembleia Legislativa do Estado. Era a formatação do golpe militar. Era a caída do processo civil, e havia a vontade de rasgar totalmente a Constituição - o que, aliás, eles fizeram em 1964, logo ali na esquina; não fizeram em 1961, mas fizeram em 1964. Em 1964, rasgaram a Constituição, fecharam o Congresso, cassaram os Deputados, calaram as vozes dos políticos.

Tudo muito bom, obrigada, passou? Não. Em 1961, Leonel Brizola previu isso. Evidentemente, ele previu, ele sabia disso. Aquela conclamação dele, o seu entusiasmo pela Rádio da Legalidade, junto com nosso querido jornalista Hamilton Chaves, figura inesquecível e maravilhosa da Legalidade... Eles sabiam que estava se aproximando algo mais grave, algo muito mais furioso, um vendaval, que foi o que aconteceu com todos os Atos Institucionais. O meu ex-marido foi vítima do primeiro, e eu fui do último, do mais violento. Mas ali era o embrião, o começo. E o que o Brizola queria? Empolgar o povo! Que o povo entendesse isso aí, que o povo saísse de seus lares, das suas casas, atendesse ao seu chamado, que partisse do Rio Grande do Sul a grande resistência! Foi tudo preparado, foi tudo pronto.

Eu me lembro, Dr. Victor, das pessoas descendo lá para o Mata-Borrão. Eu me lembro do Jair Calixto, figura da época, conclamando e trazendo as pessoas do Interior para se alistarem no seu Mata-Borrão. Eu me lembro das praças, principalmente da Praça da Matriz, apinhada de gente de todas as idades - jovens, maduros, velhos, cabeças brancas -, ali, ouvindo a palavra do seu Governador. O que ele dissesse era lei na época.

E as mulheres não eram muitas. Eu me lembro que na noite de retorno do Dr. Jango havia um grupo de mulheres: Maria Carvalho, esposa do Dr. Júlio de Carvalho, que era Secretário na época; a Dona Valesca Maya D’Ávila, esposa do Dr. Floriano Maya D’Ávila, que acompanhava o Dr. Brizola; lembro-me da Dona Neusa, com as suas pequenas crianças, dizendo, quando houve a ameaça de bombardeio, que não sairia do Palácio, que ficaria ali. Lembro que ela mandou chamar Dona Mila Cauduro, para que levasse as suas crianças para casa. Lembro-me também da figura do Dom Vicente Scherer no Palácio. E, na hora, ele passou para a defesa do Palácio e disse que ficaria ao lado dos moradores do Palácio. Vamos fazer justiça.

Então, depois de todos estes relatos, quero dizer que eu, que não participei como o Índio, eminente jornalista; que não fiz o alistamento como o Dr. Victor Nuñez; que não era jornalista e repórter fantástico como foi o Lauro Hagemann, participei nos bastidores. Mas eu me lembro daquela noite. E o que eu tenho de lembrança da Legalidade foi exatamente a noite da Praça da Matriz. O jornalista Juremir Machado era criança, não pode imaginar o que foi aquela noite, o que era aquela Praça, iluminada e cheia, não havia um lugar! E o povo ávido, o povo esperançoso, o povo todo de olhos no Palácio com as suas janelas iluminadas, com os soldados ali com as suas armas, e a palavra vibrante daquele que seguramente foi um legalista, um homem que primou pelo cumprimento da Legalidade, um idealista, um precursor, porque previu.

Eu lembro que as janelas estavam abertas, os militares estavam ali, e o Dr. Jango chegou. Eu vou dizer agora, com quase 75 anos - eu tinha 24 na época, era uma jovem idealista -, nesta Casa à que já pertenci, que eu esperava por palavras, por continuidade, por algo que enchesse a minha vida naquela hora. Todos estavam na sacada, e o Dr. Brizola falou, mas o líder maior da noite, que deveria falar, não falou. Eu não analiso aqui, jornalista, que motivos levaram a isso - eu não sou uma historiadora, eu não vou fazer essa análise, eu fui uma política muito tempo depois -, mas eu acho que a palavra ao povo deveria ter sido feita. Não foi! Respeito isso. Acho que o nosso Presidente era um homem muito equilibrado, calmo, um excelente político - não tinha aquela vibração do Dr. Brizola! -, mas confesso que fui desapontada para casa. Eu não imaginava que pudesse terminar assim. Todo aquele trabalho feito dentro de um Hino e de episódios já relatados. Então, a Legalidade terminou ali, e, com ela, o sonho de muita gente; acho que, com ela, o sonho de um Rio Grande do Sul inteiro; com ela, o sonho dos gaúchos que queriam acompanhar, junto com o Dr. Leonel Brizola, a conquista daquela coisa fundamental que é o cumprimento da Constituição.

Fazer essa análise agora é ruim, é bom? Eu estou aliviada de ter feito isso, bem aliviada. Mais tarde fui política, pertenci a esta Casa, fui Deputada - a mais votada do Brasil na Assembleia -, mas eu guardo sempre a lembrança daquela noite na Praça da Matriz. Se tivesse havido continuidade, se aquele preparo todo do Dr. Leonel Brizola tivesse empolgado mais o nosso Vice-Presidente, se ele não estivesse comprometido além do que poderia, talvez, jornalista, a história tivesse escrito uma outra página. Qual seria essa página? Não sei, mas que a história escreveria, escreveria. Então, o que eu posso dizer nesta hora é que o que aconteceu não foi um sonho, foi a defesa de um ideal que todos nós guardamos na nossa consciência e, principalmente, no nosso coração. E a vida passa! Como dizia José de Alencar: “Tudo passa sobre a Terra, menos a nossa lembrança”. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisado pela oradora.)

 

O SR. JUREMIR MACHADO DA SILVA: Muito obrigado à Teresinha Irigaray pelo seu depoimento. Vamos para a nossa última fala desses testemunhos da Legalidade, com aquele que ficou conhecido como “a voz do Repórter Esso” e também “a voz da Rede da Legalidade”, o Lauro Hagemann. Foi Vereador e é um radialista dos mais conhecidos da história do radialismo gaúcho e que sempre tem muito a dizer sobre esse episódio. Temos participado de alguns eventos em comum, e é sempre um prazer ouvir o relato do Lauro Hagemann.

 

O SR. LAURO HAGEMANN: Minha cara Verª Sofia, meus companheiros de Mesa, companheiros jornalistas, radialistas e pessoal que está aqui para ouvir, a cronologia da Legalidade já está muito bem exposta, mas me preocupa um aspecto: nós ainda não penetramos lá no fundo do baú. A Legalidade tem ensinamentos que nós não apreendemos na sua totalidade, e o Brasil vive, hoje, um período em que certos aspectos dessa Legalidade precisavam ser revividos. Nós precisamos de uma nova Legalidade, de um movimento similar àquele, para tirarmos o País deste estado de letargia, de penúria e de desfaçatez, porque o que certos políticos estão fazendo com o povo é inominável, e nós estamos para dar um basta a isso (Palmas.), e o basta não vai ser à moda antiga, vai ter que ser um basta político. Eleições estão à vista, estão se preparando. Vamos ver o que vai resultar delas, mas é preciso que todos se compenetrem do papel de cada um nesse processo.

A minha participação na Legalidade quase todos conhecem. Eu fui cognominado, não sei se justa ou injustamente, de “a voz da Legalidade”. Eu andava solto por aí, quando o movimento eclodiu, e resolvi, num surto de patriotismo, me apresentar como locutor. Eu era uma voz conhecida, não posso negar isso e confesso que tenho certeza de que dei credibilidade à cadeia da Legalidade, porque, logo no início, a coisa andava meio dispersa, não havia uma centralização. O meu companheiro Naldo Charão de Freitas era locutor do Gabinete de Imprensa do Palácio, e não havia radialista no processo de comunicação do Palácio, a não ser o Naldo, e ele começou a ler os primeiros manifestos, as primeiras declarações do Brizola, mas de maneira muito atabalhoada, o que criava uma confusão maior no seio da população. Quando me apresentei para ler alguma coisa, receberam-me de braços abertos, e, a partir dali, as coisas começaram a tomar uma outra característica, um caráter de organização.

Devo referir aqui a figura do Hamilton Chaves, que era o Chefe do Gabinete de Imprensa; a figura do Homero Simom, que era um engenheiro, e está conosco aqui o Celso Costa, que era auxiliar dele, que foi quem montou também essa rede, e uma outra figurinha que ninguém lembrou aqui, o Bruza Neto, que depois foi Deputado, mas, na época, era Secretário de um setor da Secretaria de Educação, era professor. O Bruza foi praticamente o Secretário da Rede da Legalidade. Passava pela mão dele o que nós devíamos ler mais ou menos, com maior ou menor ênfase.

Então, essa gente foi quem fez a Cadeia da Legalidade, e o que é a Cadeia da Legalidade? Vamos resumir: foi o cerne do Movimento da Legalidade. Se não fosse o processo de comunicação, capitaneado pelo rádio, pela Rádio Guaíba, a Legalidade não teria sido o que foi e não teria alcançado os efeitos que alcançou. O processo de comunicação, na Legalidade, foi fundamental, e aí se criou uma nova visão de comunicação, que hoje, infelizmente, não está sendo seguida. Nós assistimos a uma confusão tal no processo de comunicação, que nós não sabemos bem para onde vamos. E isso se compreende: é tal a soma de informações que o homem recebe, que os nossos mecanismos naturais e até os artificiais, que ainda não estão suficientemente preparados para fazer a separação de uma coisa da outra.

Isso é o que cabe a nós fazer agora, e eu conto, felizmente, com o Instituto Histórico, que assumiu uma parte grande desse processo de juntar esses pedaços. Nós temos a tarefa de discernir esses aspectos da Legalidade. Como comunista, eu sou um convicto das excelências que a sociedade vai nos produzir. Sou um idealista convicto e vou gostar de ver daqui a um tempo; espero estar aqui no centenário da Legalidade. (Palmas.) Vejam a minha disposição. Os meus 81 anos não significam nada, ainda vou mais longe e quero estar aqui no centenário. Isso é um alerta e um convite para todo mundo, não só para mim, para minha geração. Quero que todos estejam aqui, e, para que isso aconteça, nós precisamos manter esse espírito. Eu quero dizer que muita gente, até da intelectualidade e da elite dirigente deste País, quer ver esses aspectos históricos sepultados. Não interessa para eles revigorarmos e revivermos a Legalidade, porque a Legalidade foi um ato coletivo de vontade de um povo todo, e essa vontade, se vier a se fortalecer e vier a se manifestar novamente, não se sabe o que vai dar para essa gente que hoje está segurando com unhas e dentes o que tem. Esta é a nossa tarefa: modificar essa posição, e, para isso, nós precisamos cultuar momentos como este, dizer que a sociedade é capaz de coisas grandiosas, como foi capaz de fazer a Legalidade.

Vocês me desculpem, eu não vou falar mais, porque o tempo já vai longe. Eu tenho muita satisfação por ter voltado a esta Casa, à qual eu pertenci. Vejo com muita satisfação velhos conhecidos e espero nos ver em dois mil e não sei quanto, daqui a cem anos. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. JUREMIR MACHADO DA SILVA: Agradeço muito ao Lauro Hagemann, que teve esse papel tão relevante e que nos disse palavras tão sábias. Gostaria de terminar a minha participação, alinhavar muito rapidamente tudo o que foi dito - é muita informação, muito aprendizado -, e devolver a palavra para a Presidente da Casa. Gostaria de terminar com o último parágrafo do meu livro “Vozes da Legalidade”, como uma forma de homenagem a esse movimento grandioso. Diz assim: “Conta-se que o nome Brizola, de origem italiana, significa grisalho, e quem o carrega já nasce maduro. Conta-se muito quando se tem tempo e gosto, como esta história, com tantas vozes, de um homem, um político, sua trajetória e seus movimentos, história como contou Joaquim Felizardo, do “Último Levante Gaúcho”, o último levante gaúcho da era do rádio, o primeiro grande levante de um homem impondo o seu nome: Leonel Itagiba de Moura Brizola. O nome da voz, a voz da Legalidade”. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Nós é que agradecemos ao Juremir. Há um levante aqui para que o Sargento Vasto faça a sua saudação. Sargento, o senhor é muito bem-vindo. O nosso tempo já está nos chamando a atenção, mas queremos ouvir a sua saudação também, para depois ouvirmos os Vereadores, já dando as boas-vindas ao público que vem para o próximo painel.

 

O SR. CAETANO ÂNGELO VASTO: Primeiramente, quero agradecer a honra de poder dizer algumas palavras nesta Casa do Povo; agradecer às autoridades, a todos os Srs. Vereadores presentes e à plateia. Na Aeronáutica, eu era conhecido como Suboficial Vasto, ou Sub Vasto. Fui um personagem, em 1961, de uma palavra final à ordem de bombardear Porto Alegre, eu disse: “Não! Os aviões não decolam, e ninguém vai sair para São Paulo”. Isso porque a ordem dos Ministros Militares era para que, após o bombardeio, os aviões fossem para São Paulo. Eu disse: Não! Não quero ser conivente com o derramamento de sangue na minha Pátria, meu Brasil, em todo o Rio Grande e o resto deste País imenso, que é o meu coração”. Então, como eu desobedeci a uma ordem dada pelo Comando, eu vi que o Comando estava desobedecendo a uma ordem maior, que seria a nossa Constituição. Então, nada mais do que dizer um “não!” para um bombardeio nesta Cidade. Acho que fiz a minha parte, acho que foi bastante. Sinto-me honrado, é com orgulho que trago essa lembrança no coração. Viva o meu Brasil! (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Muito obrigada pela sua presença aqui, Sargento, e pela emoção de cada um dos protagonistas da História. Nós combinamos, e agradeço a compreensão dos Vereadores que haviam se inscrito, que a manifestação será um Vereador por Bancada, por dois minutos no microfone de apartes.

Nós temos a informação de que o Presidente do IPEA, Sr. Marcio Pochmann, já está se deslocando para cá. Registro a presença do músico - cantor e compositor - e lutador por um Brasil melhor, Raul Ellwanger. É um prazer tê-lo conosco! (Palmas.)

O Ver. Mauro Zacher está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. MAURO ZACHER: Srª Presidente, eu gostaria de saudar o Juremir, o Caio Lustosa, o Victor Douglas, o Celso Costa, o Índio Vargas, a Teresinha Irigaray, o Lauro Hagemann, enfim todos os que compuseram a Mesa e nos deram a oportunidade, Presidente, de, em poucos minutos, quase duas horas - evidentemente foram insuficientes para que a gente pudesse participar, fazer um bom debate -, ver a alegria no rosto de vocês, o carinho, o bom momento, um saudosismo aqui muito positivo, de a gente poder resgatar uma parte tão importante da História do nosso Estado. Não é por acaso que sou pedetista, brizolista, e faz-nos muito bem relembrar esse momento e poder mostrar à sociedade, à nova geração, momentos importantes do nosso Partido, do nosso líder maior, o Brizola, e, principalmente, da nossa História.

Quero dizer a vocês que eu, como pertencente, posso dizer assim, a uma nova geração do nosso Partido... Em certos momentos, a gente faz questionamentos sobre o nosso Partido: é importante que a gente se reconstrua, renove o nosso discurso, que a gente possa reposicionar o nosso debate. Tudo isso é importante, mas é muito importante que a gente viva esse momento da História, a Legalidade, de que fizemos parte. Acho que o grande legado que Brizola deixa para nós - poderia aqui citar tantos momentos importantes de legalidade, é o que estamos discutindo hoje - é que ele definiu muito claro o lado em que deveríamos estar: o lado do interesse maior, do povo, da justiça social. E é por isso que nos faz muito bem comemorar esta data. Aos 40 anos, quando nós comemoramos, eu tive a oportunidade de estar com o Brizola, ainda vivo, trazendo para nós momentos tão importantes da história.

Ao mesmo tempo eu queria saudar a nossa Bancada, os Vereadores Luciano Marcantônio, Tarciso Flecha Negra, Dr. Thiago Duarte, Mario Fraga, que estiveram conosco esta tarde e que compõem a Bancada de trabalhistas aqui na Câmara de Vereadores. Parabéns, espero que em outra oportunidade a gente possa ter mais tempo, porque foram muito bons esses momentos que tivemos com vocês. Muito obrigado.

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Elói Guimarães está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. ELÓI GUIMARÃES: Srª Presidente, Juremir Machado, demais protagonistas, devo dizer que tive uma pequena participação, na época eu era estudante do curso secundário, e nós, estudantes, nos incorporamos à massa e fazíamos este trajeto: Praça da Matriz, frente ao Palácio Piratini, Mata-Borrão, sede do PTB, aqui na Rua Marechal Floriano Peixoto. Eu venho de cepa trabalhista, getulista; então, por uma série de fatores e pelo que representou esta grande cruzada cívica, épica, que foi a Legalidade... Evidentemente, em dois minutos aqui, nós não vamos conseguir expor tudo, mas são vários os aspectos que Legalidade produziu. E aqui dizia o Lauro Hagemann do rádio, da Rede da Legalidade, e a sua voz era aguerrida, fazia exatamente a repercussão do grande comandante que era o Governador Leonel Brizola, com seus discursos vibrantes na defesa da Legalidade. Então, foi um Movimento, vamos dizer, que ficou na consciência dos gaúchos e dos brasileiros como um grande amor pela legalidade, na defesa da democracia, na defesa dos valores éticos.

E queremos o cumprimentar aqui, Juremir, por todo o conjunto de informações que tu vens trabalhando nos teus livros. Quero dizer que não se escreveu sobre a Legalidade, a partir do Movimento de 64, as gerações vindouras não tiveram a oportunidade de conhecer, de saber sobre a Legalidade, mas, agora, aos poucos, ela começa a ser mostrada para o País e, de resto, para o mundo. Foi um dos grandes movimentos cívicos. E a gente lembra aqueles momentos emocionantes, numa explosão espontânea: a população, as forças organizadas; enfim, aquele movimento na defesa da legalidade. Ainda lembro os dispositivos da Constituição de 1946, porque nós víamos: o Vice-Presidente substitui o Presidente no caso de impedimentos e sucede no caso de vaga. Era a sucessão, e o mandato, pela força popular, teria que ser devolvido ao Jango, como foi evidentemente com as restrições que o Parlamentarismo lhe fez até 1963, quando do movimento do “sim” e “não”, venceu o “não” ao Parlamentarismo. Meus cumprimentos à Mesa dos debates. Muito obrigado.

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Bernardino Vendruscolo está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. BERNANRDINO VENDRUSCOLO: Srª Presidente, Sras Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes). Srª Presidente, falo pela inscrição feita regimentalmente, de modo que fica aberta a vaga para o PMDB falar. Eu quero citar aqui uma frase que disse o Juremir: “Todos, de uma forma ou de outra, colaboraram para esse Movimento: quem trabalhou no Rádio, quem pegou em armas”. Todos! Foi uma construção! Por isso quero cumprimentar todos.

E faço um cumprimento especial ao Vasto. Vasto, quem serviu às Forças Armadas e que tem conhecimento e sentimento do que é a subordinação e a insubordinação tem condições de avaliar o seu ato de bravura e dos seus companheiros. O senhor era Suboficial, foi para reserva como Sargento. Talvez, Vasto, o senhor, se fosse servidor de uma outra unidade da Federação, tivesse recebido as promoções que outros tantos receberam. Seu pecado foi ser militar na época, com certeza. É por isso que eu o homenageio, em nome de todos, citando e frisando que, para quem é subordinado, não é fácil agir na insubordinação, em defesa do coletivo, e o senhor e os seus companheiros fizeram isso. Parabéns.

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Airto Ferronato está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. AIRTO FERRONATO: Minha cara Presidente Sofia, quero fazer uma saudação especial a todos os que estão conosco nesta tarde. Registro a presença do meu parceiro e amigo Lauro Hagemann, tive o prazer de tê-lo conosco aqui na Câmara, quando assumi a Vereança pela primeira vez.

Fala-se na Legalidade, nos 50 anos, e eu quero dizer que tenho 59 anos. Eu era lá um guri de 9 anos e, Dra. Terezinha, morava no interior de Arvorezinha, na Linha 5ª. Imaginem o que era a Linha 5ª de Arvorezinha há 50 anos: não havia luz, não havia telefone, ninguém tinha automóvel, mas tínhamos um rádio à bateria, que pesava, mais ou menos, uns 30 quilos, um pouco menos, se somássemos o rádio e a bateria. Então, isso me faz lembrar daqueles velhos tempos. Também lembro o bodegueiro da Linha 5ª, onde o pessoal se reunia na “boca da noite” e por lá ficava. Mas lembro que aqueles agricultores, muito pouco letrados, lá por volta das 18 horas, pouco mais ou pouco menos, quando começava a escurecer, no inverno, eles iam para casa e diziam: “Eu vou para casa ouvir o Brizola”. E 100% dos moradores daqueles confins de Arvorezinha iam para casa ouvir o Brizola. O que significa isso? Que a Legalidade mobilizou especialmente o povo gaúcho, sensibilizou o nosso povo, ricos e pobres, letrados ou não. Aí está o grande passo que se deu. Eu acredito na força de todos e na força da rádio, que, naquele tempo, levava para nós, lá do Interior, a grande mensagem da Legalidade. Um abraço a todos! Parabéns à senhora e aos senhores que fizeram esta história. Muito obrigado.

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Luiz Braz está com a palavra em Comunicações.

O SR. LUIZ BRAZ: Srª Presidente, eu quero a cumprimentar por esta tarde que V. Exª propiciou a todos Vereadores da Câmara Municipal e àqueles que vieram até aqui. Eu não pude permanecer todo o tempo no Plenário, mas estava no meu gabinete, ouvindo todos os oradores que aqui se pronunciaram. Quero cumprimentar o Juremir, que sempre é uma grande referência com relação à cultura que nós temos aqui no nosso Rio Grande do Sul.

Eu, naquela época, estava no interior de São Paulo. Sou da cidade de Ribeirão Preto, e, naquela época, a minha luta pela sobrevivência, junto com a minha família, para que nós pudéssemos sobre-existir, era maior do que aquele movimento todo que se via, principalmente dos estudantes, na época da Legalidade. Os pronunciamentos do Leonel Brizola, tudo isto, para nós, que estávamos tendo outro tipo de luta, travando outra luta, ficou relegado, praticamente, a um segundo plano, muito embora a gente saiba da importância disso para todos os brasileiros, principalmente para aqueles que são aqui do Rio Grande do Sul.

Mas eu quero cumprimentar, pelo menos, três pessoas com que eu convivi neste Plenário: o Ver. Caio Lustosa, que honrou muito este Plenário com a sua presença; o meu querido amigo Ver. Lauro Hagemann, que foi e continua sendo uma voz brilhante - eu estava ouvindo o Lauro, e ele continua sendo aquele locutor que é capaz de ocupar qualquer microfone em qualquer emissora de rádio pelo Brasil afora -; também a minha amiga Teresinha Irigaray, com a qual tive uma relação muito boa aqui na Câmara Municipal. Ela me ensinou muito aqui na Câmara Municipal; depois foi para o Tribunal e honrou também esta Casa no Tribunal de Contas do Estado. Realmente, fico muito contente em poder hoje ter tido este luxo, o orgulho de poder estar compartilhando este Plenário com pessoas tão ilustres. Muito obrigado.

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Adeli Sell está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. ADELI SELL: Srª Presidente, em nome da minha Bancada, dos meus colegas aqui presentes, eu saúdo os bravos e bravas lutadoras da democracia, da liberdade, dos direitos, combatentes da ditadura e do autoritarismo. Tal qual o Ferronato, também pelas ondas do rádio, lá no interior de Santa Catarina, fiquei sabendo desse Movimento, ainda jovem, apenas com oito anos de idade. E hoje fico mais revigorado, como nunca, para continuar lutando pela democracia, pelas liberdades, e que nós possamos viver em um mundo cada vez melhor. Vocês, nesta tarde, deram um belo depoimento de que é possível continuar acreditando na humanidade. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Sebastião Melo está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. SEBASTIÃO MELO: Presidenta, primeiro, eu quero dizer que valeu esta tarde temática, meus cumprimentos coletivos a essas figuras magníficas. Quero dizer ao Juremir que o livro dele é fantástico, talvez o melhor dos livros da Legalidade, e não é propaganda, mas reconhecimento. Eu gosto de dizer que sou duplamente gaúcho, porque sou goiano de nascimento e sou gaúcho de coração, optei por esta terra com muito carinho, como muitos gaúchos foram Brasil afora. Só o Rio Grande poderia produzir um episódio desses.

Eu volto à data de 1930, quando o Brasil vivia a política do café com leite e a dissidência de Minas não obteve o direito de indicar o Presidente da República naquela peleia do Washington Luiz: o Getúlio se juntou a Minas e à Paraíba e fez com que o Rio Grande chegasse ao poder e amarrasse no obelisco os cavalos. E o Brasil mudou, indiscutivelmente, naqueles anos do Getúlio, mudando a sua matriz econômica. Pois esse mesmo Rio Grande que peleou em tantas guerras, em tantas lutas, foi o Rio Grande que se unificou novamente nessa luta fantástica, nessa figura... Talvez o Brasil fosse outro naquela eleição de 1989, quando a demagogia venceu naquele debate - dos mais demagógicos que eu vi no 2º turno -, quando o Collor venceu a eleição. Se o Brizola tivesse ganhado a eleição no Brasil, com certeza este Brasil seria outro, porque, de todos os políticos que eu conheci, ao longo desse tempo, o Brizola teve um traço que está faltando em todos os outros, que é investir naquilo que vai dar o presente e o futuro de uma pátria: a Educação. Portanto, viva a legalidade! Viva o Brizola! E vocês fizeram parte dessa história. Eu nasci em 1958, li muito sobre tudo isso, não vivi, mas que emoção vocês terem participado. Quero dizer que não foram covardes e que lutaram muito para este País ter hoje uma democracia consolidada. Um abraço a todos. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Vocês viram que nós combinamos os critérios dos inscritos e das Bancadas.

O Ver. Pedro Ruas está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. PEDRO RUAS: Verª Sofia Cavedon, meus parabéns pela promoção deste evento; meu caro Juremir, parabéns pelo estudo abnegado, dedicado, extraordinário. Eu quero fazer um registro de admiração e afeto à Teresinha Irigaray, ao Índio Vargas, ao Victor Douglas Nuñez, ao Miguel Frederico do Espírito Santo, ao Celso Costa, ao Caio Lustosa, ao Lauro Hagemann, ao Sargento Vasto. Cada um de nós, no seu momento - e eu tenho consciência disto -, procura fazer o melhor. É muito importante a gente poder ver, num momento como este, que aqui se reúnem pessoas... É mais do que a Legalidade. Este cinquentenário é da maior importância para a história do Rio Grande do Sul e do Brasil. Mais do que a Legalidade, essas pessoas construíram trajetórias dignas de honrar todos os que as conheceram: a Deputada Estadual mais votada do Brasil em 1966, a Teresinha; o Índio Vargas, eleito em 1968, cassado em 1969, junto com o Dilamar, não foi? O Dilamar foi cassado junto contigo, não é, Índio? O Dilamar foi depois? Em 1977, o Marcos Klasmann ficou também vinte e poucos dias cassado, o Marcão; assim como o meu mestre em Direito do Trabalho, o Victor Douglas Nuñez. São trajetórias que nos ensinam e nos honram.

Eu me exibia para todo mundo aqui dizendo que fui colega do Lauro Hagemann, do Caio Lustosa. E, ontem de manhã, Sargento Vasto, estávamos eu, o Caio Lustosa e a Verª Fernanda Melchionna – uma jovem do meu Partido, do PSOL, de 27 anos – na Praça Garcia Lorca, relembrando, marcando e registrando os 75 anos do assassinato do Garcia Lorca; na Praça Garcia Lorca, que é o único logradouro do Brasil com esse nome, com o nome do grande poeta espanhol, um Projeto do então Ver. Caio Lustosa. Ontem, nós estávamos lá, eu, a Fernanda Melchionna, o Caio e o ex-Governador Olívio Dutra. Então, são trajetórias, Celso Costa, que honram todos nós. A Legalidade é o motivo pelo qual hoje temos a honra de ouvi-los. Eu tive que ir a uma audiência com o Governador - já marcada anteriormente -,e a Fernanda me dava o relato inteiro e estava emocionada. Os 27 anos da Fernanda são um orgulho para nós e, mais ainda, a sua capacidade de se sensibilizar com o que foi dito aqui.

Eu quero dizer que nós todos continuamos militantes da mesma causa. Nós todos temos a mesma origem. Eu quero um dia poder dizer, assim como foi dito aqui - algo que foi considerado como absolutamente verdadeiro por todos nós -, que cada um de nós que está aqui sentado e palestrou hoje fez e faz a sua parte. E nós queremos, no nosso tempo e com a nossa modéstia, fazer também a nossa parte. Um abraço a todos. Parabéns! (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Professor Garcia está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. PROFESSOR GARCIA: Prezada Presidente Sofia, caro Juremir, quero dizer que saio daqui hoje bem melhor do que entrei. Saio com a alma lavada, com felicidade. Quando eu vi este seleto grupo, pensei: “Por que isso não poderia ser no Gigantinho?”, pois o que foi colocado hoje vai servir de acervo histórico, podem ter certeza disso.

Prezada amiga Teresinha, tu disseste que não foste protagonista, mas foste, sim! A gente sabe o papel da mulher dentro de casa, mas tu, no teu tempo, transcendeste a isso. Então, quero te parabenizar. Nós conhecemos a tua trajetória em todos os segmentos; aqui cada um contou um determinado fato, num determinado momento, mas a vida de cada um de vocês continuou. E nós sabemos a tua história. Caro Índio, também, da mesma forma: o Índio é um contador de histórias. Hoje eu fiquei surpreso, pois tu ficaste meio quietinho! Mas eu sei que tu és daqueles homens que gostam de conversar e tens histórias. Eu e a Rosa já ouvimos inúmeras histórias, é um deleite para quem te ouve! Prezado Advogado Victor, satisfação em vê-lo reviver para a gurizada de hoje o que era o Mata-Borrão! E, quando o senhor colocou a história do Mata-Borrão, também reviveu o que era um mata-borrão, dando aquele exemplo da caneta-tinteiro!

Caro Miguel Espírito Santo, satisfação! Continue cultuando, porque o povo precisa ter memória, embora alguns entendam – e o Lauro colocou com precisão – que isso não deva continuar. Prezado Celso, parabéns pela determinação, porque, realmente, tu foste o homem que deu o suporte. Muitas vezes, a gente tem a ideia do Lauro como o homem da voz, mas, se não tivesse teu início, a voz de nada serviria. Então, parabéns!

Prezado Caio Lustosa, que foi Vereador desta Casa: com muito orgulho também, durante dois anos, eu tive a oportunidade de ser Secretário do Meio Ambiente, uma função que tu também ocupaste; quero dizer que isso é motivo de alegria. Lauro, parabéns! Tu querias 50 e, no final, querias mais 100 anos! Então, Lauro, para ti a questão temporal não existe. Sargento Vasto, parabéns também!

Eu volto a dizer que me emocionei. Não chorei copiosamente, mas eu quero dizer para vocês que derramei algumas lágrimas, quietinho no meu canto, mas com uma felicidade enorme em poder ouvi-los. Eu lembro que eu tinha nove anos, meu pai era policial, e nós tivemos um cuidado em casa. Onde nós morávamos tinha um porão, e nós colocamos algumas pilhas de coisas, porque o pai disse: “Pode dar tiro, e, se der tiro, vocês corram para o porão.” Felizmente, não ocorreu. Mas o Rio Grande do Sul deu uma grande demonstração de civismo em lutar por aquilo que está escrito e é de direito. Parabéns a todos! (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Dr. Raul Torelly está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. DR. RAUL TORELLY: Presidente, é uma satisfação muito grande poder estar aqui como Vereador neste momento, revivendo uma coisa que é uma das pequenas, mas grandes lembranças que eu tenho da minha infância, independente de toda a trajetória política e do conhecimento que vocês todos nos trouxeram da sua participação efetiva no Movimento da Legalidade. Quero saudar todos, em especial, a minha amiga Teresinha Irigaray, dizendo que eu me lembro, como se fosse hoje, do meu pai, que infelizmente já nos deixou, dizendo assim: “Vamos ficar em casa, que eu vou pegar essa arma e tenho que sair.” Nós tínhamos um gravador de fita, daqueles antigos, que até há uns três anos eu ainda tinha guardado, com o tradicional discurso do Brizola dizendo: “Fechem as escolas, peguem suas armas, nós precisamos de vocês.”

Cada um vê a história do seu ângulo, da sua idade, do seu foco. Eu acredito que só Deus vai dizer o valor disso que vocês fizeram para nós e para os nossos descendentes. Eu desejo saúde para todos nós, especialmente para vocês que estão aqui, que tanto fizeram pelo nosso Estado e pelo nosso País. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): A Verª Fernanda Melchionna está com a palavra em Comunicações, pela oposição.

 

A SRA. FERNANDA MELCHIONNA: Presidente, eu nem ia falar, porque fui muito bem contemplada pelo Ver. Pedro Ruas, mas aí eu reparei que não tinha vindo nenhuma mulher, Teresinha, aqui neste microfone de aparte. Nós lutamos tanto para conquistar o nosso espaço na política, que eu disse: “Eu vou falar, eu sei que é tarde...” (Palmas.)

Eu queria colocar duas coisas bem rápido. A primeira é o meu prazer de conhecer muitos hoje, pessoalmente, porque muitas das histórias e das lutas, que foram muito bem detalhadas e emocionantes, eu conheço pelos relatos que o Ver. Pedro Ruas me faz do episódio da Legalidade - porque ele estudou muito -, da convivência dele com o Brizola e do legado de todos vocês nessa luta grandiosa. Então, foi um prazer conhecer hoje, pessoalmente, a Teresinha, conhecer o Índio Vargas - ontem, eu e o Pedro Ruas falávamos no senhor -; o Victor Nuñez; o Juremir, que, evidentemente, eu já conhecia, um grande escritor, grande jornalista; o Miguel Espírito Santo; o Caio Lustosa, nosso companheiro - estávamos ontem fazendo uma homenagem ao Garcia Lorca -; o Celso Costa; o Lauro Hagemann e o Sargento Vasto.

Acho que foi o maior levante, um episódio capaz de mostrar a luta, a capacidade de indignação e, pelos relatos de hoje, a capacidade da autogestão da população, que, quando está organizada, quando está mobilizada, quando tem um referente, é capaz de fazer verdadeiras revoluções para mudar a história. Então, queria dar um abraço apertado em cada um de vocês e dizer que estou cada vez mais esperançosa de que novas legalidades virão. A juventude do mundo começa a se levantar contra esse sistema de exploração, e eu acho que novos tempos virão para o mundo e para o Brasil. (Palmas.)

 

(Não revisado pela oradora.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Carlos Todeschini está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. CARLOS TODESCHINI: Srª Presidente, ao Juremir e aos demais componentes da Mesa o meu afetuoso abraço. Quero registrar o sentimento e o pensamento de vitória, de heroísmo, mas, sobretudo, de uma posição firme em defesa do Brasil, das classes populares e do nosso projeto de desenvolvimento independente, que significou a campanha da Legalidade, que foi, infelizmente, atropelada, depois, pelo golpe militar. Ela foi fundamental e importante, mas essa hegemonia foi cortada pelos grilhões da ditadura, que levaram o Brasil à situação que vivemos. Eu penso que este País, que é um gigante adormecido, que é o melhor lugar do mundo para se viver, teria tido outro destino, um destino muito melhor se, naquela época, não tivéssemos tido esse ciclo vitorioso interrompido pelo golpe militar, que deu um rumo que teve as suas características, mas que, sobretudo, foi danoso para os brasileiros, para as classes trabalhadoras e para o projeto do Brasil como um todo. Então, meus cumprimentos a todos que viveram essa época, que lutaram e que demonstraram o seu verdadeiro espírito de defesa do Brasil, do povo brasileiro. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Toni Proença está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. TONI PROENÇA: Presidente, quero saudá-la pela iniciativa, sei da sua apreensão por causa do horário, mas foi uma aula e uma vivência inesquecível. Por isso quero saudar todos os que nos brindaram com esta experiência maravilhosa, trazendo a nós a sua experiência. Em nome da Bancada do PPS, composta por este Vereador e pelos Vereadores Paulinho Rubem Berta e Elias Vidal, quero dizer que temos a convicção da responsabilidade que carregamos: a cada voto que nós registramos neste painel, temos sempre a lembrança da história construída no Rio Grande do Sul por homens e mulheres como vocês. Parabéns! (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Aldacir José Oliboni está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. ALDACIR JOSÉ OLIBONI: Nobre Presidente, Verª Sofia Cavedon; Juremir e todos os nossos convidados no dia de hoje; eu ouvia muito do meu pai e do meu mano mais velho toda essa história tão linda e tão importante para as nossas vidas, mas não tinha ainda o detalhamento de quem pediu o bombardeio, de quem instituiu a Rádio da Legalidade e de tantas outras coisas. Isso, para nós, é um marco de uma geração a quem nós temos muito a agradecer, porque esses movimentos nos encorajam a sair às ruas e, muitas vezes, até a pedir a renúncia de um Presidente.

Hoje vivemos um quadro muito diferenciado, uma democracia consolidada graças a Deus, a vocês e a todo este povo, que teve muita coragem num momento tão difícil, o que nos enobrece e nos orgulha. A nossa geração agradece, com carinho, o trabalho e a ousadia de vocês. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Obrigada, Oliboni.

Eu vou encerrar este momento, Lauro, ousando usar a tua conclamação e um pouco, talvez, do que a Fernanda trouxe aqui. Nós sabemos que um dos ideais que mobilizaram a Legalidade é a construção da República. Uma república, de fato, ética, democrática e justa com todos os seus cidadãos, que estabeleça relações justas, iguais e que trate todos os cidadãos de forma igual. Acho que nós vivemos outro momento dramático neste País, quando se desnuda esse Estado brasileiro que foi apropriado por armas, que foi apropriado pelo poder econômico e que hoje mostra o quanto está corroído, corrompido por posturas não éticas e não republicanas. Talvez todos esses depoimentos nos tragam a responsabilidade - depoimentos vivos aqui, todas as comemorações e todos os momentos que vamos ter. Aqui nós tivemos uma pincelada, que nós queremos que chegue à juventude - os depoimentos desses jovens guerreiros na época -, para que a juventude e para que a nossa geração de Parlamentos possam estar à altura daquele Movimento e, de fato, passar a limpo esta República; talvez, levantar por Dilma Rousseff um movimento como aquele que levantamos por João Goulart, para que ela tenha a força e a coragem de continuar passando a limpo este País, transformando este Brasil. (Palmas.)

Obrigada pela presença, por tão bonitos depoimentos, de tão bonitas vidas, especialmente a ti, Juremir, que nos ajuda a refletir e continuará fazendo isso. Obrigada a todos. Quero agradecer ao Memorial, especialmente à Nara e ao Jorge, que construíram inclusive duas exposições: “Uma Trincheira Chamada Porto Alegre”, que está logo aqui à frente, são fotos; e “Porto Alegre: Agosto de 61”, são imagens que estão aqui embaixo e que vão circular nas escolas. Agradeço ao Instituto Histórico e Geográfico pela parceria neste momento e pelo seu trabalho.

Vou interromper por alguns minutos os trabalhos, e, em seguida, teremos conosco o Marcio Pochmann, Presidente do IPEA, que seguirá nos ajudando a compreender melhor este Brasil e a organizar a nossa ação parlamentar e a sociedade gaúcha com o tema do enfrentamento à miséria. Obrigada. Interrompo a Sessão por alguns minutos para as despedidas. (Palmas.)

Estão suspensos os trabalhos para as despedidas.

 

(Suspendem-se os trabalhos às 17h10min.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon – às 17h18min): Estão reabertos os trabalhos. Peço aos Vereadores e às Vereadoras que estiverem na Casa que voltem ao Plenário.

Neste momento, nós vamos fazer uma atividade que compõe a Frente Parlamentar de Combate à Miséria. Os Vereadores que ainda não se inscreveram na Frente - muitos já estão inscritos – podem fazê-lo. Nós já contamos com a presença do Presidente do IPEA e vamos exibir um painel em PowerPoint na sequência.

O Ver. Dr. Thiago Duarte está com a palavra.

 

O SR. DR. THIAGO DUARTE: Obrigado, Presidente. Enquanto o nosso Presidente do IPEA arruma a sua apresentação, eu quero lhe dizer que a vistoria demandada pelo Ver. Aldacir José Oliboni, com a presença da Presidente, vai contar com a participação de todos os membros da Comissão de Saúde. Até porque já marcamos uma reunião para discutir as questões do HPS, uma reunião extraordinária, dia 31 de agosto. Então, eu, o Ver. Oliboni, o Ver. Dr. Raul Torelly, o Ver. Carlos Todeschini, o Ver. Beto Moesch e o Ver. Mario Manfro vamos estar presentes amanhã, às 14h, na vistoria ao HPS, realizada pela presidência e pela Comissão de Saúde. Obrigada, só queria trazer esse informe.

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Perfeito, Ver. Dr. Thiago. Para a população entender, a Casa recebeu denúncia sobre problemas em relação aos Raios X, aos investimentos no HPS. A Câmara foi instada ontem por membros da Comissão, para que fôssemos, enquanto instituição, ao HPS. Vamos amanhã, às 14h, e todos os Vereadores estão convidados, mas, sim, a COSMAM tem o reconhecimento desta Presidente pelo seu trabalho intenso, inclusive de instalação do Fórum Permanente de Saúde. Então, amanhã, faremos uma visita ao HPS, porque é um equipamento estratégico da cidade de Porto Alegre que não pode sofrer falta de recursos, de condições de atendimento, porque salva vidas o tempo inteiro.

Quero convidar o Sr. Marcio Pochmann a compor a Mesa, agradecendo-lhe a presença. Quero fazer referência – convido-os a compor a Mesa dos trabalhos – à Verª Maria Celeste, ao Ver. Pedro Ruas, ao Ver. Toni Proença e ao Ver. Dr. Raul Torelly. Se estiverem aqui, por favor, componham a Mesa. Por quê? Porque são os Vereadores que se propuseram a coordenar um trabalho deste Parlamento sobre o enfrentamento à miséria em Porto Alegre. Gostaria que eles viessem aqui para fazermos a foto oficial da instalação da Frente, mas, principalmente, porque é uma coordenação coletiva suprapartidária que tem o objetivo de buscar os recursos, programas e projetos do Governo Federal e do Governo Estadual para o enfrentamento da miséria. Porto Alegre precisa de uma ação proativa muito forte, porque tem pelo menos 70 mil famílias abaixo da linha da miséria e tem uma organização de Núcleos do Fome Zero que precisa de apoio, de articulação, de canais, para que sua ação tenha efetividade. Inclusive estão aqui presentes, e eu peço que a Coordenadora do Fórum dos Núcleos do Fome Zero venha compor a Mesa com a coordenação (Palmas.): a Ana Maria Aquino é a Coordenadora dos Núcleos do Fome Zero. São 44 núcleos na cidade de Porto Alegre. Seja bem-vinda, Ana Maria Aquino.

Quero compartilhar ao conjunto dos Vereadores que esta é a composição da Coordenação que está se desafiando a enfrentar o tema da pobreza em Porto Alegre. Às 18h, nós já teremos outra atividade, a Srª Raquel Rolnik estará conosco; então vamos passar a palavra para o Marcio Pochmann, por 25 minutos, 30 minutos, aí poderemos ainda fazer uma rodada rápida entre os Vereadores e a Ana Aquino para desencadear esse tema. Hoje é só uma abertura, eu pedi ao Marcio, que coordena com muita competência o nosso IPEA, que pensasse um pouquinho, trouxesse alguns dados do Rio Grande do Sul e nos ajudasse a pensar os desafios do enfrentamento desse tema no Brasil de hoje.

Marcio Pochmann, a palavra está contigo, nosso abraço e carinho pela tua presença aqui.

 

O SR. MARCIO POCHMANN: Obrigado, Presidente Sofia; nossos cumprimentos a todos os Vereadores presentes, que nos acompanham aqui na Mesa e que fazem parte da Frente Parlamentar de enfrentamento da pobreza, mais especialmente da miséria; àqueles que também estão acompanhando essa jornada pela televisão e aos presentes aqui neste recinto.

 

(Procede-se à apresentação em PowerPoint)

 

O SR. MARCIO POCHMANN: Quero dizer que é com grande satisfação que estamos aqui em nome do IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a maior instituição de pesquisa aplicada do nosso País. É uma instituição que se abriu não apenas para ser uma instituição de apoio, de pesquisa, de planejamento, de monitoramento de política públicas do Poder Executivo, tal como foi constituído ainda em 1964, mas cada vez mais é também uma instituição de apoio à pesquisa, ao monitoramento de políticas para o Poder Legislativo e para o Poder Judiciário, e isso implica evidentemente o compartilhamento de nossas atividades nas diferentes esferas da Federação brasileira: União, Estados e Municípios. Também estamos diretamente envolvidos na perspectiva de nos transformar numa assessoria, numa instituição que ajude a conhecer melhor o País, para a sociedade civil brasileira, para instituições não governamentais, para aqueles que estão envolvidos na militância pela transformação do nosso País.

Nessa perspectiva, aceitamos o convite, para poder compartilhar uma parte dos trabalhos que o IPEA tem desenvolvido. E ele tem assessorado o Governo na instalação recente desse programa que aperfeiçoa o programa original Bolsa Família; de certa maneira, é uma decorrência dos programas que foram introduzidos nos anos 1990, de transferência de renda, lembrando que as primeiras experiências se iniciam ainda no final da primeira metade dos anos 1990, com o primeiro programa de transferência de renda pela Prefeitura do Município de Campinas, em concomitância com a experiência do Governo do Distrito Federal, naquele momento de 1994, 1995. Depois, nós vamos ter a difusão de programas dessa natureza por diferentes Municípios, diferentes Governos, até o Governo Federal estabelecer o programa que vai começar a ter uma dimensão mais ampla. E, certamente com o Presidente Lula, transforma-se num grande programa de articulação dos diferentes programas no âmbito federal, caminhando para a unificação com os programas de transferência de renda dos Estados e dos Municípios brasileiros.

O Brasil tem um grande programa, o Bolsa Família: mais de 12 milhões de famílias são beneficiadas. Todos sabem que, em uma economia capitalista, há uma parte da sociedade que tem grande dificuldade de conviver com as vulnerabilidades impostas pela forças de mercado. Os Estados Unidos – que ainda são a maior economia do mundo, embora registre crescentes sinais de decadência – possuem um programa de transferência de renda superior ao Brasil, é o Food Stamp, um selo de alimentação, um programa de garantia de alimentação a segmentos vulneráveis. Então, mesmo nos países desenvolvidos, nos países ricos, há programas de transferência de renda com diferentes formas de funcionamento, e o Brasil vem inovando com programas dessa natureza.

Agora, o Governo da Presidente Dilma sofisticou os programas do Governo anterior, assumindo o compromisso pela superação da miséria absoluta. Podemos dizer, do ponto de vista técnico, que é uma decisão ousada, justamente pelo fato de que nós passamos a ter, nas políticas sociais, um monitoramento, metas que infelizmente existiam somente para a economia. Desde os anos 1990, nós passamos a ter metas, por exemplo, de inflação; a partir de 1999, metas de superávit fiscal. Isso, de certa maneira, deu transparência para a sociedade. E, na área econômica, passamos a ter os comentaristas econômicos, que analisam se o Governo X, Y, Z estão sendo eficientes no combate à inflação, na organização das finanças públicas. Mas nós não tínhamos na área social, por exemplo, indicadores. Era possível, por exemplo, que diferentes governantes, diferentes políticos, diferentes Partidos viessem a público e dissessem: “No meu Governo, no meu mandato, nunca se gastou tanto na área social, nunca se fez isso, fez aquilo, etc.”. Mas nós, sociedade, não sabíamos se esse esforço, de fato, transformará a realidade, mudará a realidade.

Agora, nós passamos a ter, então, pelo Programa Brasil Sem Miséria, um indicador de pobreza, de miséria que pode certamente ser questionado do ponto de vista da definição. E, com base, inclusive, na experiência internacional, passou-se a definir que miserável no Brasil é todo aquele que recebe até 70 reais mensais. Por incrível que pareça, numa quantia tão baixa de recursos, nós temos 16 milhões de brasileiros nessa circunstância. Essa definição técnica de pobreza extrema se dá, em primeiro lugar, a partir de medidas nessa mesma direção, já estabelecidas por organizações internacionais, de tal forma que, ao adotar essa medida, isso nos permitirá inclusive comparar os esforços que estão sendo feitos no Brasil com outras experiências internacionais. Posso anunciar, por exemplo, que o Brasil não se encontra entre os países que mais rápido reduzem a pobreza. A China, por exemplo, é um país que vem reduzindo muito mais rapidamente a pobreza. É claro que a pobreza na China é de outra natureza, diferente da nossa, mas os chineses vêm tendo mais êxito na redução da pobreza. No entanto, os chineses não conseguem, simultaneamente, ao reduzir a pobreza, reduzir a desigualdade de renda. Na China, a desigualdade está aumentando.

Não é a realidade brasileira. Pelos dados que nos são oferecidos, tanto a pobreza quanto a desigualdade vêm caindo no Brasil, de tal forma que a nossa estimativa deve estar, neste ano de 2011, com uma desigualdade da renda pessoal, desigualdade de renda do trabalho, equivalente ao que era a desigualdade em 1960. Certamente, aqueles que acompanharam a Sessão anterior trataram desse movimento excepcional que foi o Movimento da Legalidade, em 1961. Mas o Brasil, em 1960, era menos desigual; o período de maior desigualdade que tivemos veio a ocorrer a partir de 1960. Nós avançamos muito na desigualdade nos anos de 1970, 1980 e 1990, e somente na primeira década do século XXI é que conseguimos começar a reduzir a desigualdade de renda. A primeira vez que se mediu a desigualdade de renda foi em 1960, quando o censo demográfico passou a contabilizar a renda dos habitantes brasileiros, e lá nós tínhamos um índice de desigualdade de 0,49%. Nunca mais tivemos um indicador relativo a isso. Tivemos um indicador de igualdade 0,63%. Há vários índices, mas esse índice de Gini, em especial, mede a desigualdade da renda das pessoas. É como se colocassem todas as pessoas perfiladas, da maior à menor renda, e se medisse a desigualdade média. Ela varia de zero a um: quanto mais próximo de um, pior a desigualdade. Nós estávamos crescendo e agora estamos com uma desigualdade, possivelmente, pelas estimativas, em 0,49%. Quero antecipar que todo o país que tem uma desigualdade acima de 0,4% é um país primitivo, selvagem, do ponto de vista da distribuição de renda. Portanto, nós temos ainda muita coisa a fazer.

De toda maneira, o que eu quero chamar a atenção, pois estamos falando aqui da problemática da miséria - temos várias modalidades de medição -, é que o Governo definiu, como foco da ação, esse segmento que diz respeito a um enorme conjunto de brasileiros que não tem renda adequada, que não tem forma de ocupação, exercício do trabalho decente, e, ao mesmo tempo, não tem acesso pleno ao Estado brasileiro. A despeito de nós estarmos com mais de 120 anos de República, não podemos dizer que temos um Estado ainda republicano, na medida em que nós não temos escolas para todos no Brasil, nós não temos água, não temos habitação, saneamento, ou seja, não temos estado de bem-estar social digno de nome.

No Programa Brasil Sem Miséria, estabeleceu-se que uma das partes do Programa, que é garantia de renda para quem não tem o mínimo para sobreviver, passe a ter também acesso aos serviços públicos. O Estado precisa estar à disposição, especialmente dos mais pobres, porque, como a gente sabe, os que têm mais renda nem precisam do Estado, dado o seu nível de renda. E a terceira dimensão desse Programa está relacionada à inclusão produtiva. Quanto maior for o sucesso desse Programa, menos pessoas precisarão depender da transferência de recursos públicos, uma vez que passarão a caminhar com as suas próprias pernas. E, para isso, é fundamental não apenas o crescimento da economia nacional, mas, também, a geração de ocupações que possam absorver esses segmentos empobrecidos do Brasil.

O último ponto desta abertura é em relação ao compromisso político que o Brasil passou a ter com relação aos pobres. É importante dizer que, por exemplo, em 1980, quando o Brasil era a 8ª economia do mundo, nós já tínhamos condições materiais e técnicas para ter resolvido a grande chaga que é a miséria brasileira. A despeito de nós termos as condições técnicas, as condições econômicas, éramos a 8ª economia mais rica do mundo, nós não tivemos o compromisso político de transformar aquilo que a economia permitia - a economia é um fim, não é um meio - em realidade. Não houve compromisso político. E, agora, nós estamos encontrando um compromisso político de toda a sociedade, de diferentes Governos, de diferentes Prefeitos, de diferentes instituições da sociedade civil envolvidas com essa perspectiva da superação da pobreza.

Então, esse é um ponto muito importante, e nós temos condições de nos transformar, em 2015, na 5ª maior economia do mundo, depois de ter passado por um período de decréscimo, de regressão no nosso País. Em 1980, o Brasil era a 8ª economia do mundo e ocupava o 13º posto em quantidade de desempregados. No ano 2000 – vinte anos depois –, o Brasil havia se transformado na 14ª economia, perdeu a importância relativa em relação a outros países e assumiu a 3ª posição em número de desempregados no mundo. Foram décadas muito difíceis as décadas de 80 e de 90. Hoje o Brasil é a 7ª economia e pode-se transformar na 5ª economia, especialmente tendo em vista a natureza da crise que estamos vivendo hoje e, ao mesmo tempo, ter condições de ter superado a pobreza.

O Programa Brasil Sem Miséria tem os números - a dimensão da pobreza, que nós vamos tratar um pouco, vamos olhar o Rio Grande do Sul, para ter mais clareza - e vai permitir que a sociedade possa acompanhar a eficiência, o compromisso do Governo Federal no enfrentamento da miséria nacional. E também terá condições de avaliar o compromisso dos Governos, dos Governadores de Estado, porque agora nós vamos ter informações por Estado, vamos poder saber se, porventura, os Estados X, Y, Z diminuíram ou aumentaram o número de miseráveis. A mesma coisa a sociedade, que poderá acompanhar, através do Poder Legislativo, o papel das Prefeituras, ver se as Prefeituras estão ou não envolvidas nessa ação de superação da pobreza. Vamos poder saber se a Prefeitura A, B ou C tiveram sucesso ou fracasso no enfrentamento da miséria. Por isso acho da maior relevância a atitude assumida aqui pelos Parlamentares de trazer para a responsabilidade do Legislativo o acompanhamento, o monitoramento e as ações relativas ao enfrentamento de uma mazela que é do século XIX, que é a miséria. Muitos têm dificuldades em entender como é que pode alguém no Brasil viver com menos de 70 reais mensais, e nós temos um contingente que equivale a 8,5% dos brasileiros.

O que podemos dizer em relação à questão do Rio Grande do Sul? Eu preparei vários slides; eu vou ficar mais perto do projetor. A situação do Rio Grande do Sul é uma situação relativamente melhor do que a verificada no Brasil em seu todo. Da forma como está aqui, eu acho que fica difícil vocês acompanharem, não é uma boa visualização, mas eu quero deixar esta apresentação para a Mesa da Câmara, para que possa fazer o uso melhor possível. Nós estimamos que, no ano de 2009, o Rio Grande do Sul teria 2,1% da sua população na condição de miséria ou de pobreza extrema.

Vamos definir o que é pobreza, porque há vários conceitos. Os conceitos tradicionais são: pobreza extrema, pobreza absoluta e pobreza relativa. Pobreza extrema é aquela situação cuja capacidade de vida é tão reduzida, que é incapaz de permitir que as pessoas tenham condições de se alimentar três vezes ao dia. Pobreza absoluta é a condição de limite de sobrevivência que, embora permita ter acesso à alimentação três vezes por dia, não dá acesso a condições mínimas de vida, que vão para além da alimentação, como habitação, transporte, vestuário. E pobreza relativa é aquela condição em que a pessoa é pobre relativamente ao padrão de riqueza.

Vossas Excelências devem ter tido a oportunidade de acompanhar as manifestações, os conflitos que estão em curso nos países ricos. Em algumas cidades da Inglaterra, perceberam que as pessoas que estão lá se manifestando não são pessoas necessariamente pobres, não são pessoas que estão invadindo supermercados para se alimentar, mas são pessoas que perderam, de certa maneira, o sentido da vida, porque elas estão de fora da possibilidade de ter acesso a condições de vida superior. Então a pobreza relativa nos daria outra discussão, o que não é o nosso caso; vamos aqui trabalhar basicamente com os dados de pobreza relativa.

Nós temos aqui dados interessantes sobre o Rio Grande do Sul do ponto de vista da eficiência do Estado. Por exemplo, temos 92% da população considerada idosa coberta por programas das políticas públicas, especialmente a Previdência Social, mas não exclusivamente. Essa é uma condição superior à verificada no Brasil em seu todo. Nós aqui estabelecemos que a pobreza extrema é com renda per capita, familiar ou doméstica de até 70 reais. Seriam 2,1% dos domicílios contra 5,2% do Brasil em seu todo. O fato de o Rio Grande do Sul ter uma população menor do ponto de vista relativo não significa dizer que há mais facilidades. Talvez seja pelo contrário, porque é mais difícil enfrentar a pobreza nesse núcleo duro. É difícil identificar onde essas pessoas se encontram, é difícil incluí-las, de Estados que tenham uma população pobre em maior dimensão. É mais fácil atacar na quantidade do que atacar do ponto de vista das condições que nós temos aqui para apresentar.

Aqui tem uma trajetória da população que sobrevive com menos 70 reais mensais (Aponta slide.), numa série que vai de 1995 até 2009. A nossa fonte de informação é o IBGE, é a pesquisa nacional por amostra em domicílios. Nós tínhamos, no Brasil, 11,2% da população na condição de pobreza extrema, e isso praticamente se mantém estabilizado na segunda metade dos anos 1990 e início da primeira década do século XXI. A partir de 2004, nós temos uma trajetória de queda; hoje, a nossa estimativa é de 5,2% da população nessa condição. No caso do Rio Grande do Sul, em 1995 nós tínhamos 5,2% da população nessa condição de pobreza e, hoje, temos 2,1%. Houve uma certa estabilidade, com alguma oscilação no mesmo período, na metade dos anos 1990 e início da década de 2000. Depois de 2004, há uma trajetória de queda, mas a queda aqui é em menor ritmo do que se verifica no Rio Grande do Sul, o que justifica o comentário anterior que eu fiz sobre as dificuldades que passaremos a ter para a superação da pobreza.

A superação da pobreza não significa a ausência de miseráveis, porque a vulnerabilidade social e as condições de vida podem-se alterar diante de um aumento de desemprego, diante de alguma mudança na conjuntura econômica, mas é possível dizer que um país superou a pobreza ou a miséria quando a quantidade de miseráveis é estatisticamente insignificante. Quando a gente fala, por exemplo, que um país assumiu a condição de pleno emprego: pleno emprego não significa que não existam desempregados. É uma convenção dizer que um país está na condição de pleno emprego quando a sua taxa de desemprego se encontra abaixo de 3% da população economicamente ativa. Então, chegarmos em 2014 com a pobreza superada não significa dizer que não possa haver pessoas miseráveis, mas que essa quantidade dos miseráveis é estatisticamente reduzida.

No slide seguinte, temos a oportunidade de ver, então, a evolução da pobreza extrema urbana e rural. Olhando o Rio Grande do Sul, o que nós podemos dizer? Que, no Rio Grande do Sul, assim como é, de fato, no Brasil como um todo, a pobreza é mais grave no campo. Em 2009, a taxa de pobreza extrema é de 3,3% da população rural contra 1,8% da população urbana. Então, o tema do campo é realmente bem mais complexo do ponto de vista das condições de superação da pobreza. Por outro lado, nós podemos observar também que a redução da pobreza extrema no meio rural vem caindo mais rapidamente do que no meio urbano. Vejam que, em 2003, por exemplo, nós tínhamos 7,4% da população rural na condição de pobreza extrema e hoje temos 3,3%. Nós tínhamos 4,2% da população urbana na condição de miserável e hoje temos 1,8%. Há um movimento de queda, mas ele é mais intenso no campo.

Podemos passar para o próximo slide. Aqui temos condições também de avaliar a situação da pobreza rural no Brasil e aqui no Rio Grande do Sul. Podemos observar, por estes dados, que a redução da pobreza rural em outros Estados que não no Rio Grande do Sul cai mais rapidamente do que a pobreza rural no Rio Grande do Sul. Portanto, é interessante considerar a experiência de outros Estados para ver se há alguma novidade do ponto de vista do enfrentamento da pobreza rural. Para vocês terem uma ideia, no Brasil, em 2003, 23% da população no campo estava na condição de miserável, hoje são 12,7%. Aqui, como já falamos, era 7,4%; caiu para 3,3%.

Quanto à evolução da renda das famílias per capita, ao dia, do Rio Grande do Sul e do Brasil, podemos verificar que no Brasil a renda mensal por indivíduo cresceu de forma significativa praticamente na segunda metade da década passada, e não houve grandes diferenças do ponto de vista do que ocorreu no Rio Grande do Sul. Quanto ao que se associa à problemática da miséria, que é o que falávamos anteriormente em relação à desigualdade, no Rio Grande do Sul, o índice de Gini – Gini foi um italiano que construiu um indicador de medidas de desigualdade que varia de zero a um – seria de 0,50; no Brasil, esse índice é de 0,54. Então, a desigualdade aqui é menor do que a média nacional, temos um movimento de queda que é comparável ao que ocorreu no Brasil com o que ocorreu no Rio Grande do Sul.

Vamos passar ao outro slide. Um problema que é considerável e associado à pobreza está relacionado à mortalidade infantil; é um quadro dramático que ainda temos hoje no Brasil. No Rio Grande do Sul, nós temos 12,8 mortos para cada mil nascidos; enquanto que no Brasil são 19. Agora, verifica-se uma certa estagnação ou uma queda muito reduzida nesse quesito da mortalidade infantil no Rio Grande do Sul, enquanto que no Brasil se verifica com muito mais rapidez. Portanto, há um aspecto a ser considerado, em termos de miséria, no tema da mortalidade infantil. Outra preocupação em relação à mortalidade infantil é a razão de mortalidade materna por mil nascidos vivos. Podemos comparar a situação do Rio Grande do Sul com as regiões metropolitanas do Brasil: a trajetória foi de subida dessa razão de mortalidade no final do século passado, de 1995 até 98, depois houve uma queda, uma nova subida em 2001 e 2002, e agora temos uma queda. O que indica que a razão de mortalidade materna nos dias de hoje é, praticamente, a mesma que havia em 1996. Há aspectos em relação à saúde que eu quero destacar aqui e que são importantes no enfrentamento da miséria.

Este slide trará da esperança de vida: aqui no Rio Grande do Sul, em média, se vive mais. A média de expectativa de vida é de 76,4 anos contra 73. Quem mora no Rio Grande do Sul vive, em média, quase três anos a mais do que a média dos brasileiros. É um crescimento, mas esse crescimento não vem tendo o mesmo ritmo de expansão que se observa em outros Estados brasileiros.

Quero ressaltar outro aspecto importante que é o analfabetismo. Nós temos no Brasil, em seu todo, um brasileiro a cada dez analfabetos. A falta de acesso à educação é, certamente, um componente da miserabilidade. Se nós analisarmos, em média, os analfabetos são pessoas com mais idade, geralmente com mais de 50 anos de idade, são geralmente pessoas não brancas. No Rio Grande do Sul, nós temos 4,5% da população na condição de analfabetismo. No Rio Grande do Sul são 7,8 anos de escolaridade da população como um todo. No Distrito Federal é o mais alto, com 9,6 anos. Evidentemente, nós temos outros Estados com uma situação muito mais grave. A questão educacional é outro elemento fundamental, assim como a saúde e a renda para a superação da miséria.

Aqui temos uma síntese: no Rio Grande do Sul, 93,1% da população que não é pobre; 4,8% da população está na condição de pobreza absoluta, e 2,1% são extremamente pobres. No Brasil, 9,4% da população está na condição de pobreza; 5,2% são extremamente pobres; 85,4% não são pobres. É um diferencial do Rio Grande do Sul em relação ao Brasil. Quem são os miseráveis aqui no Rio Grande do Sul: 49,4% são crianças: a cada dois miseráveis, um é criança; 37,9% são adultos; 10,8% são jovens; apenas 2% dos extremamente pobres são idosos. Então, a pobreza se concentra fundamentalmente nas crianças. A situação é um pouco diferente em relação à do Brasil, mas em números gerais se aproxima.

A situação dos que são extremamente pobres do ponto de vista de arranjos familiares: dos que são extremamente pobres aqui no Rio Grande do Sul, 45,3% pertencem a famílias que são casais com filhos; 30,1% são famílias unipessoais, uma pessoa; 19,6% é um arranjo que tem mãe com filho; e 5% são outras formas de arranjo. Então, nós temos, certamente, uma dificuldade no quesito de pobreza extrema relacionado à forma de arranjos familiares: se é casal com filhos, mãe com filhos, se é unipessoal ou outras formas.

Uma diferenciação no Rio Grande do Sul em relação ao Brasil, onde o Rio Grande do Sul não está confortável, é a questão da mulher com filhos e sem creche. No Brasil, são 14,2% das mulheres que estão nessa condição - ser mulher e não ter creche para seus filhos. No Rio Grande do Sul são 17,1%. É maior do que no Brasil, há um problema de creche aqui. Desocupados e outras formas urbanas, na condição de extrema pobreza, equivalente ao Brasil, 1/3, e desocupados na condição de rural, 15%. Acho que é isso. Eu estou preocupado com o tempo.

Sob o ponto de vista do perfil da extrema pobreza, em termos de renda, os que são extremamente pobres: 33% dos que são extremamente pobres pertencem ao Programa Bolsa Família... Desculpem-me, equivoquei-me aqui. Os beneficiados pelo Programa Bolsa Família são 52%. Nós temos 18% que são pobres porque trabalham e recebem uma remuneração inferior ao salário mínimo. Portanto, é a única renda da família, é dividida pelo número de famílias, ficam na condição de menos de 70 reais mensais.

As condições de vida, ainda dentro da pobreza extrema: 73% dos que estão extremamente pobres vivem em domicílios pobres já quitados. É gente que já tem moradia. Qual a qualidade da moradia? Podemos avaliar mais adiante, mas só 13,5% vivem em domicílio alugado; 53% dos extremamente pobres, na moradia, têm paredes e telhados adequados, canalização. Quer dizer, a metade não tem condições adequadas de habitação. E 72%, na moradia, têm água da rede geral, mas nós temos ainda quase 30% dos extremamente pobres que não têm água de rede, é um serviço público, que não tem acesso a esse segmento. Acesso a banheiro com esgotamento adequado, com rede ou fossa séptica: 1/3 não tem. Sobre a coleta de lixo: 25% não têm, dos extremamente pobres. Moradia com água de rede geral de distribuição, acesso a banheiros, esgotamento adequado e coleta de lixo: 51% não têm. E são serviços públicos! Com telefone fixo no domicílio: 96% dos extremamente pobres não têm telefone no domicílio. Com geladeira, 16% não têm; com máquina de lavar, 83% não têm; com computador, dos extremamente pobres, no domicílio, não chegam a 2%. E, nos dias de hoje, fala-se cada vez mais na inclusão digital, na sociedade do conhecimento. Conjunto superior de eletrodomésticos, ou seja, aqueles que têm fogão, geladeira, rádio, televisão e máquina de lavar: somente 16% têm.

Muito bem, passemos para o próximo slide. Em relação à Educação, aqui no Rio Grande do Sul, dos extremamente pobres, 42,9% são analfabetos absolutos ou funcionais. Analfabetos absolutos, quer dizer, não sabem nem desenhar o nome, são 11,3%; no Brasil, são 23%.

Bem, evidentemente, há um conjunto de dados adicionais, não vou cansar com tantos números, inclusive, porque aqui nem ficou muito claro, mas quero deixar este material à disposição da Frente Parlamentar e, também, oferecer o IPEA para poder subsidiar esta Frente em termos de informação. E, certamente, ajudaria a constituição de um observatório da miséria com o objetivo de analisar, de avaliar os resultados de uma ação que é de quatro anos. Nunca, talvez, olhando o passado, estivemos tão próximos de finalizar, de superar uma mazela do passado brasileiro. E não há condições de superar a pobreza se não houver envolvimento da sociedade. E esse envolvimento é muito importante do ponto de vista da garantia das políticas públicas num país que não tem tradição democrática, mas nós estamos comemorando, neste ano, o 26º ano de democracia. A democracia pressupõe participação, pressupõe pressão, e eu não tenho dúvida de que, aqui nesta Câmara, em Porto Alegre, poderá ser a referência para as cidades brasileiras de ações e, talvez, ser uma das primeiras cidades a ter superado a pobreza com a ampla participação da sociedade e do Parlamento. Muito obrigado.

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Obrigada, Marcio.

Nós vamos abrir, agora, para um jogo de perguntas, mas eu queria, primeiro, deixar a Ana Maria Aquino, Coordenadora dos Núcleos Fome Zero Porto Alegre, fazer a sua fala. Ela preparou, inclusive, um documento. Já há várias questões para o Marcio, e nós vamos tentar aproveitar ao máximo estes poucos minutos. Convido a compor a Mesa a Srª Eliete Fraga da Rosa, Presidente do Conselho de Segurança Alimentar.

 

A SRA. ANA MARIA AQUINO: Nesta abertura da Frente Parlamentar do Combate à Fome e à Miséria, o Fórum Fome Zero saúda este plenária e agradece esta oportunidade. Viemos até aqui solicitar aos Srs. Vereadores a continuidade do Programa de Segurança Alimentar e Nutricional, independente de posições partidárias. O partido do nosso povo é a fome e a miséria.

(Lê.) “O Fórum Fome Zero de Porto Alegre foi idealizado pelo ex-Presidente da República para que as ações de combate à fome e à miséria fossem bem sucedidas. Em 2009, o Fórum Fome Zero foi legalizado em cartório, buscando ações práticas, através de hortas, cozinhas comunitárias, distribuição de alimentos, geração de trabalho e renda e eventos culturais. A nossa organização popular é a melhor forma de criar oportunidade nos Núcleos participantes deste Fórum. São atendidas mais de 15 mil famílias, em parceria com a Saúde e com a Assistência Social.

“Para superar nossas dificuldades estamos em busca de parcerias com diversos segmentos: como a Conab, o Trensurb, para que contemplem nossos Núcleos com alimentos, que eles sejam regularmente entregues na qualidade e quantidade suficiente; com a Prefeitura, para que sejam garantidas as oficinas, os espaços, os representantes de Governos, representantes de Secretarias e assessorias comunitárias dentro das nossas reuniões plenárias, também uma estrutura centralizada, com escritório, uma condução, estagiários à disposição deste Fórum, desenvolvendo, com esta entidade, todas as demandas relativas à questão das problemáticas dos Núcleos dos nossos programas. Esperamos desenvolver um sentimento de direito à vida e à cidadania com um processo de saúde, educativo, alimentar, ambiental, de geração e renda e trabalho sustentável.”

Nós estamos contando com o apoio dessa parceria, porque o nosso Fórum ficou muito fraco neste período que estamos atravessando agora. Já tivemos um tempo bem melhor no nosso Fórum, estivemos bem melhor. Já tivemos muita parceria, principalmente da nossa Prefeitura, e hoje a gente já não tem isso. Quem sabe muitas pessoas até desconheçam que o Fórum Fome Zero existe. Existe! Existe porque tem uma gama de guerreiros, e, atrás de nós, temos, como acabei de dizer, 15 mil famílias. Nós temos pessoas da Ilha até a Restinga, Belém, lá no Chapéu do Sol, aquele povo todo que lá trabalha, os pescadores lá nas Ilhas, que estão esperando que o Fórum Fome Zero possa alcançar alguma coisa a eles, porque nós não estamos só pedindo comida, nós estamos pedindo também que nos deem uma abertura para a profissionalização, para que a gente possa fazer um trabalho educativo. É isso que nós queríamos. O meu muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisado pela oradora.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Ana Maria Aquino, obrigada.

A Srª Eliete Fraga da Rosa, Presidente do Conselho de Segurança Alimentar, está com a palavra.

 

A SRA. ELIETE FRAGA DA ROSA: Boa-tarde à nossa Presidente, boa-tarde a todos os nossos Vereadores, ao nosso palestrante, à nossa querida Coordenadora-Geral do Fórum Fome Zero. Nós só queríamos pedir, neste importante momento, a todos os Srs. Vereadores que tivessem um olhar carinhoso para esse tipo de povo que não carrega bandeira na rua, mas que tem, no coração, a ideologia daqueles com quem podem contar no momento certo. Se chegamos a esta Casa, chegamos porque nos sentimos órfãos em termos de Município de Porto Alegre, infelizmente. É um pedido de socorro que essas famílias fazem, porque elas estão à mercê do “quando tem”.

Nós sabemos da Lei nº 11.346 e da Lei nº 577, e quem confeccionou foi o então Deputado Adão Villaverde, e houve até um gravame na Constituição Federal pela luta dos movimentos populares. Nós queremos a regularização em quantidade e qualidade suficientes para o povo, que precisa não só de alimento: o povo está com fome de tudo! São todas as políticas públicas que nós pedimos que esta Casa observe mais nas comunidades. Eu sei que existe todo um trabalho lindo que está sendo feito, mas precisa ser intensificado com quem conhece e aponta, que são aqueles que nada ganham e que se doam, doam-se muito. Nós não queremos e não admitiremos mais que somente nos procurem no momento do exercício do dedo, que está logo ali no amanhã. Nós queremos respostas imediatas no hoje. São pessoas que não precisam erguer bandeiras e dizer que são azuis ou vermelhas, elas levam no coração e na consciência aquilo que o seu povo precisa. Então, nós estamos dizendo e pedindo encarecidamente aos senhores que, com todo o respeito que merece o nosso Governo Municipal, nós queremos, pelo menos, ser tratados hoje como os cachorros estão sendo tratados. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisado pela oradora.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Essas falas são de representantes dos Núcleos do Fome Zero, que estão órfãos, na cidade de Porto Alegre, de interlocução, de política continuada. É um desafio que a Câmara está enfrentando, que está assumindo, para ajudar a melhorar.

O Ver. Carlos Todeschini está com a palavra.

 

O SR. CARLOS TODESCHINI: Obrigado, Presidente, Verª Sofia. Quero cumprimentar o Marcio, pelo brilhantismo com que sempre aborda os temas; os Vereadores e, também, o Núcleo do Fome Zero, a Coordenação do Fome Zero em Porto Alegre. É bom que se registre que o movimento de combate à fome e à miséria - Movimento Fome Zero - já foi bem melhor. Infelizmente, o próprio Governo contribuiu para que houvesse o esvaziamento, as intrigas políticas e o jogo de interesses, esvaziando todo o esforço coletivo que se viu, pelo menos, naquele período de 2003, 2004, 2005, naquele período inicial. Largou bem e, depois, teve um retrocesso bem marcante.

Eu me inscrevi porque quero fazer uma pergunta ao Marcio, já que, depois, eu pretendo me manifestar sobre a questão dos grupos. Tu deste uma ênfase muito grande à pobreza extrema, com os dados e as características do Estado. Eu penso que nós precisamos examinar também, agrupando do mesmo lado, a pobreza absoluta, que são as pessoas que comem, mas que vivem em situação de indigência, em risco social permanente, porque não têm saneamento, não têm habitação, não têm abrigo, não têm as condições necessárias para uma vida minimamente digna. É necessário que nós façamos uma abordagem, e, já que nós estamos tratando do enfrentamento desse tema, penso que nós temos que o enfrentar olhando para esse bloco. Obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): O Ver. Dr. Raul Torelly está com a palavra.

 

O SR. DR. RAUL TORELLY: Eu gostaria de saudar todos os colegas Vereadores; o Marcio, que trouxe, como sempre, o excelente trabalho do IPEA. Gostaria de dizer que trabalho como médico há 30 anos, com populações pobres, miseráveis, muitas vezes, e é isso que me motiva a fazer parte desse tipo de Frente. Eu trabalho muito a questão do planejamento familiar. E o que a gente vê? E vocês estão aqui para concordar ou discordar de mim. A gente vê que a grande maioria das pessoas pobres e miseráveis quer ter acesso às políticas de planejamento familiar, só que elas têm dificuldade de mobilidade, têm dificuldade de chegar até o atendimento público e de ter lá um atendimento resolutivo. Então, o que eu quero perguntar ao Marcio, aproveitando a presença dele, é como ele vê a questão da Busca Ativa. As políticas públicas de educação, de planejamento familiar, de informação têm que chegar - eu, particularmente, tenho experiência, através de ONGs, com esse tipo de ação - a essas pessoas e viabilizar a elas a efetivação do direito humano fundamental, que é o direito do casal, do ser humano ao planejamento familiar. De que forma faremos isso? O próprio censo de 2010, do IBGE, já diz que, em Porto Alegre, as famílias pobres também estão tendo menos filhos, por mais informação, por mais entendimento, por quererem dar mais carinho, mais educação. Elas sabem que têm que ter dois, três filhos; se tiverem seis, será problema, mas isso é pensamento de cada um. Como é que esse tipo de questão é enfrentada pelo trabalho? Como o senhor acha que deve ser enfrentada pelo País?

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Quero franquear algumas falas para a população que acompanha, principalmente às mulheres do Núcleo Fome Zero, falas curtas, aqui no microfone de apartes. São 18h, já podemos franquear a presença de vocês no plenário. Por favor, eu peço que se desloquem para cá e se apresentem.

Vou pedir para o Marcio clarear melhor esta face da pobreza, porque ele passou muito rápido: a infância na pobreza. Na verdade, no Rio Grande do Sul, quantos por cento são crianças? Porque isso nos chocou na primeira apresentação no Rio Grande do Sul. Nós sabemos que as famílias pobres têm mais filhos, até por falta de acesso à escolaridade. Então, essa é uma face duríssima. A infância é a maior parte no Rio Grande do Sul? Eu queria entender melhor isso. E o IPEA tem como fazer alguns estudos especificamente sobre Porto Alegre, tem como nos ajudar nisso?

 

Está aberto o microfone, a senhora pode falar, só se identifique.

 

A SRA. IRILDE B. DA SILVA: Eu me chamo Irilde, sou da Direção da Associação Comunitária Cristã de Auxílio aos Moradores de Rua, do Chapéu do Sol. Trabalho nesse grupo há bastante tempo, e a gente vem desenvolvendo um trabalho com moradores de rua que a gente junta no Centro, embaixo das pontes, nas paradas de ônibus; pessoas abandonadas, pessoas que não têm mais convívio social nenhum, não têm mais autoestima. Lá, nesse trabalho que a gente faz, a gente dá autoestima para esses moradores de rua, pessoas que as famílias abandonaram, que não querem mais saber, não é? Então, lá é o lugar onde trabalhamos com essas pessoas.

O nosso Fome Zero precisa ser mais desenvolvido, mais aceito pelos Vereadores, pelas pessoas, pelo Governo, porque trabalhamos com esses moradores, e, às vezes, se são 70, 80 homens, fazemos três, quatro refeições por dia. Temos que sair nas casas para pedir, porque não se tem... O celeiro, às vezes, tem um quilo de sal, enquanto que a gente precisa de dois quilos por dia, entre fazer pão, com três cozinhas fazendo comida. Então, ali, a gente precisa... Somos pobres, sim, bastante pobres! A gente vive só de doações não governamentais. O Fome Zero foi para lá uma vez só, e até hoje a gente está esperando, com muitas crianças na Vila, com pessoas desempregadas. Quando a gente faz um cadastro, as pessoas dizem as coisas que elas têm ali dentro, mas, às vezes, tu vais ver, e não tem um banheiro, ou um quarto para dormirem cinco, seis pessoas, o banheiro corre a céu livre, as crianças pegam bicho-de-pé, em tudo isso a gente vê a pobreza. O Governo tem que ajudar um pouquinho mais. Claro, a gente sabe que não dá para fazer tudo bonito, mas um pouquinho mais a gente pede para o Governo, que é para o Governo olhar.

Nós temos aqui hoje uma pessoa que é da Associação. Juntei ele na Santa Casa, quando estava na UTI; eu estava chegando mal ainda, encontrei ele e disse: “Toma o dinheiro, tu vais para lá, e eu vou para o médico”. Ele está com nós até hoje, é uma pessoa já - como é que se diz? - reciclada, restaurada, pronta para a sociedade outra vez. Peço desculpas se não tenho palavras suficientes. (Palmas.)

 

(Não revisado pela oradora.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Bonito depoimento.

Dona Eurides, por favor.

 

A SRA. EURIDES T. P. COSTA: Em nome da Presidente, eu saúdo todos. Eu gostaria de fazer uma pergunta para o senhor, Seu Marcio: como é que ficam aquelas pessoas que não têm Bolsa Família? Eu tenho um Núcleo; no meu Núcleo tenho 90 pessoas, e, dessas 90 pessoas, 30 têm Bolsa Família, o resto não tem. Era isso. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisado pela oradora.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Muito bem, Dona Eurides.

 

A SRA. MARA VERLAINE DO CANTO: Boa-tarde. Sou Mara Verlaine, componho o Fórum de Entidades do Fome Zero e o Conselho Municipal de Segurança Alimentar. Uma das preocupações é o papel da FASC, porque, num determinado instante, ela cumpre um papel, e, quando a entidade, quando a sociedade organizada cobra o retorno, a FASC diz que não pode porque foge da sua alçada, porque ela não é governo, porque é uma fundação, porque isso é com o Governo Federal. Então, a gente tem que estar sempre ou indo até o Governo Federal ou indo até a Governança para tratarmos da questão do Bolsa Família. É uma problemática que precisamos resolver. Quem faz o cadastro agora é o SUAS, vai ser os CRAS, os CREAS, mas, antes, era a sociedade civil organizada que fazia esses cadastros. Fazia todo um acompanhamento com posto de saúde, enfim. Quando chega o cadastro que não é aceito, ou por alguma situação ele é retirado, alguém tem que se responsabilizar por ele. Como é que uma família que tem cinco, seis filhos, tem o seu cadastro retirado, e a FASC não sabe por quê? Não tem nem como.

Eu gostaria também de parabenizar a iniciativa da Frente Parlamentar de Combate à Miséria, porque é muito importante que se otimize toda a situação do Fome Zero, do Fórum, do Conselho, do próprio Conselho, que demorou mais de seis meses para ser composto novamente. Na verdade, o que se vê aqui é uma vontade política, infelizmente, e as pessoas passam fome. Mas a vontade política esquece que nós temos uma lei, a Lei de Segurança Alimentar, que deve ser implementada, deve ser cumprida. Os senhores, como Parlamentares, e nós como sociedade civil, de agora em diante, podemos ter um diálogo para que possamos verdadeiramente fazer com que se execute, que se cumpra essa Lei de Segurança Alimentar. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisado pela oradora.)

 

 A SRA. PRESIDENTE ( Sofia Cavedon): Essas falas estão sendo muito importantes, porque este grupo e os Vereadores vão trabalhar muito nisso nesse segundo semestre.

 

A SRA. ROSEMARE RAINONI MOTTA: É um prazer estar aqui, Sofia. Eu quero cumprimentar todos os presentes. Eu represento o Núcleo do Fome Zero da Ilha do Pavão, represento também todas as outras Ilhas que têm Núcleos. Eu ouvi todos os Vereadores, de Partidos diferentes, falarem na miséria. A miséria se conhece na base, e é na base que nós estamos, batendo chão, barro. É impossível falar do Fome Zero e falar só de alimentos: Fome Zero não é só alimento! Fome Zero é segurança alimentar, Fome Zero são cursos, Fome Zero é formação. Agora, desculpem-me, senhores, mas qual a formação que uma pessoa vai quer fazer se ela estiver de barriga vazia? Chegar alimentação de seis em seis meses para 15 mil famílias?! Está na hora de vocês fazerem alguma coisa. E nós, do Fome Zero, não temos Partido, o Partido é o povo. (Palmas.)

(Não revisado pela oradora.)

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): A Srª Luísa Castro está com a palavra.

 

A SRA. LUÍSA RIHL CASTRO: Boa-tarde. Faço parte do Conselho Regional de Nutricionistas aqui do Estado. Saúdo a Mesa, obrigado pelo espaço. Aproveito este momento para divulgar a campanha que o Conselho Federal, junto com os conselhos regionais, está propondo neste ano, campanha contra a obesidade, a fome e o desperdício de alimentos. A gente também não pode deixar de falar sobre isso, já que o nosso Estado é o mais fofinho, segundo as pesquisas. As pessoas desperdiçam muito os alimentos, não sabem aproveitá-los integralmente, enquanto outras pessoas passam fome e não têm instrução para poder aproveitar todo o alimento. Eu gostaria de deixar o material aqui à disposição. Os dados do Presidente Marcio são de fundamental importância, para que se consiga endossar todo esse planejamento que temos dentro das entidades e dentro da profissão. Os nutricionistas estão, cada vez mais, engajados nas suas práticas de atuação, para que consigam reverter esses quadros e dados. Obrigada.

 

(Não revisado pela oradora.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Bacana, é muito importante a tua presença aqui.

A Verª Maria Celeste está com a palavra.

 

A SRA. MARIA CELESTE: Boa-tarde a todos e a todos. Saúdo a nossa Presidenta, Verª Sofia Cavedon. É rápida a minha questão aqui, devido ao adiantado da hora nós já teremos que passar para a segunda etapa do nosso trabalho no dia de hoje. A Verª Sofia já colocou as nossas preocupações em relação aos dados da cidade de Porto Alegre. Isso, para nós, Marcio, seria extremamente importante, porque teríamos um norte, um diagnóstico, uma realidade, além daquela que já conhecemos e dos relatos que os Núcleos têm nos dado - quando se parte de indicadores, o trabalho é bem mais fácil. Então, a partir desses dados de Porto Alegre, com certeza nós vamos conseguir desenvolver o trabalho que estamos pensando. Essa Frente Parlamentar é plural e há vários Partidos que aderiram, não para apontar quem é o culpado pela fome aqui na cidade de Porto Alegre, mas para efetivamente buscarmos uma solução coletiva.

Dos dados que tu colocaste, o das crianças é o mais gritante, digamos assim, mas eu gostaria de te ouvir sobre a miséria em relação à população idosa e também àqueles que têm necessidades especiais. Se trouxeste alguns desses dados, desculpe-me se não percebi, mas gostaria que tu pudesses falar sobre essa questão, da influência da miséria na população idosa, se há dados e como a gente pode trabalhar melhor essa questão dos idosos e das pessoas com necessidades especiais. Além, é óbvio, da questão da assistência social, que foi muito bem lembrada pela nossa companheira da região norte da cidade de Porto Alegre, essa questão da assistência social como um direito, não como uma questão de ajuda, assistencialista, não; assistência social como um direito que garanta, assim como a saúde e a educação, a possibilidade da saída da miséria.

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Obrigada, Verª Celeste.

Vou passar a palavra para o Marcio Pochmann, porque já está terminando o nosso painel. Hoje à tarde, estão previstos dois painéis para a nossa Sessão. Quero registrar que nós contamos ainda com a presença do Ver. DJ Cassiá e do Ver. Todeschini, além dos Vereadores que estão na Mesa.

Ao passar ao Pochmann, eu preciso também perguntar sobre o financiamento ao jovem pobre, porque esse é um tema que pautou a campanha da Presidente Dilma. Aqui no Rio Grande do Sul, por muita luta nossa, está se iniciando um trabalho, o Vou à Escola, de passagem gratuita para o jovem pobre que está fora da escola - na Região Metropolitana, 50% dos jovens de 15 anos em diante não estão na escola. Também o ProJovem está indo para a educação, que é outra face da nossa luta, porque achamos que muito recurso está sendo desperdiçado. O Programa Brasil sem Miséria tem um eixo vinculado à juventude? A tua luta, tua militância resultou em algum programa? Nós estamos muito interessados também em trabalhar na erradicação da miséria financiando jovens, porque o jovem pobre acaba indo para o subemprego, para drogadição, para tantas alternativas que não são de vida. Eu sei que são muitas questões, mas para, pelo menos, a gente fechar provisoriamente.

 

O SR. MARCIO POCHMANN: Eu quero começar agradecendo algumas considerações e questões que foram formuladas, são todas elas muito pertinentes e revelam a qualidade daqueles que nos acompanham. Certamente, não terei condições de esgotar aqui o tema, porque são várias perguntas e bastante complexas. Mas podemos começar pela parte referente aos dados.

Nós partimos do pressuposto de que não há condições de mudar a realidade sem conhecê-la. E quem conhece melhor a realidade senão aquele que vive aquela realidade, aquela situação. A presença de vários representantes dos diferentes Núcleos do Programa Fome Zero revela o seu conhecimento de causa; a presença dos Parlamentares que têm uma experiência na parte mais empobrecida da Cidade revela um conhecimento empírico da pobreza, um conhecimento necessário. Nós aqui estamos contribuindo, digamos, com um conhecimento científico. Não conheço a realidade local, mas os dados revelam a dimensão, a natureza, a complexidade da pobreza. Portanto, nós estamos aqui considerando, evidentemente, aquilo que alguém já dizia há muito tempo: o primeiro passo para mudar a realidade é conhecê-la. E essa é uma combinação perfeita: os que conhecem a realidade de forma empírica e aqueles que conhecem a realidade pela forma da ciência, do método. E o IPEA está disposto, sem dúvida, a ajudar, do ponto de vista do método científico, obtendo e mantendo atualizadas as informações referentes àquilo que existe de dados a respeito da Cidade. Podem contar com a nossa contribuição, podemos até pensar em fazer um acordo de cooperação técnica da Câmara com o IPEA e teremos subprodutos ao longo do tempo. (Palmas.)

O Ver. Todeschini chama a atenção para o tema da pobreza absoluta. Evidentemente, a luta maior é pela pobreza absoluta, embora a extrema pobreza tenha prioridade do Governo Federal. Agora, não há dúvida que o enfrentamento maior da pobreza absoluta requer ações que vão além das políticas públicas tradicionais, a começar pelo fato de que o Brasil, infelizmente, tem um sistema de tributação que faz com que os pobres sejam, fundamentalmente, os que pagam impostos. Quem recebe, por exemplo, até dois salários mínimos transfere, todo mês, um salário mínimo por intermédio da tributação, porque o nosso sistema de tributação não onera os ricos, onera os pobres. Uma alteração no sistema tributário brasileiro ajudaria a reduzir a pobreza.

O estudo que nós temos no IPEA mostra, por exemplo, que os que são donos de propriedades praticamente não pagam impostos no Brasil. A propriedade rural não é taxada no Brasil, e nós somos um País com forte concentração no meio rural. Os nossos estudos sobre o IPTU, que diz respeito aos Legisladores, o Imposto Predial Territorial Urbano, eu não tenho dados específicos aqui da cidade de São Paulo, mas eu tenho dados do Brasil que mostram que esse imposto é mal cobrado no Brasil. Nós temos várias cidades em que os moradores de favelas pagam um IPTU, proporcionalmente à sua renda, maior do que os que moram nas mansões. Então, há o tema da tributação, que é muito pertinente e que, inegavelmente, ajudaria a enfrentar um problema mais grave da pobreza absoluta.

Também foi levantado o tema da Educação. Nós estamos, hoje, vivendo a possibilidade de ampliar os recursos para Educação. A decisão, pelo Legislativo Federal, do Plano Nacional de Educação implica um aumento considerável dos recursos para Educação - nós contribuímos muito pouco para o Fundo Público da Educação. Mas, por outro lado, o sistema tributário, as políticas públicas no Brasil ainda financiam a Educação privada. Aqueles que têm a oportunidade de declarar o Imposto de Renda podem, por exemplo, abater, no Imposto, gastos feitos com Educação, com Saúde, com assistência, previdência privada. Nós, por exemplo, em 2009, deixamos de arrecadar 13 bilhões de reais, porque houve abatimento para financiamento da Saúde privada no Brasil. Então, são outras modalidades que necessitariam ser consideradas do ponto de vista de uma ação mais ampla em relação à pobreza absoluta.

O Ver. Dr. Raul nos coloca o tema do planejamento familiar. Evidentemente, eu não tenho a especialidade e o conhecimento de V. Exª, mas eu poderia falar do ponto de vista do aspecto demográfico, que é um ponto muito importante de ser considerado não apenas no enfrentamento da pobreza, mas das novas pobrezas em que nós podemos estar envolvidos, das novas formas de manifestação da desigualdade, tendo em vista que o Brasil, daqui a duas décadas, terá um povo completamente diferente do povo atual. Nós estamos vivendo um momento de redução dramática da taxa de fecundidade. Nossa taxa de fecundidade atual é de 1,7 filho por mulher. Se nós considerarmos mulheres brancas de mais escolaridade, a taxa de fecundidade é de 0,9 filho por mulher. Mulheres não brancas têm uma taxa de fecundidade 2,3 vezes maior que as mulheres brancas. Nós estamos constituindo outra população no Brasil; atualmente, é uma população em que 52% se declaram não brancos - eu uso o termo não brancos porque há várias modalidades de se definir o que é mulato, negro, escuro, mameluco, cafuzo. Então, atualmente, 52% declaram-se não brancos. Diante das diferentes taxas de fecundidade, daqui a 20 anos nós teremos uma população, talvez, com 70% constituída por não brancos. Eu digo isso não por uma questão de preconceito racial, pelo contrário, pelo reconhecimento que a população não branca no Brasil é aquela que tem mais dificuldade de acesso aos serviços públicos, aos bons empregos, à educação. Portanto, políticas de cotas, que são necessárias, são cada vez mais insuficientes, quando nós olhamos a trajetória da demografia brasileira.

Nós estamos vivendo um quadro muito intenso de envelhecimento dos brasileiros. Temos, atualmente, três milhões de brasileiros com 80 anos ou mais de idade; daqui a 20 anos, serão 20 milhões de brasileiros com 80 anos ou mais de idade. As nossas cidades não estão preparadas para conviver com esse processo de envelhecimento da população. Aqueles que têm mais idade sabem das dificuldades de mobilidade, o isolamento que isso muitas vezes significa, as implicações nos gastos com a saúde. Então, esse é um tema muito importante. Nós estamos caminhando para a construção e para o aparecimento de cidades fantasmas, porque, em várias cidades do Brasil, o censo de 2010 revelou que está reduzindo a população. É cada vez menor, a cada ano que passa, a população, porque há migração, há uma serie de eventos.

Em 1990, 35% da população dos brasileiros tinham até 14 anos de idade, e, hoje, são 24% dos brasileiros com até 14 anos de idade. Em 2030, talvez, sejam 12%. Nós estamos entrando numa fase em que talvez sobrem escolas. Esse é um quadro que precisa ser analisado e considerado. Há um tempo de intervenção para isso, para que nós não tenhamos problemas maiores, do ponto de vista de novas formas de desigualdade. Hoje, metade da população miserável no Brasil é constituída de crianças. Crianças não têm condições de gerar renda. É fundamental uma ação sobre as crianças para romper com aquilo que nós chamamos de ciclo estrutural da pobreza, que faz com o filho do pobre continue sendo pobre, porque o pai era pobre. Portanto, uma ação em relação a esse segmento, que representa metade, é absolutamente necessária, não apenas para enfrentar a miséria, tal como ela se manifesta, mas para romper com os laços que fazem com que ela se mantenha estruturalmente vinculada por uma estrutura familiar dessa característica.

Não há dúvida de que temos problemas ainda graves nos programas de garantia de renda, assim como é o caso do Bolsa Família, da burocratização do fornecimento de cadastros, problemas pelo fato de não ser uma política de Estado. O Bolsa Família é um programa, não é uma política de Estado; ele pode mudar, se mudar os Governos. Ele não garante, como é o caso da política do seguro-desemprego. O trabalhador, quando fica desempregado, vai a um posto do trabalhador, à Caixa Econômica, e lá ele mostra a sua realidade através da carteira do trabalho, e ali se avalia se ele já tem condição ou não de receber o benefício. Quando é feito o cadastramento para o Bolsa Família - em geral, poucas vezes ao ano -, naquele momento ele pode estar empregado e com boa renda; no mês seguinte, ele pode perder o emprego e entrar na condição de pobreza, e ele não tem como recorrer. Então, entendemos que é um passo, em termos de construção da política, a transformação do Programa Bolsa Família numa política de Estado que permitisse que, em cada cidade do País, as pessoas que entrassem na condição de miserabilidade pudessem recorrer imediatamente e passassem a receber o benefício e, ao mesmo tempo, deixar de receber o benefício tão logo entrassem numa situação de renda melhor.

Por fim, em relação ao que foi apresentado pela Luísa, pelo paradoxo, nós não imaginávamos que teríamos, como temos hoje no Brasil, uma maior parcela da população mais obesa do que de gente passando fome. Isso, certamente, está relacionado a vários fatores, mas um, em especial, que é o hábito, o padrão alimentar. Nós somos muito induzidos a consumo indicado pelos meios de comunicação, pelo comércio, pela propaganda, que não necessariamente representa o melhor método de alimentação. Portanto, a educação alimentar é parte integrante não apenas para viabilizar um alimento mais barato, mas mais saudável. É melhor investir na saúde para não gastar na doença. Esse é um tema de grande importância, especialmente quando nós estamos, basicamente, abandonando a condição de País onde as pessoas não têm o mínimo para se alimentar.

De maneira geral, acho que era isso que eu podia ajudar, dado o tempo e a oportunidade que tive aqui. Ao finalizar a nossa participação, queria, mais uma vez, renovar a nossa esperança de que essa Frente Parlamentar possa ter êxito, na medida em que ela se envolva com aqueles que conhecem a realidade por vivê-la. E algo fundamental é que nós não vamos acabar a pobreza sem que os pobres estejam envolvidos diretamente no seu próprio soerguimento. Muito obrigado a todos, e parabéns por mais este evento. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE (Sofia Cavedon): Nós agradecemos pela escapada que o Marcio conseguiu de um compromisso no Interior. Quero dizer aos representantes dos Núcleos de Fome Zero que estamos muito felizes por estarem aqui conosco. Vocês serão, com certeza, interlocutores prioritários dessa Frente Parlamentar. A Verª Maria Celeste e o Ver. Dr. Raul Torelly são do grupo dos Parlamentares que estão assumindo a coordenação, mas registro que também temos conosco o Ver. DJ Cassiá, o Ver. Engenheiro Comassetto e o Ver. Todeschini.

Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Encerra-se a Sessão às 18h39min.)

 

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